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Procº nº 831/96.
2ª Secção.
1. Nos presentes autos vindos do Supemo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrente, A... e, como recorridos, o Ministério Público e o assistente C..., concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada de fls. 185 a 193 pelo relator, que aqui se dá por integralmente reproduzida, não julgando inconstitucional, por ofensa do nº 4 do artigo 29º da Lei Fundamental, a norma constante da alínea a) do nº 2 do artº 412º do Código de Processo Penal, decide-se negar provimento ao recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 5 unidades de conta. Lisboa, 21 de Janeiro de 1997 Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Luis Nunes de Almeida EXPOSIÇÃO PRÉVIA Procº nº 831/96.
2ª Secção.
1. A... foi, pelo representante do Ministério Público junto do Tribunal de comarca de Guimarães, no que foi acompanhado pelo assistente C..., acusado da prática de determinados factos que foram subsumidos
à autoria de um crime de burla e de um outro de falsificação de documento, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 313º, nº 1, e 314º, alínea c), e 228º, números 1, alínea a), e 2, todos do Código Penal.
Por acórdão de 12 de Junho de 1995, proferido pelo tribunal colectivo de Guimarães, foi o arguido condenado na pena única de três anos e nove meses de prisão e tinta e três dias de multa à taxa de Esc. 300$00, a que corresponderam vinte dias de prisão alternativa, sendo-lhe perdoado um ano de prisão.
Desse acórdão recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, o Ministério Público, na resposta à motivação por aquele apresentada, suscitado a questão da rejeição do recurso, pois que, sendo este circunscrito a matéria de direito, o arguido não indicou, nos termos da alínea a) do nº 2 do artº 412º do Código de Processo Penal, as normas jurídicas que, em seu entender, teriam sido violadas.
Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o representante do Ministério Público aí em funções exarou «parecer» no sentido de dever ser rejeitado o recurso do arguido.
Notificado deste «parecer», fez o arguido juntar aos autos uma peça processual na qual, após sustentar que se não podia dizer que não tivesse havido, nas «conclusões» da motivação de recurso, menção das normas jurídicas violadas, referiu:
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16. O Excelentíssimo Tribunal que Vossas Excelências, Senhores Conselheiros, constituem, perante si não tem apenas um recurso, mas sim um CASO, em que aquele se integra.
17. Por isso que deva, efectivamente, aqui e mais uma vez salvo o devido respeito por quem de outro modo entenda, ater-se não apenas às regras do recurso mas igualmente às do CASO.
18. Dessas regras faz parte o disposto no art. 2º do CPenal, e faz parte, sobretudo e acima de tudo, o que determina o art. 29º nº 4 do CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, de que aquele art. 2º é uma emanação.
19. De acordo com tal preceito constitucional, perante qualquer CASO que lhe seja submetido deve o julgador aplicar 'retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido'.
20. Uma interpretação do art. 412º, 2 a) do CPP que leve ao impedimento da aplicação do novo regime mais favorável ao arguido, conforme imposto pelo citado preceito constitucional, conduz à violação deste, o que acarreta a INCONSTITUCIONALI- DADE daquele específico comando do dito art. 412º do CPP,
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2. Por acórdão de 2 de Maio de 1996, o Supremo Tribunal de Justiça, julgando procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, rejeitou o recurso.
Disse-se nesse aresto, por entre o mais:-
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No caso vertente, não se indicou qualquer norma jurídica violada que devesse levar à imposição de penas menos graves, susceptíveis de conduzirem, no domínio do Código de 1982, à suspensão da execução da pena. As normas referidas nas últimas conclusões dizem respeito, todas elas, ao C. Penal revisto e, não estando ainda em vigor não foram aplicadas e não podiam, sequer, ter sido violadas.
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O recorrente, colocado perante as consequências da procedência da questão prévia, avança com a inconstitucionalidade da citada alínea A), do nº 2 do art. 412º citado e refere que essa questão da aplicação da lei mais favorável dá origem, para além do recurso, a 'um caso' em que ele se integra e que são as regras do 'caso' que se devem aplicar.
É claro que isto não passa de uma ficção porque não há 'casos' mas apenas recursos como meio de os tribunais reapreciarem as decisões das instâncias.
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O princípio da aplicação da lei penal mais favorável aí [reportava-se ao nº 4 do artigo 29º da Constituição] consagrado, não é minimamente posto em causa pela norma que obriga, sob pena de rejeição, à indicação das normas jurídicas violadas quando as conclusões do recurso versem matéria de direito, como é o caso.
O que acontece é que o recorrente não deu cumprimento, como podia e devia, ao que se preceitua naquela alínea A) e com isso e só por isso impede que o tribunal de recurso conheça dessa questão e das demais.
Caso tivesse indicado as normas que teriam sido infringidas pelo acórdão recorrido, o seu recurso teria de prosseguir e então este Supremo teria de ponderar sempre e qual o regime que em concreto era mais favorável ao arguido
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É deste acórdão que vem, pelo arguido A..., interposto recurso para o Tribunal Constitucional, com o fim de ser apreciada a
'inconstitucionalidade do art. 412º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal, se interpretado no sentido de rejeição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por finalidade expressa o impedimento de trânsito em julgado de decisão anterior, com vista à aplicação de lei nova, mais favorável ao arguido, entrada em vigor posteriormente àquela decisão'.
