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Proc. nº 540/97 TC - l ª Secção Rel. Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - L... e Companhia, com sede na Rua..., Linhó, concelho de Sintra interpõe recurso para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 11 de Junho de 1997, a fls. 122 e segs, que negou provimento ao recurso interposto do despacho do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa (TACL) que, por seu turno, indeferiu requerimento de apresentação de nova petição, ao abrigo das disposições combinadas dos artºs
476º nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) e 11º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), no processo de intimação regulado nos artigo
62º do DL nº 445/91, de 20 de Novembro intentado pela recorrente contra a Câmara Municipal de Olhão e indeferido nos termos da sentença do mesmo TACL, a fls. 97 e segs. Admitido o recurso, a recorrente formulou, nas suas alegações, as seguintes conclusões : l - O artº 476º do CPC aplica-se ao caso vertente e prevê o benefício concedido ao autor para a apresentação de nova petição, se for indeferida.
2 - No mesmo processo pode haver lugar a mais de um indeferimento liminar.
3 - Após a baixa do processo, no Tribunal Administrativo de Círculo, o primeiro despacho notificado à recorrente foi o de indeferimento.
4 - São os aspectos formais e materiais que consubstanciam o indeferimento liminar.
5 - A lei não distingue, para efeitos de benefício de nova apresentação de petição, o indeferimento liminar ou só indeferimento.
6 - O prazo que estava em curso aquando da apresentação do primeiro pedido de intimação era de caducidade.
7 - Durante o processo, esse prazo esgotou-se.
8 - A recorrente é alheia à morosidade imprevista do processo.
9 - A recorrente viu postergado o seu direito de acesso aos tribunais.
10 - Ao decidir como decidiu, o Venerando Tribunal 'a quo' violou entre outros os artigos 474º e 476º do CPC e o artº 268º nºs 4 e 5 da Constituição da República.
Termos em que, e sem prescindir de douto suprimento, deverá ser proferido douto e final acórdão que revogue o recorrido por inconstitucional, ordenando-se o prosseguimento dos autos até final.'
Não houve contra-alegações.
Sendo plausível o não conhecimento do recurso, foi ordenada a notificação da recorrente para se pronunciar, querendo, sobre a questão suscitada no despacho do relator de fls. 156/156v..
A recorrente pronunciou-se nos termos da peça junta a fls. 158, onde, em síntese, alegou que, na interpretação que foi dada ao artigo
476º do CPC, ficou privada do acesso à justiça, pois, impedida de apresentar nova petição, viu caducado o seu direito de pedir a intimação prevista no artigo
62º DL nº 445/91
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 - O pedido de intimação da Câmara Municipal de Olhão deduzido nos termos das disposições citadas do DL nº 445/91 foi inicialmente rejeitado pelo TACL, pela sentença de fls. 60 e segs. por ter sido apresentado para além do prazo previsto no artigo 62º nº 10 daquele diploma legal, com a redacção dada pelo DL nº 20/94.
Interposto recurso para o STA, veio este Tribunal a revogar a sentença impugnada, com fundamento em que o referido prazo não fora excedido.
Remetidos os autos ao TACL, o pedido de intimação foi, então, indeferido nos seguintes termos:
'Ao abrigo do disposto no artº 62 do DL nº 445/91, com a redacção que lhe foi dada pelo DL nº 250/94, de 15 de Outubro, pretende a ora requerente, com fundamento em deferimento tácito do pedido de licenciamento, a intimação da Câmara Municipal de Olhão para que esta emita o competente alvará.
Estabelece o nº 1 da citada disposição: 'Nos casos de deferimento, expresso ou tácito, de pedidos de licenciamento, perante recusa injustificada ou falta de emissão do alvará respectivo, pode o interessado pedir ao tribunal administrativo de círculo a intimação da autoridade competente para proceder à respectiva emissão.'.
Estabelece ainda o artº 21º nº 2 do DL nº 445/91 que a competência para a emissão de alvará de licença de construção é do presidente da câmara, pelo que a Câmara Municipal não tem competência para satisfazer a pretensão do requerente.
Deste modo, não sendo a Câmara Municipal contra quem vem dirigido o pedido a entidade competente para a emissão do alvará pretendido pela requerente, não pode esta entidade ser intimada para proceder à sua emissão, pelo que improcede o presente pedido de intimação.
Decisão:
Pelo exposto e sem necessidade de maiores considerações, indefiro a presente intimação.
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Foi então apresentado pela ora recorrente novo pedido de intimação (agora) do presidente da Câmara Municipal de Olhão, com invocação do disposto no artº 476º nº 1 do CPC, na versão anterior à que lhe foi dada pelo DL nº 329-A/95.
Sobre ele pronunciou-se o Ministério Público, nos seguintes termos:
'0 invocado artº 476º do CPC carece aqui de aplicação, posto que estamos não perante um indeferimento liminar mas improcedência do pedido, sendo que se o recorrente não concorda com a mesma deveria ter apresentado recurso jurisdicional e não nova petição, para contrariar a sentença ? artºs. 115º e
113º da LPTA.
Não sendo caso de regularização da petição, p. se indefira liminarmente ao requerido, por inaptidão e se condene no incidente.'
Substancialmente, o despacho proferido assenta na mesma fundamentação que sustenta o parecer do Ministério Público. Ali se decide:
'0 artº 476º do Cod. Proc. Civil apenas permite apresentar outra petição no caso de indeferimento liminar da petição nos termos do artº 474º do CPC, o que na situação não se verificou.
Com efeito, a presente intimação foi indeferida por se ter entendido na decisão referida nos presentes autos que 'não sendo a Câmara Municipal contra quem vem dirigido o pedido, a entidade competente para a emissão do alvará pretendido pela requerente, não pode esta entidade ser intimada para proceder à sua emissão, pelo que improcede o presente pedido de intimação'.
Assim, por não se ter verificado o indeferimento liminar da petição, não tem aplicação à situação o disposto no artº 476º nº 1 do Cod. Proc. Civil, pelo que se indefere o requerido a fls. 104.
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Importa transcrever as conclusões apresentadas pela recorrente no recurso interposto contra este despacho;
'1 - O despacho de indeferimento liminar fundamentou-se na ilegitimidade da Câmara Municipal de Olhão.
2 - Ainda que ilegitimidade não fosse teria forçosamente que se fundamentar no âmbito do artigo 474º nº 1 al. c) - 'ou quando, por outro motivo, seja evidente que a pretensão do autor não pode proceder?.
3 - O indeferimento liminar regulado no artigo 474º aplica-se a todas as formas de processo a saber: as demais formas de processo comum, aos processos especiais, aos procedimentos cautelares e aos incidentes regulados no artigo 302º e segs. do CPC.
4 - O despacho que indeferiu o pedido por falta de legitimidade foi proferido sem que a ilegitimidade fosse arguida.
5 - O presente processo tem natureza especial.
6 - O artigo 476º do CPC prevê expressamente o benefício concedido ao autor para a apresentação de nova petição em caso de indeferimento.
7 - Nada obsta a que haja mais de um indeferimento liminar.
8 - São os aspectos formais e materiais da petição que determinam a sua prossecução, pelo que não é necessariamente o primeiro despacho proferido no processo, o de indeferimento liminar.
9 - A interpretação dada pelo Mmo Juiz 'a quo' ao texto do artº 476º do CPC viola os princípios da tutela jurisdicional efectiva e da igualdade previstos nos artigos 13º, 20º e 268º nºs 4 e 5 da Constituição.
10 - Ao decidir como decidiu o Mmo Juiz 'a quo' fez errada interpretação dos seguintes dispositivos legais- artigos 474º e 476º do CPC, violando o disposto nos artigos 13º, 20º e 268º nºs 4 e da Constituição da República.'
No conhecimento do mérito do recurso, o STA apreciou os fundamentos aduzidos pelo recorrente, concluindo pela sua improcedência, com especial incidência na razão segundo a qual a decisão do pedido de intimação não consubstanciava um indeferimento liminar, única situação em que seria aplicável o citado artigo 476º do CPC.
Do que resultou a confirmação do decidido em 1ª instância.
O recurso previsto no artigo 70º nº 1 al. b) da LTC tem como pressuposto a aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada pelo recorrente durante o processo.
O conceito de aplicação de norma comporta quer a aplicação directa e efectiva da norma no sentido de ser ela a razão positiva do julgado, quer a recusa dessa mesma aplicação fundada em determinada interpretação da norma, funcionando, assim, como razão negativa da decisão.
Seria este último o caso, já que o tribunal 'a quo' não aplicara o artigo 476º do CPC por entender, em contrário do recorrente, que a situação em apreço não integrava a previsão normativa contida naquele preceito - indeferimento liminar.
Em tal dimensão nada haveria a apontar à admissibilidade do recurso, pois a recorrente sustentara a desconformidade constitucional da norma, interpretada no sentido de ela abranger apenas os casos de indeferimento liminar, defendendo que a Lei Fundamental imporia uma mais ampla compreensão da norma em termos de integrar os casos que, sendo dos previstos no artigo 474º do CPC, viriam igualmente a determinar, em fase mais adiantada do processo, o indeferimento do pedido.
Ponto seria que o fundamento da decisão se bastasse com a interpretação do artigo 476º do CPC no sentido de que ele só abrangia o indeferimento liminar, ou seja, noutra perspectiva, que a situação em causa só não se subsumia à norma por não ser um caso de indeferimento liminar, muito embora se tratasse de indeferimento pelas razões enumeradas no artigo 474º do mesmo Código.
Na verdade, a interpretação que a recorrente reputa de inconstitucional não é obviamente aquela que afasta a aplicação do artigo 476º do CPC em todos os casos de indeferimento (em sentido lato) da pretensão deduzida em juízo, mas tão só a que o faz em situações que poderiam ter sido - e não foram por razões circunstanciais - de indeferimento em fase liminar do processo.
Ora, considerando o que acima se deixou relatado, afigura-se que a razão do decidido não radica em tal interpretação do artigo
476º do CPC, constituindo o que se diz no acórdão recorrido ? onde, de facto, se expendem desenvolvidas considerações sobre essa interpretação ? uma mera controposição argumentativa ao alegado pela recorrente.
O despacho de 1ª instância, confirmado pelo acórdão do STA, em conjugação com o que se decide na sentença de fls. 97 e segs. é a este respeito elucidativo.
Na referida sentença conclui-se no sentido de que
'improcede' o pedido de intimação e indefere-se o pedido de intimação, o que claramente se distingue de uma decisão de 'rejeição' do mesmo pedido - como acontecera na primitiva sentença de fls. 60 e segs, ulteriormente revogada pelo acórdão do STA de fls. 84 e segs. - esta última assente em fundamentos que obstam ao conhecimento do mérito do pedido, como são p. ex. os casos de ilegitimidade passiva ou da procedência de outras excepções dilatórias.
Do facto apercebeu-se, aliás, o próprio recorrente quando, nas suas alegações de recurso para o STA, escreveu:
'A nova petição foi indeferida por se ter entendido que
'não sendo a Câmara Municipal contra quem vem dirigido o pedido a entidade competente para emissão de alvará pretendido pela requerente, não pode esta entidade ser intimada para proceder à sua emissão, pelo que improcede o presente pedido de intimação'
Cremos que o Mmo Juiz 'a quo' não considerou a ilegitimidade da Câmara Municipal de Olhão, o que configura erro uma vez que, se a Câmara não tinha competência para a prática do acto pretendido, sendo outro o órgão competente, existia ilegitimidade passiva.' (sublinhado nosso).
Mas se não foi por ilegitimidade que o pedido improcedeu - julgamento que se subtrai aos poderes de censura do Tribunal Constitucional - a questão de constitucionalidade suscitada deixa de se centrar no âmbito do decidido.
Consequência também inevitável, pelos mesmos fundamentos, se o pedido devesse ter sido indeferido ? e não foi - por
'manifesta inviabilidade' .
Em suma, pois, o julgado recorrido não assenta no artigo 476º do CPC, na interpretação que a recorrente impugna, ou seja por o indeferimento não ter ocorrido em fase liminar do processo.
Mas, sendo assim, como é, aquela norma, na referida interpretação, não representou a razão do decidido, pelo que se não pode dar como verificado um dos requisitos de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº 1 al. b) da LTC.
3 - Decisão:
Nestes termos e em conclusão, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente fixando-se a taxa de justiça em
6 Ucs.
Lisboa, 21 de Outubro de 1998 Artur Mauricio Luis Nunes de Almeida Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa