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Procº nº 658/96.
2º Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal Administrativo e em que figuram, como recorrente, D... e, como recorrida, a Fazenda Pública, tendo em conta a exposição formulada pelo relator de fls. 131 a
138 e à qual, no essencial, se dá concordância, e ao que se adita que, de todo o modo, tão pouco houve, por parte da recorrente, a formulação de pedido de reforma do acórdão ora pretendido pôr sob censura no tocante à condenação em custas de que foi alvo (o que ainda seria momento adequado para a suscitação da questão de inconstitucionalidade da norma constante do nº 1 do artº 447º do Código de Processo Civil na interpretação que agora pretende questionar), decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se a impugante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em oito unidades de conta. Lisboa, 15 de Janeiro de 1997. Bravo Serra José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Messias Bento Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa EXPOSIÇÃO PRÉVIA Procº nº 658/96.
2ª Secção.
1. Tendo D... impugnado judicialmente a determinação de reposição de determinadas importâncias que lhe foram abonadas, o Juiz do 7º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, por decisão de 9 de Fevereiro de 1993, considerou improcedente a impugnação, uma vez que, na sua
óptica, a mesma fora deduzida extemporaneamente.
Não conformada, recorreu a impugnante para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Na pendência do recurso, fez a impugnante juntar aos autos certidão extraída de sentença proferida em 25 de Maio de 1994 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa e por intermédio da qual foi anulado o acto determinativo da reposição, o que, na sua perspectiva, configuraria um 'caso de inutilidade superveniente da lide, por motivo inimputável à Recorrente'.
Por acórdão prolatado em 17 de Abril de 1996 e pela 2ª Secção do S.T.A., foi julgada extinta a instância de recurso jurisdicional por inutilidade superveniente, condenando-se a recorrente nas custas processuais.
Para alcançar esta decisão de condenação, disse-se nesse aresto:-
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Resulta dos autos que contra o mesmo acto, a recorrente interpôs dois recursos contenciosos: um para o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e outro (impugnação judicial) para o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa
(7º Juízo). Enquanto o Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa rejeitou o recurso por extempo- raneidade, o Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa conheceu do mérito e anulou o acto impugnado.
Deste modo, a recorrente já obteve o efeito que pela impugnação judicial se propunha obter: o acto que mandou fazer a reposição dos retroactivos foi, por efeito da anulação contenciosa, expurgado da ordem jurídica. Como assim, torna-se inútil, supervenientemente, a lide de recurso jurisdicional.
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Resta a questão das custas. Nos termos do artº 447, nº 1, do CPC, quando a instância se extinguir por inutilidade da lide, as custas ficam a cargo do autor, salvo se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto imputável ao réu, que nesse caso as pagará.
Ora, in casu, a inutilidade é imputável a quem?
A recorrente interpôs dois recursos contenciosos do mesmo acto e para tribunais diferentes. Ora, se mais tarde um dos recursos deixou de lhe interessar, por ter obtido ganho de causa no outro, é justo que seja ela a suportar as custas a que deu causa. Com efeito, foi por causa da sua actividade processual no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que este recurso jurisdicional deixou de lhe interessar e a instância se tornou inútil. A ordem jurídica faculta à recorrente o acesso a um tribunal para defesa dos seus direitos, mas não a dois tribunais ao mesmo tempo.
Por estas razões, entende-se que foi a recorrente que originou a inutilidade superveniente da lide deste recurso jurisdicional.
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Notificada do acórdão de que parte imediatamente acima se encontra transcrita, veio a recorrente juntar aos autos requerimento por via do qual pretendeu recorrer para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, nele dizendo:-
'1º
Nos termos das disposições citadas cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
2º
Sendo certo que 'há aplicação da nomra para efeitos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 não só nos casos de aplicação expressa, como também nos casos de aplicação implícita' (...)
3º
E no conceito de 'norma', para os efeitos do citado preceito, se deve atender à significação ou conteúdo do comando ou critério de decisão que no caso se aplicou (...)
4º
Por outro lado, e salvo o merecido respeito, a Recorrente não pôde antever (nem face às circunstâncias era exigível que antevisse) a aplicação da norma que pretende submeter a juízo de censura.
5º
O douto acórdão recorrido não se estriba, expressamente, em
'preceito', dizendo tão só, no segmento que aqui interessa, que 'a ordem jurídica faculta à recorrente o acesso a um tribunal para defesa dos seus direitos, mas não a dois tribunais ao mesmo tempo'.
6º
Destarte, e como é apodítico, para assim julgar aplicou 'norma' (ou fez 'interpretação normativa', se assim melhor se preferir), que consonantemente com o sistema de fiscalização da constitucionalidade se insere nos poderes de cognição do Venerando Tribunal Constitucional.
7º
E tal 'norma' é o artº 447º, nº 1, do Código de Processo Civil
(disposição de aplicação subsidiária), que na interpretação e aplicação dela feita, infringe o disposto na Constituição e princípios nela consignados, designadamente o que promana do artº 20º, nº 1, da Lei Básica, e, pois, é inconstitucional'.
2. O recurso foi recebido por despacho de 31 de Maio de
1996.
Não obstante o mesmo, e porque ele não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82), entende-se que o recurso não deveria ter sido recebido.
Daí a feitura, ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei, da presente exposição, na qual se propugna por se não dever tomar conhecimento do recurso.
Na realidade, dúvidas não se podem colocar que, de um lado, no que tange à condenação da recorrente nas custas, levada a efeito pelo acórdão intentado pôr sob censura, se baseou na estatuição constante do nº 1 do artº 447º do Código de Processo Civil e, de outro, que essa condenação teve por base a circunstância de o S.T.A. entender que se postava um caso de inutilidade superveniente da lide imputável à recorrente. Ainda de outro lado, a recorrente, ao fazer juntar a certidão extraída dos autos que correram termos pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, tinha perfeita consciência de que o fez movida na finalidade de a instância concernente à impugnação jurisdicional vir a ser declarada finda por inutilidade superveniente em face do decidido por aquele Tribunal Administrativo, decisão que foi tomada precedendo petitório deduzido pela mesma recorrente.
Do teor do norma contida no nº 1 do citado artº 447º extrai-se a regra geral segundo a qual, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade da lide, é o autor quem suportará as custas, consignando-se, como excepção a esta regra, que as custas ficarão a cargo do réu se a impossibilidade ou inutilidade resultar de facto que lhe seja imputável.
Ora, sabendo a recorrente, como deveria saber, do teor da norma em causa, e sabendo também que, in casu, a declaranda inutilidade se deveu à circunstância de já ter sido proferida, com trânsito, uma decisão judicial, por si requerida, que tinha justamente por objecto o mesmo acto que se visou atacar por intermédio da impugnação jurisdicional, então - se entendesse que uma interpretação da excepção prescrita no nº 1 do artº 447º do Código de Processo Civil que não abarcasse essa circunstância (ou seja, que não abarcasse os casos em que a inutilidade decorre do facto de, havendo, pendentes por diferentes tribunais, dois, também diferentes, processos, requeridos pelo mesmo autor e incidindo ambos sobre um mesmo acto) seria uma interpretação contrária à Lei Fundamental - impunha-se-lhe que, aquando do requerimento que formulou no sentido de a instância vir a ser declarada supervenientemente inútil, suscitasse a desconformidade constitucional de uma tal interpretação.
O que não fez.
E nem se diga que a aplicação que da norma em crise fez o aresto desejado recorrer foi uma interpretação de todo anómala e imprevisível com a qual, razoavelmente, a recorrente não poderia contar.
De facto, tal aplicação é aquela que correntemente fazem os tribunais, tendo todo o suporte no teor do preceito onde a norma se encontra inserida.
Tratando-se, como se trata, de um recurso fundado, como se disse, na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, e sendo que, antes da decisão tomada pelo S.T.A., teve a recorrente, processualmente, oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade que agora pretende identificar no requerimento interpositor do recurso para este Tribunal, há que concluir que, no caso vertente, não cumpriu aquela recorrente o ónus, que sobre si impendia, de suscitação da mencionada questão, o que significa que se não depara um dos requisitos a que há-de obedecer aquela espécie de impugnação.
3. O que veio de se dizer repousa, como evidente é, na pressuposição (que, de todo em todo, não é líquida) de que aqui se está perante um caso de aplicação normativa derivada de uma determinada interpretação de um preceito legal.
Efectivamente, é perfeitamente possível defender-se que o que o S.T.A. efectuou foi um raciocínio de integração (recte, de não integração) das circunstâncias concretas do caso na excepção consignada no nº 1 do já referido artº 447º do C.P.C., o que o mesmo é dizer que o que o S.T.A. fez foi dizer que não constituía um caso de imputação ao réu da inutilidade superveniente da lide a circunstância de, tendo o autor proposto duas providências jurisdicionais em diferentes tribunais e visando o mesmo objecto, um deles, a dado passo, ter já deduzido decisão transitada que, pelo seu teor, vai obstar a que a decisão a tomar pelo outro tribunal tenha algum efeito útil.
Nesta perspectiva, e como é bom de ver, nem sequer se colocaria qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº
28/82. Lisboa, 7 de Outubro de 1996.