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Processo n.º 755/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. e B. reclamaram para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da Decisão Sumária n.º 655/2011, na qual se entendeu não poder o Tribunal Constitucional conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto, por falta de verificação de um dos pressupostos de admissibilidade do mesmo – o da prévia suscitação da questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, tal como é exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Através do Acórdão n.º 61/2012, datado de 08.02.2012, o Tribunal decidiu indeferir a reclamação apresentada, confirmando o fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para a não admissão do recurso de constitucionalidade interposto.
Notificados desse Acórdão, vieram A. e B., nos termos das disposições conjugadas dos artigos 69.º da LTC; 668.º, n.º 1, alíneas b) e d) e n.º 4; 669.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alíneas a) e b), 716.º, 731.º e 732.º do Código de Processo Civil, arguir a sua “aclaração/nulidade e reforma”, o que fizeram com os seguintes fundamentos:
“I. Preâmbulo
1.
Os expropriados/recorrentes pretendem atacar os vícios do Acórdão (art.º 716.º do CPC, face aos arts. 666.º a 670.º do CPC e art.º 280.º da Lei Fundamental).
2.
Estão irresignados com estas fórmulas estereotipadas, verdadeiras chapas transcritivas que não convencem minimamente os cidadãos e apenas comportam um efeito meramente convencional para a sustentabilidade de vencimentos institucionais.
3.
Os cidadãos continuarão a aguardar pelo recurso de amparo constitucional, que venha revolucionar, no bom sentido este estado de coisas, em que já ninguém acredita, porque é tudo um faz de conta longínquo da sempre desejada apreciação de fundo do vasto leque de questões que o Tribunal Constitucional devia ajuizar, mas silencia.
4.
Como dizia Martin Luther King: “A justiça em qualquer lugar é uma ameaça à JUSTIÇA em todo o lugar”.
5.
Na verdade, o sentimento de Justiça quando é posto em causa provoca mecanismos de incompreensão e desconfiança, que deviam ser evitados.
6.
No caso vertente, trata-se de um processo decidido de forma contraditória no Tribunal de 2.ª Instância do PORTO, que o Venerando Tribunal Constitucional deveria ultrapassar, porque é doentia e inaceitável a imposição de um pensamento antagónico. (cfr. o Acórdão do TRPorto, de 17.10.11, de fls – Proc. 233/10. 1TB MGD.P1 – Apelação 1.ª).
II. A Obscuridade/Ambiguidade; O contraste é Flagrante:
a. Acórdão do TRPorto de 15.9.11 – 3.ª Secção- Proc. 232/10. 3TB MGD. P1, Apelação 1.ª, de Fls. 405/418; e
b. Acórdão do TRPorto de 17.10.11 – 5.ª Secção – Proc 233/10. 1TB MGD. P1, Apelação 1.ª, de Fls.
7.
Incumbe a qualquer Tribunal, quer seja de 1.ª, 2.ª ou 3.ª Instância, que “maxime” ao Venerando tribunal Constitucional obstar à oposição de julgados e à pluralidade sequencial contraditória das 3.ª e 5.ª Secções do TRPorto, porquanto nesta 2.ª Instância, a pluralidade significa que a 5.ª Secção diz o contrário da 3.ª Secção.
8.
E não pode ser desvalorizada ou silenciada esta contradição pelo Venerando Tribunal Constitucional em nome de uma alegada autonomia intelectual dos Magistrados, que deve ser respeitada, porque ambas as secções dizem o contrário!!!
9.
Há que admitir que existe necessidade de uniformização de procedimentos, nesta matéria expropriativa, porque se ocorre contradição na interpretação básica de uma lei estruturante, então é motivo para os cidadãos terem medo. Muito medo, dado que geraria uma profunda insegurança quanto às próprias decisões judiciais.
10.
Efetivamente, o Acórdão do TDPorto de 17.10.11 – 5.ª Secção – Proc. 233/10. 1TB MGD. P1 – Apelação 1-ª, de fls, julgou procedente o recurso e revogou a decisão recorrida, ordenando que fosse substituída por outra que determinasse aos expropriados para procederem ao pagamento da parte restante das quantias, a título de taxa de justiça e de multa que se considerassem corretas, seguindo-se depois os ulteriores termos do processo.
O TRPorto/ 5.ª Secção ajuizou que a decisão revogada era uma decisão surpresa e fez prevalecer o principio do contraditório, dando a oportunidade aos expropriados de pagar o restante, porque não devia ser coartado o seu direito a ver apreciado o recurso da decisão arbitral.
Mas, surpreendentemente, o TRPorto/ 3.ª Secção ajuizou precisamente o contrário, o oposto.
11.
Simplesmente, deparamo-nos com uma repetição da causa, porque há identidade de partes e de objeto, pois trata-se do mesmo pedido juntado na mesma causa de pedir e o Mmo. Juiz do TJ Mogadouro é a mesma pessoa. Há 2 decisões contraditórias.
12.
Ora, só transitou em julgado o Acórdão do TRPorto/5.ª Secção, de 17.10.11, que já corre os seus trâmites legais na 1.ª Instância/ TJ Mogadouro.
(Art.º 675.º do CPC).
13.
Donde, compete ao Venerando Tribunal Constitucional desfazer esta profunda obscuridade e ambiguidade relativamente à contraditória e oposta interpretação dada à norma do Art.º 12.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17/4, devendo cumprir-se o sentido interpretativo dado pelo acórdão que já está a ser cumprido e que foi proferido pelo TRPorto/ 5.ª Secção, de 17.10.11.
14.
Aliás, este flagrante contraste de contrariedade e de oposição de julgados foi adequadamente colocado ao Venerando Constitucional no PONTO/CAPÍTULO III, N.º 7 da Reclamação para a Conferência apresentada em 13.12.11, a Fls, que o Acórdão do TC 61/2012 transcreveu no habitual: I: Relatório e que aludiu em II. Fundamentação, n.ºs 3 e 4, sem que se tenha pronunciado sobre a arguida interpretação inconstitucional do disposto no art.º 12.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17.4, que remete para a Tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais.
Esta omissão constitui causa de nulidade do Acórdão, que é de todo em todo, NULO (arts. 668.º, n.º 1, d) e 716.º do CPC).
TERMOS em que,
Em face da argumentação objetiva e das disposições legais citadas, é evidente que o Acórdão enferma de obscuridade e ambiguidade e é inequivocamente NULO, por omissão da pronúncia concreta quando à arguida interpretação inconstitucional do disposto no art.º 12.º da Portaria n.º 419-A/2009. de 17.4, que remete para a Tabela I-A do RCP (arts. 668.º, n.º 1, d) e 716.º do CPC).
CONSEQUENTEMENTE,
impõe o deferimento da ARGUIÇÃO DE ACLARAÇÃO/NULIDADE E REFORMA do, aliás, DOUTO ACORDÃO prolatado em 8.2.12, a Fls., julgando o presente instrumento totalmente procedente e, nessa medida, mandando proceder à REFORMA do Acórdão em crise profunda, admitindo o presente recurso e conhecendo do fundo da questão constitucional, isto é do objeto do recurso, sem utilizar as já consabidas “chapas estereotipadas comercias” e apostando “maxime” no recurso de amparo”.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. No requerimento apresentado, os reclamantes começam por tecer observações críticas sobre o sistema português de fiscalização da constitucionalidade que, manifestamente, não servem de fundamento para efeitos de arguição de nulidade ou pedido de aclaração e reforma de decisão judicial, a que se referem as disposições dos artigos 668.º e 669.º do Código de Processo Civil, pelo que não serão sequer consideradas.
No que respeita às considerações que aí são feitas relativamente a decisões contraditórias feitas entre diferentes secções do Tribunal da Relação do Porto, é evidente que, tratando-se de matéria respeitante à ordem infraconstitucional, o Tribunal Constitucional é a tal matéria completamente alheio, extravasando da sua competência em sede de fiscalização concreta da constitucionalidade tomar posição sobre qualquer questão que seja estranha ao objeto específico do recurso no Tribunal Constitucional, o qual, como se sabe, se cinge tão-somente a questões de constitucionalidade normativa.
Sendo para a sua apreciação incompetente, ao não tomar posição sobre a questão de eventuais decisões contraditórias entre secções do Tribunal da Relação do Porto, o Tribunal Constitucional não deixou de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, não se verificando, portanto, o pressuposto legal, estabelecido no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, para que ocorra omissão de pronúncia.
Aliás, tratando-se de um acórdão proferido em sede de reclamação de uma decisão sumária proferida pelo relator no Tribunal Constitucional, em que se decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade por falta de verificação de um dos pressupostos de admissibilidade do mesmo, o acórdão ora reclamado apenas se pronunciou sobre eventuais vícios apontados à decisão sumária e ao fundamento nela oferecido para a não admissão do recurso de constitucionalidade. Uma vez que o que aí estava em causa era ainda a apreciação liminar sobre o conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade, o acórdão ora reclamado jamais poderia ocupar-se das questões que integram já o próprio objeto do recurso. Tendo decidido não conhecer do objeto do recurso, logicamente que o Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre as questões de constitucionalidade que os recorrentes, ora reclamantes, pretendiam que o Tribunal Constitucional apreciasse.
Tal significa que, ao não pronunciar-se sobre a arguida interpretação inconstitucional do disposto no artigo 12.º, n.º 1 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, o Tribunal Constitucional não deixou de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar, não se verificando, portanto, uma vez mais, o pressuposto legal, estabelecido no artigo 668.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC, para que ocorra omissão de pronúncia.
Não procedendo os vícios imputados pelos reclamantes ao acórdão ora reclamado e inexistindo quaisquer outros, é de indeferir a arguição da sua nulidade.
Por sua vez, não se tratando, em substância, de um pedido de aclaração do próprio acórdão em si mesmo considerado, nada há a aclarar.
III – Decisão
3. Nestes termos, o Tribunal decide indeferir o requerimento de fls. 528-540.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 26 de abril de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.