O recurso foi admitido por despacho de 17 de Outubro de
1996.
3. Porque a questão colocada neste recurso, claramente, não tem qualquer cabimento, perfilha-se a opinião segundo a qual o mesmo poderia ser rejeitado com fundamento na circunstância de o mesmo ser manifestamente infundado (cfr. nº 2 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro).
Todavia, ponderando que não foi esse o caminho seguido no Alto Tribunal a quo, isso não significa que, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, se não efectue agora exposição - na qual se propugna por se dever negar provimento ao recurso -, porquanto a questão a decidir é manifestamente simples.
Na verdade, como resulta do que acima se deixou transcrito, o ora recorrente, referentemente a uma dada interpretação a conferir
à norma constante da alínea a) do nº 2 do artº 412º do Código de Processo Penal, suscitou uma questão de desconformidade com a Lei Fundamental que, na sua perspectiva, radicava na ofensa do nº 4 do seu artigo 29º.
Essa interpretação seria, justamente, aquela segundo a qual se tal norma conduzia ao 'impedimento da aplicação do novo regime mais favorável ao arguido'.
3.1. Dispõe-se nos números 1 e 2, alínea a), do artº
412º do Código de Processo Penal:-
1. A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2. Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição:
a) As norma jurídicas violadas.
Como o impugnante interpôs recurso que foi entendido só versar matéria de direito (entendimento que não pode ser sindicado por este Tribunal, muito embora se acrescente ser o mesmo correcto, pois que o recurso visava, e tão só, a imposição de pena de menor gravidade, atentos os factos apurados na audiência que teve lugar na 1ª instância e que o arguido minimamente não colocou em causa), o Supremo Tribunal de Justiça, fundado no normativo acima transcrito, rejeitou o recurso, não podendo, em consequência, apurar se, no caso, havia, ou não, de aplicar ao recorrente um regime penal - posterior ao que vigorava aquando da prolação do acórdão do Tribunal colectivo de Guimarães - que fosse mais favorável a este.
De onde se poder até, desde logo, extrair que não resultava, com liquidez, que o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão sob censura, tivesse conferido à norma em causa uma interpretação segundo a qual a mesma impediria a aplicação ao recorrente de um regime penal mais favorável.
Aquele Supremo Tribunal, aliás, não teve de usar de qualquer esforço interpretativo sobre a norma da alínea a) do nº 2 do artº 412º do C.P.P., pois que a sua aplicação no caso resultou unicamente do respectivo teor literal.
E, por isso, até não seria estulto dizer-se que tal aplicação não comportou qualquer interpretação por via da qual foi afastada a efectivação do prescrito no nº 4 do artigo 29º do Diploma Básico relativamente a situações em que o recurso tem por finalidade, não a reapreciação da decisão condenatória proferida em 1ª instância, mas sim, e tão somente, impedir o seu trânsito em julgado, com o fito de, podendo, posteriormente, vir a entrar em vigor um regime penal que porventura se mostre mais favorável, beneficiar dele o recorrente.
Seja como for, o que é certo é que a literalidade do preceito arguido de desconforme com a Constituição também aponta para que, em todos os casos de recurso de sentenças penais condenatórias, quando o arguido, na respectiva motivação - estando em causa mera matéria de direito -, não indica as normas jurídicas violadas, o mesmo deva ser rejeitado.
Ora, porque, conforme tem sido jurisprudência deste Tribunal, o direito ao recurso de sentenças penais condenatórias é algo que deve ser perspectivado como uma garantia fundamental - pois que deflui do nº 1 do artigo 32º da Constituição -, então, a acolher-se tese com idêntico pressuposto de que parte o ora recorrente, também num tal caso a norma em apreciação seria constitucionalmente insolvente.
E, nessa tese, também seria defensável - o que, no mínimo, se revela absurdo - que, em nome do asseguramento de todas as garantias de defesa em processo criminal, se exigisse que o tribunal superior tivesse de apreciar um recurso relativamente a uma situação em que um arguido, condenado pelo cometimento de um crime em 1ª instância, manifestasse a intenção de recorrer e não apresentasse qualquer motivação.
A exigência de indicação de normas jurídicas violadas nas conclusões da motivação de recurso em processo criminal [que, note-se, até tem de ser elaborada por advogado ou por advogado estagiário - cfr. artigos 64º, nº 1, alínea d), e 62º, números 1 e 2, do Código de Processo Penal], se o recurso for circunscrito a matéria de direito não é, manifestamente e por maiores esforços que se façam para vislumbrar oposta resposta, algo que se revele contrário, desproporcionado ou redutor das garantias de defesa do arguido ou minimamente ofensivo da aplicação da regra constitucional da aplicação retroactiva ao mesmo das leis penais de conteúdo mais favorável.
Em face do exposto, e porque, repete-se, a questão a decidir se revela manifestamente simples, dado que se não lobriga qualquer violação do nº 4 do artigo 29º da Lei Fundamental por banda da norma ínsita na alínea a) do nº 2 do artº 412º do Código de Processo Penal, entende-se - e assim se propõe - que ao presente recurso deve ser negado provimento.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82. Lisboa, 29 de Novembro de 1996.