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Proc. nº 652/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. D..., pronunciado pela prática de um crime de peculato de uso, de um crime de falsificação e de um crime de peculato, foi absolvido, por acórdão de 8 de Junho de 1992 do Tribunal Judicial de Coimbra.
O Ministério Público interpôs recurso deste acórdão de 8 de Junho de
1992, para o Supremo Tribunal de Justiça.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Abril de 1993, concedeu provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, tendo condenado o recorrente pela prática de um crime de peculato e de um crime de falsificação de documento.
D... requereu a aclaração do acórdão de 14 de Abril de 1993, aclaração que foi indeferida, por acórdão de 16 de Junho de 1993.
O ora reclamante arguiu, posteriormente, a nulidade do acórdão que indeferiu a aclaração (acórdão de 16 de Junho de 1993), arguição que foi igualmente indeferida por acórdão de 30 de Novembro de 1993.
2. D... interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão que indeferiu a arguição de nulidade (do acórdão de 30 de Novembro de 1993), para apreciação da conformidade à Constituição da norma constante do artigo 374º, nº
2, do Código de Processo Penal, por violação do disposto no nº 1 do artigo 208º da Constituição.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 487/94, decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso, em virtude de a decisão recorrida não haver aplicado a norma cuja conformidade à Constituição foi questionada.
D... arguiu a nulidade do Acórdão do Tribunal Constitucional nº
487/94, arguição que foi indeferida pelo Acórdão nº 551/94.
3. Após a notificação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº
551/94, o ora reclamante arguiu a nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Abril de 1993, arguição que foi indeferida, por acórdão de 25 de Maio de 1995, com fundamento na sua extemporaneidade.
D... arguiu de seguida a nulidade '... dos acórdãos proferidos ...' pelo Supremo Tribunal de Justiça, sustentando, entre o mais, a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 433º do Código de Processo Penal.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 2 de Novembro de 1995, indeferiu a referida arguição, com fundamento na sua total extemporaneidade.
D... interpôs de novo recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 1995, para a apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 433º do Código de Processo Penal.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade com fundamento na sua extemporaneidade, por despacho de 5 de Janeiro de 1996.
4. É deste despacho que vem interposta a presente reclamação, ao abrigo do disposto no artigo 77º da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da não admissão do recurso, tendo pedido a condenação do recorrente como litigante de má-fé, por uso abusivo e reprovável dos meios processuais.
O reclamante pronunciou-se no sentido da improcedência do pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pelo Ministério Público.
5. Sendo o recurso, cuja admissão o reclamante pretende, interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do seu objecto, que a decisão recorrida tenha aplicado a norma cuja conformidade à Constituição se questiona (cfr., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95 - D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Porém, tal não aconteceu nos presentes autos. Com efeito, o reclamante pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 433º do Código de Processo Penal. Contudo, a decisão recorrida (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de Novembro de 1995) apenas apreciou a atendibilidade da arguição de nulidade '... dos diversos acórdãos proferidos ...' pelo Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído pela inadmissibilidade de tal arguição, em virtude de considerar que a mesma foi '... totalmente extemporânea ...'.
Constata-se, assim, que o acórdão recorrido não aplicou a norma contida no artigo 433º do Código de Processo Penal, pelo que o recurso de constitucionalidade não pode ser admitido (cf. artigo 70º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
6. Acresce que, tal como refere o Ministério Público, a arguição, neste momento, da questão de constitucionalidade da norma contida no artigo 433º do Código de Processo Penal se afigura processualmente desenquadrada. Na verdade, da decisão que fez aplicação da norma agora questionada (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Abril de 1993) o ora reclamante não recorreu para o Tribunal Constitucional.
Como se constatou, o reclamante interpôs recurso de constitucionalidade nestes autos (a fls. 399). Contudo, nesse recurso não suscitou a questão que pretende ver agora apreciada, sendo certo que o podia (e, por isso, devia) ter feito, já que tal recurso foi interposto depois da prolação do acórdão condenatório do Supremo Tribunal de Justiça.
Não tendo suscitado então a questão da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 433º do Código de Processo Penal, não pode agora fazê-lo, dado que o encadeamento feito pelo reclamante das sucessivas impugnações das várias decisões judiciais já proferidas nestes autos enquadra a arguição da presente questão de constitucionalidade num contexto processualmente inadequado e impróprio, o que impede a admissão do recurso de constitucionalidade (não interessando agora averiguar se no recurso de constitucionalidade interposto a fls. 399 se verificavam ou não os pressupostos processuais condicionantes do conhecimento pelo Tribunal Constitucional da questão neste momento suscitada).
Foram estes os motivos que fundamentaram a decisão de não admissão do recurso. Não são, assim, pertinentes as considerações feitas pelo reclamante sobre a oficiosidade do conhecimento das questões da constitucionalidade (cf. reclamação para o Tribunal Constitucional do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade). Para além de manifestarem um total desconhecimento da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre os pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade (cf. o citado Acórdão nº 155/95), tais asserções são completamente irrelevantes, pois em nada afectam os fundamentos do despacho reclamado.
Assim, há que concluir que o despacho reclamado não merece qualquer censura.
7. O Ministério Público pede a condenação do reclamante como litigante de má-fé.
De toda a tramitação dos presentes autos pode ainda concluir-se que os sucessivos requerimentos interpostos, inclusive o requerimento de fls. 513
(requerimento de interposição do segundo recurso de constitucionalidade), resultam de uma deficiente compreensão dos mecanismos processuais que a lei coloca à disposição dos cidadãos para fazerem valer em juízo os seus direitos. Com efeito, os sucessivos indeferimentos e a estratégia litigante utilizada só podem ser imputáveis a um total desconhecimento por parte do reclamante do funcionamento do processo.
Tal desconhecimento não integra de forma inequívoca a noção de litigância de má-fé, pelo que não se atende ao pedido de condenação do reclamante como litigante de má-fé formulado pelo Ministério Público.
8. Ante o exposto, decide-se:
a) indeferir a presente reclamação, confirmando, em consequência, o despacho reclamado;
b) não condenar o reclamante como litigante de má-fé.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 UCs.
Lisboa, 23 de Janeiro de 1997 Maria Fernanda palma Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves