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Processo nº 397/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de Março de 1996, que não tomou conhecimento de um recurso por ela interposto ao abrigo da lei processual criminal - os artigos
399º e seguintes do vigente Código de Processo Penal - e determinou 'a sua baixa
à 1.ª instância para subir com o recurso da decisão que vier a pôr termo à causa'.
No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade invoca a recorrente o 'disposto no artgº 70 nº 1 alínea B,
72 nº 1 alínea B, 75-A nº 2 e 78º nº 3 da Lei nº 28/82', acrescentando ainda:
'A norma cuja inconstitucionalidade se pretende declarada é a do artgº 407 nº 2 do C.P.P., por violação do disposto no artgº 32 nº 1 da Constituição da República Portuguesa no âmbito em que a recorrente a arguiu.
Foi suscitada a questão de inconstitucionalidade desta norma, em requerimento de arguição de nulidade do 1º acórdão proferido nos autos, pelo qual foi alterado o regime de subida do recurso'.
2. Nas suas alegações concluiu assim a recorrente:
'1ª A recorrente veio interpôr recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão da Relação de Lisboa, que alterou o regime de subida do recurso interposto em 1ª instância.
2º Com efeito o recurso interposto de 1ª instância prendia-se com o facto de se ter vindo solicitar ao J.I.C. a restituição provisória de um veículo automóvel apreendido, nos termos do DL 31/85, artgº 3 nº 3.
3º Apesar de admitido a subir imediatamente veio a Relação a alterar o regime de subida considerando que a subida a final não o torna
absolutamente inútil, não sendo aplicável ao caso o disposto no artgº 407 nº 2 do C.P.P.
4º Não podemos concordar com esta apreciação porquanto, tratando-se requerer a restituição provisória do veículo nenhum sentido fará, o recurso subir a final, quando já existe decisão definitiva.
5º. E diga-se que se tal acontecer, a subida a final, então na prática as decisões proferidas sobre a restituição provisória de veículos, são inatacáveis, via recurso, porque a subida a final inibe ou torna absolutamente inútil, o discutir-se a restituição provisória quando já existe uma decisão definitiva.
6º Aliás a restituição provisória tem a sua razão de ser num certo contexto temporal, antes de proferida a decisão final, por isso se trata de uma restituição provisória.
7º Por isso ver-se-ia diminuído um direito de defesa que a Constituição consagra de modo amplo, já que limitar a possibilidade de requerer a restituição provisória é fazer diminuir esse mesmo direito.
8º Assim sendo não nos restam dúvidas que o preceito do artgº 407 nº 2 do C.P.P.
é inconstitucional se interpretado no sentido que num recurso em que se pede a restituição provisória de um veículo automóvel a sua subida deve ser a final, por não se tornar absolutamente inútil, por violação do artgº 32 nº 1 da C.R.P.'
3. O Ministério Público apresentou contra-alegação, concluindo como se segue:
'1º Não é inconstitucional, pois não viola qualquer princípio ou preceito da Lei Fundamental, a norma do nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido de estabelecer um regime de subida diferida, com o recurso eventualmente interposto da decisão final, para o recurso do despacho que se absteve de apreciar o pedido de restituição de veículo automóvel apreendido nos autos.
2º
Termos em que deve negar-se provimento ao recurso'.
4. Vistos os autos, cumpre decidir.
A situação retratada nos autos ressalta com clareza das conclusões das alegações da recorrente, vendo-se aí que ela impugnou por via de um recurso previsto no Código de Processo Penal uma decisão da primeira instância, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, mas o acórdão recorrido, debruçando-se unicamente sobre a questão prévia suscitada pelo relator, nos termos do artigo 417º daquele Código - 'Qual o regime de subida a atribuir a este recurso': foi este o enunciado da questão a decidir -, aderiu ao entendimento do relator e, como já ficou dito, determinou a baixa do recurso à
1ª instância 'para subir com o recurso da decisão que vier a pôr termo à causa'.
Nesse acórdão, depois de se aludir ao aspecto normativo, transcrevendo-se o artigo 407º do Código de Processo Penal, diz-se que o recurso em causa 'não consta da enumeração constante do artigo 407º/1 e suas alíneas' e que também 'não se trata de recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil' (segue-se a demonstração do afirmado, com citações de jurisprudência), concluindo-se deste modo:
'Pelo que se disse, quando não devam subir imediatamente os recursos sobem e são instruídos e julgados conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa.
nº 3 do referido artº 407º
É o caso do presente'.
Surpreendida a recorrente com tal acórdão - ela não havia tomado conhecimento do parecer do relator -, veio 'arguir a sua nulidade, face ao disposto no artigo 668 nº 1 alínea D do C.P.C.', requerendo aí que 'seja declarada inconstitucional a norma do artgº 407 nº 2 do C.P.P. quando interpretada no sentido de que a retenção do recurso, em que se pede a restituição provisória de veículo apreendido e se argui cumulativamente a nulidade da apreensão, não o torna absolutamente inútil, por violação do disposto no artgº 32 nº 1 da C.R.P.', mas tal arguição foi desatendida no acórdão do mesmo tribunal de relação, de 20 de Março de 1996, sob a fórmula de:
'indeferir os pedidos da Recorrente' (nesse acórdão enunciou-se como uma das
'questões a decidir' a da 'inconstitucionalidade da norma do artº 407 nº 2 do C.P.P.', entendendo-se, porém, que 'esgotou-se totalmente o poder jurisdicional', pois o tribunal, 'bem ou mal, já se pronunciou', sendo 'de todo inadmissível que agora, o mesmo tribunal, houvesse de reapreciar o decidido, a pretexto de qualquer nova questão levantada pela recorrente, como seja a da hipotética desconformidade constitucional da decisão').
5. Não se vislumbram obstáculos a que se conheça do mérito do presente recurso de constitucionalidade, pois no acórdão recorrido, conquanto pareça que a única norma nele aplicada teria sido a do nº 3 do citado artigo
407º, no entendi
mento de que o recurso em causa teria subida diferida, atentas as circunstâncias do mesmo, também há, em bom rigor, aplicação do nº 2 desse artigo, na medida em que se considerou no acórdão e procurou até demonstrar-se não ser caso de recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil ('Sobem ainda imediatamente os recursos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis' - é o que diz esse nº 2).
Por consequência, é objecto do recurso de constitucionalidade aquela norma do nº 2 do artigo 407º do Código de Processo Penal, 'quando interpretado no sentido de estabelecer um regime de subida diferida, com o recurso eventualmente interposto da decisão final, para o recurso do despacho que se absteve de apreciar o pedido de restituição de veículo automóvel apreendido nos autos' (na linguagem do Ministério Público).
Ora, a tal respeito, já este Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido de que não viola tal norma 'qualquer princípio ou norma constitucional', nomeadamente o artigo 32º, nº 1, da Constituição, consagrando que o 'processo criminal assegurará todas as garantias de defesa', e que é o fundamento invocado pela recorrente (acórdão nº 474/94, publicado no Diário da República, II Série, nº 258, de 8 de Novembro de 1994).
Aí se considerou:
'Em matéria de direito penal, a Constituição garante aos arguidos que o processo penal lhes assegura «todas as garantias de defesa», ou seja, todos os direitos e instrumentos necessários para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação.
Um dos meios ou uma das expressões do direito de defesa é o direito de recorrer
(cfr. Acórdão nº 8/87, in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 9º Vol., pg
229), precisando todavia a jurisprudência do Tribunal que, ressalvado o «núcleo essencial» do direito de defesa centrado no direito de recorrer da sentença condenatória e dos actos judiciais que privem ou restrinjam a liberdade do arguido ou afectem outros direitos fundamentais seus, o direito do recorrer pode ser restringido ou limitado em certas fases do processo, podendo mesmo não ser admitido relativamente a certos actos do juiz (v.g., despacho que designa dia para julgamento em processo correccional- acórdão nº 31/87, (ibidem, pg.
463), nem garantir um triplo grau de jurisdição (acórdão nº 178/88, in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 12º Vol., pg.569).
No caso em apreço, o direito de recurso está garantido, na medida em que o recurso foi admitido. Toda a questão resulta, porém, do facto de que, admitido embora o recurso, como o não foi para subir imediatamente não suspende o andamento do processo, que continuará os seus termos normais, já que o recurso apenas será apreciado quando subir e for apreciado o recurso que vier a ser interposto da decisão final.'
E acrescentou-se depois:
'A subida diferida de recursos assenta claramente numa exigência de celeridade processual - como bem refere, nas suas alegações, o Procurador-Geral adjunto - que em processo penal é um 'valor constitucionalmente relevante'. Assim, fazendo a lei processual penal subir imediatamente apenas os recursos cuja utilidade se perderia em absoluto se a subida fosse diferida, obvia-se a que a tramitação normal do processo seja afectada por constantes envios do processo à segunda instância para apreciação de decisões interlocutórias e, por outro lado, pode vir a evitar-se o conhecimento de muitos destes recursos que podem ficar prejudicados no seu conhecimento pelo sentido da decisão final.
É certo que o provimento de um recurso deste tipo leva à inutilização dos actos processuais que forem praticados após a sua interposição e que estejam na dependência do acto ou despacho recorrido.
Importa aqui, porém, acentuar que o regime de subida diferida em nada diminui as garantias de defesa do arguido que, face ao provimento do recurso, sempre verá a sua posição ser reconhecida jurisdicionalmente.'
Pode ainda dizer-se que, in casu, tratando-se de 'pedido de restituição de veículo automóvel apreendido nos autos', não se vê como isso possa colidir com as garantias de defesa em processo criminal.
Não havendo motivo para divergir desse entendimento e aderindo, no essencial, aos fundamentos do acórdão nº 474/94, há apenas que confirmar o julgado, que aplicou norma - a do nº 2 do artigo 407º, do Código de Processo Penal - que não é incompatível com a Constituição.
6. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso. Lisboa, 12 de Março de 1997 Guilherme da Fonseca Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida