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Proc. nº 825/97
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional I Relatório
1. Por decisão do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho de 19 de Novembro de 1996, foi aplicada à arguida L...,Lda., a coima de 10.000$00.
A arguida interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, recurso que foi julgado improcedente, por despacho de 1 de Julho de 1997.
2. A arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa do despacho de 1 de Julho de 1997, ao abrigo do artigo 73º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Foram passadas guias, para o pagamento da taxa de justiça, no valor de 12.000$00.
Não tendo as guias sido pagas, foi a arguida notificada para pagar 24.000$00, nos termos do artigo 80º, nº 2 do Código das Custas Judiciais.
A arguida reclamou, sustentando a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 86º do Código das Custas Judiciais, por violação do artigo 20º da Constituição, na medida em que impõe o pagamento de taxa de justiça no valor de 1 Uc num processo em que está em causa uma coima no valor de
10.000$00.
O juiz do Tribunal do Trabalho de Torres Vedras, por despacho de fls. 67 e ss., recusou a aplicação da norma contida no artigo 86º do Código de Custas Judiciais, por inconstitucionalidade, fixando a taxa de justiça em 3.000$00.
3. O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade do despacho de fls. 67 e ss., ao abrigo dos artigos 280º, nº
1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 86º do Código das Custas Judiciais.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, que concluiu do seguinte modo:
1º - Os princípios constitucionais da igualdade, da proporcionalidade e o direito de acesso à justiça não são afectados pelo facto de o legislador infraconstitucional ter estabelecido , no artigo 86º do Código das Custas Judiciais vigente, uma taxa de justiça fixa de 12 contos, devida pela interposição de qualquer recurso em matéria penal ou contraordenacional, sem que haja conexão com o montante da sanção pecuniária imposta ao arguido no tribunal
?a quo? e sem que, nesta fase processual, se tenha ainda tomado posição sobre se a quantia ?antecipada? deverá ou não ser-lhe restituída, se o recurso merecer provimento.
2º - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, determinando-se a reforma da decisão recorrida.?
A recorrida não contra-alegou.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
5. O preceito cuja aplicação o juiz do Tribunal do Trabalho de Torres Vedras recusou com fundamento em inconstitucionalidade tem a seguinte redacção: Artigo 86º Taxa devida pela interposição de recurso
Pela interposição de qualquer recurso ordinário ou extraordinário é devida taxa de justiça correspondente a 1 UC.
O juiz a quo considerou que tal norma se mostra fortemente desmotivadora do exercício do direito ao recurso nos casos de pequena importância económica, o que colide com o preceituado no artigo 20º da Constituição.
A questão de constitucionalidade em apreciação no presente recurso consiste, assim, em saber se a Constituição proíbe o estabelecimento de uma taxa de justiça de valor fixo devida pela interposição de qualquer recurso em processo contraordenacional (maxime, quando o valor da taxa de justiça ultrapassar o valor da coima).
6. O estabelecimento de taxas de justiça fixas (independentemente do valor da causa) ou a consagração de valores mínimos relativamente a quaisquer custas devidas nos tribunais não contrariam os princípios constitucionais relacionados com o acesso à justiça.
Com efeito, tais soluções nem têm a virtualidade de, por si, afectar de modo constitucionalmente inadmissível o direito ao recurso nem geram uma desigualdade dos cidadãos na efectivação do mesmo acesso à justiça.
Quanto a uma eventual limitação do próprio acesso à justiça nas causas de diminuta relevância, dir-se-á que é justificável - na perspectiva da equidade inerente aos custos económicos da justiça - que sejam ultrapassados valores inferiores a certo montante, por o próprio custo de tal cobrança dever exceder, pelo menos, o proveito económico retirável das custas processuais e poder pretender, legitimamente, impedir a interposição sistemática e sem fundamento sério de recursos nas causas em que a tributação da actividade processual desenvolvida pela litigante seria, de acordo com um sistema puramente proporcional, insignificante.
Quanto a uma eventual violação da igualdade nos custos do acesso à justiça, sempre se dirá, também, que ela não tem, necessariamente, que ser pautada pela gravidade das infracções ou das sanções, porque se fundamenta nos custos de um serviço público e não tem verdadeiramente natureza de sanção ou de prolongamento de uma sanção.
Assim, a referida uniformização da taxa de justiça nem sequer suscita um problema de igualdade, por o seu critério nada ter a ver com a gravidade da causa.
Note-se, aliás, que a própria tabela anexa ao Código das Custa Judiciais, vigente nos processos cíveis, leva precisamente ao resultado agora questionado.
Sendo certo que o legislador infraconstitucional tem uma ampla liberdade na conformação do direito ao recurso (sendo-lhe constitucionalmente legítimo estabelecer limitações desde que fundadas em motivos dignos de tutela ? cf., entre outros, os Acórdãos nºs 163/90, D.R., II, de 18 de Outubro de 1991, e
810/92, D.R., II, de 12 de Setembro de 1992), há que concluir que a norma em apreciação não viola o disposto no artigo 20º da Constituição.
7. Problema diverso é a da devolução do valor pago, no caso de o recurso obter provimento (artigo 81º do Código das Custas Judiciais).
Porém, tal questão não está agora em apreciação, desde logo porque o Tribunal da Relação de Lisboa ainda não decidiu o recurso interposto.
O Tribunal Constitucional não apreciará, portanto, tal questão.
III Decisão
8. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 86º do Código das Custas Judiciais, concedendo provimento ao recurso e revogando, consequentemente, a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 21 de Outubro de 1998 Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira Bravo serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa