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Processo nº 689/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente E... e como recorrido o Ministério Público, pelo essencial dos fundamentos da EXPOSIÇÃO do Relator, a fls. 783 e seguintes, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo merecido a 'inteira concordância' do Ministério Público e não sendo minimamente abalada pela resposta do recorrente, decide-se não tomar conhecimento do presente recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em sete unidades de conta Lisboa 15 de Janeiro de 1997 Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 689/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
EXPOSIÇÃO
1. E..., com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Plenário da Secção Criminal), de 11 de Julho de 1996, que decidiu
'negar a revisão pedida pelo requerente E...', dizendo no requerimento da interposição do recurso que aquele acórdão 'fez uma interpretação e aplicação do disposto na alínea d) do nº 1 do artº 449º do C.P.P. em desconformidade com as garantias de defesa, asseguradas no artº 32º nº 1 da C.R.P.'.
Convidado o recorrente pelo Relator a dar cumprimento às exigências feitas no artigo 75º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo
2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, veio, em síntese, depois de reconhecer que
'não suscitou a inconstitucionalidade em qualquer peça processual anterior à interposição de recurso', expor o que se segue:
'11º Ora, no caso em apreço, é manifesto que só depois de ter tomado conhecimento do Acórdão do S.T.J., é que o Recorrente pôde valorar o conteúdo do mesmo e constatar, salvo o devido respeito, que, assim, se violara um princípio constitucional básico de extensão da garantia de defesa atribuída ao Recorrente e que seria a da concessão do provimento da Revisão.
12º Isto equivaleria ao reconhecimento dado ao Recorrente da existência real de um facto novo, relevante e superveniente que, conjugado com os que já foram apreciados no processo suscitaria graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
13º Constata-se facilmente que o Acórdão recorrido negou a Revisão insistindo e considerando que os factos alegados como novos não correspondiam a este pedido de extradição.
14º Ora, isso não é verdade.
15º Os factos novos alegados pelo Recorrente estão
directamente relacionados com o 1º (primeiro) pedido inicial de extradição já concedido.
'Para efeitos de cumprimento da pena que lhe foi aplicada, na parte a cumprir pelo Tribunal de Juri d'Apello de Milão e para efeitos de procedimento criminal pelos crimes que lhe são imputados nos Tribunais de Milão e Florença...'
'Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11.01.1994'
16º Como se vê já em Janeiro de 1994 e no âmbito do 1º pedido de extradição o Tribunal da Relação de Évora vinha falando no procedimento criminal (vulgo inquérito) por outros crimes imputados ao Recorrente.
17º Ora, os factos novos agora alegados em sede de Revisão são fruto da evolução desse procedimento que consistem na, agora, acusação do Recorrente por esses crimes de Milão e Florença.
18º Logo, no âmbito do 1º (primeiro) pedido de extradição.
19º A interpretação do Artº 449º nº 1 al. d) do C.P.C. que foi dada pelo Douto Acórdão do S.T.J. que negou a Revisão, não considerando estarmos perante factos novos emergentes do pedido inicial de extradição é que constitui clara violação da norma constitucional que assegura ao Recorrente as garantias de defesa consagradas no Texto Fundamental no seu Artº 32º nº 1º e também as consagradas: a) - no Artº 33º da C.R.P. nºs 2, 3, 4 e 5; b) - no Artº 16º nº 1'
E conclui assim:
'a) - Deve o presente recurso não ser indeferido e apreciada a inconstitucionalidade da interpretação dada à norma do Artº 449º nº 1 al. d) face à norma do Artº 32º do C.R.P.; b) - Deve ser considerada sanada a não suscitação prévia da inconstitucionalidade pelas razões aduzidas'.
2. Como o presente recurso vem fundado pelo recorrente no artigo
70º, nº 1, b), da Lei nº 28/82 (reproduzindo o artigo 280º, nº 1, b), da Constituição), que é, aliás, a
norma por ele expressamente invocada, e exigindo-se aí que a questão de inconstitucionalidade 'haja sido suscitada durante o processo', tudo se resume a saber se foi ou não respeitado esse pressuposto processual, dando de barato a afirmação do recorrente de que 'não suscitara a inconstitucionalidade em qualquer peça processual anterior à interposição de recurso' e que só o fez nessa altura.
Não disporia - pergunta-se - o recorrente de oportunidade processual para arguir a inconstitucionalidade da norma em causa durante o processo, usando a arguição de modo atempado e adequado (cfr. a fundamentação do acórdão deste Tribunal Constitucional nº 584/96, publicado no Diário da República, II Série, nº 251, de 29 de Outubro de 1996)?
É o que importa indagar.
A norma que o recorrente questiona, na perspectiva da sua constitucionalidade, tal como teria sido interpretada e aplicada no acórdão recorrido, é a do artigo 449º, nº 1, d), do Código de Processo Penal, que, em matéria de revisão de sentença transitada, prevê como fundamento do pedido a descoberta de 'novos factos ou meios de prova' que venham a suscitar 'grandes dúvidas' sobre a justiça do julgado.
Foi exactamente esse o 'único fundamento' que no acórdão recorrido se entendeu que no caso 'podia ter cabimento', não pondo o Supremo Tribunal de Justiça 'em dúvida que estamos aqui perante novos factos, ou seja, perante factos que não foram apresentados no processo em que foi proferida a decisão '
(e acrescenta-se no acórdão: 'A aplicabilidade de pena de prisão perpétua no dito processo do Tribunal de Milão (proc. nº 13405/91) configura-se como facto posterior ao acórdão da Relação em causa, bem como ao acórdão do S.T.J. que o confirmou)').
Só que no acórdão não se aceita que 'esse novo facto seja susceptível de inculcar graves dúvidas sobre a justiça dessa decisão
(revidenda)'.
É este o discurso do acórdão, que convém transcrever:
'É certo que o artº 6º, 1, e), do citado Dec.-Lei nº 43/91 dispõe que o pedido de cooperação (extradição) é recusado quando o facto a que respeita for punível com pena de morte ou com pena de prisão perpétua. Em consonância com esse preceito, Portugal formulou, entre outras, a seguinte reserva ao texto da Convenção Europeia de Extradição, aprovada, para ratificação, pela Resolução da As
sembleia da República nº 23/89 (ver o seu nº 3):
'Artigo 1º : Portugal não concederá a extradição de pessoas:(...) c) Quando reclamada por infracção a que corresponda pena ou medida de segurança com carácter perpétuo' Não se pode, porém, esquecer a regra da especialidade estabelecida no artigo 16º do Dec-Lei nº 43/91, segundo a qual (v. o seu nº 2) a pessoa que, em consequência de um acto de cooperação internacional (como é a extradição), comparecer perante nova autoridade estrangeira não pode ser perseguida, detida, julgada ou sujeita a qualquer outra restrição da liberdade por facto ou condenações anteriores à sua saída do território português diferentes dos determinados no pedido de cooperação (salvo nas hipóteses indicados no nº 4 desse preceito, que in casu não tem aplicação). Corresponde a essa disposição legal o artigo 19º, nº 1, da Convenção Europeia da Extradição, nos termos do qual a pessoa que tenha sido entregue não será perseguida, julgada ou detida com vista à execução de uma pena ou medida de segurança, nem submetida a qualquer outra restrição à sua liberdade individual, por qualquer facto anterior à entrega diferente daquele que motivou a extradição
(salvo nos casos previstos nas alíneas a) e b) que não têm aplicação no
caso 'sub judice'). Face a essa regra da especialidade, o extraditando E..., em virtude da dita restrição imposta pelos factos que motivaram a extradição concedida pela decisão revidenda, não pode ser julgado e punido pelo mencionado crime e homicídio com premeditação e, por essa forma, sujeito a pena de prisão perpétua.
É claro que poderia eventualmente sê-lo se fosse concedida a ampliação da extradição do requerente a que se refere o aludido pedido formulado pelo Estado Italiano, que se encontra ainda na fase administrativa. Mas, como bem se diz, na informação de fls. 71 e segs., essa é questão que não pode ser apreciada por ora. Será em sede e momento próprios, quando o Estado Português autorizar o prosseguimento desse pedido e a Relação for chamada a decidir da extradição em relação aos novos factos, que deve ser tomada posição sobre tal questão. Bem pode acontecer que esse pedido da extensão da extradição não prossiga ou, se prosseguir, o tribunal venha a indeferi-lo. A ser assim, caso fosse concedida a pretendida revisão, teríamos uma antecipação do julgamento da referida questão com base em fundamento que, no processo e momento próprios, se vinha a mostrar ser, afinal, irrelevante. Dir-se-á que, a manter a extradição concedida
pela revisão revidenda, o requerente E... corre o perigo de, uma vez em Itália, acabar por ser aí julgado e condenado em pena de prisão perpétua pelo dito crime de homicídio com premeditação [e não pelos crimes a que respeita a 1ª decisão, que tem de ser aceite como juridicamente correcta]. Não se pode, porém, raciocinar nesses termos, já que tem de se presumir que a Itália, como parte contratante, da Convenção Europeia de Extradição que é, não deixará de respeitar a citada regra da especidade prevista no dito artº 14º, nº 1, dessa Convenção. Só não será assim (podendo o extraditado ser julgado e condenado em Itália por crime punível com pena de prisão perpétua) se houvesse uma pretensa ampliação da extradição, de maneira que esta passasse a ter também como fundamento os factos que integram esse crime. Nessa hipótese, não seria por força da extradição concedida pela decisão revidenda que isso ocorreria, mas sim em virtude de nova decisão que deferisse o mencionado pedido de extensão da extradição. Assim, não se pode dizer, como se lê no requerimento inicial (de fls. 2 e segs), que, com a extradição já concedida, o Estado Italiano 'pretende condenar o extraditando à pena de prisão perpétua'. Conforme bem se sustenta na informação do Exmº
Desembargador Relator de fls. 710 e segs., o respeito pela legalidade por parte dos países que subscrevem a Convenção Europeia da Extradição constitui garantia de que não é de recear a concretização de tal possibilidade invocada pelo requerente como fundamento do pedido de revisão'.
Ora, o recorrente dispôs ao longo destes autos originados pelo recurso extraordinário de revisão, de várias oportunidades para se posicionar quanto à interpretação e aplicação da norma em causa conformemente às 'garantias de defesa, assegurados no artº 32º, nº 1, da C.R.P.' (ou seja: teve essas oportunidades para dizer em que sentido a norma teria de ser interpretada e aplicada para a achar conforme àquelas garantias).
Desde logo, o recorrente teve à disposição o articulado inicial, fundado exactamente na invocação de factos novos, 'em sede de revisão da sentença', conduzindo a que fique 'posta em causa (por motivos supervenientes) a
'justiça da condenação' referida na alínea d) do artigo 449º do C.P.Penal', mas nada adiantou sobre o que entendia sobre isso.
Depois, notificado da resposta do Ministério Público, veio efectivamente responder - além de outros requeri
mentos avulsos e até exposições subscritas e assinadas pelo punho do recorrente, que juntou aos autos - e também nada adiantou quanto à viabilidade da revisão, que o Ministério Público pôs em causa, na base da consideração da regra da especialidade em matéria de extradição, da qual decorre a consideração de que 'a extradição foi concedida para certos e determinados factos, com exclusão de todos os outros' ('Somente se e quando vier a dar entrada em Juízo novo pedido de ampliação é que haverá que cuidar de saber se outros factos não abrangidos pela extradição já concedida podem também beneficiar da concessão de extradição'
- dizia então o Ministério Público).
Por fim, o recorrente, face à junção aos autos de um número avultado de documentos remetidos pelo Gabinete do Procurador-Geral da República, apresentou vários requerimentos e respostas, mas continuou mudo e quedo quanto ao sentido com que, para ver deferida a revisão, teria de ser, no seu entendimento, aplicada a norma que suporta o recurso extraordinário.
Sendo isto assim, e porque o que vem agora questionado pelo recorrente é só a interpretação da norma do artigo 449º, nº 1 d), que foi dada pelo acórdão recorrido, é bom de ver que não cumpriu ele o ónus de adoptar 'uma estratégia processual adequada à criação da possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional' (na linguagem do citado acórdão nº
584/96) e que, no caso, no mínimo, passaria pela apresentação do tal sentido interpretativo da norma em conformidade com as garantias de defesa constitucionalmente consagradas (não o disse sequer no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e praticamente pouco ou nada se extrai da resposta ao convite do Relator, limitando-se a invocar 'factos novos emergentes do pedido inicial de extradição', o que, aliás, já constava do articulado inicial).
Donde a conclusão de que não pode dar-se aqui como verificado o pressuposto da suscitação oportuna e adequada da questão de inconstitucionalidade, durante o processo, tal como ela é agora configurada pelo recorrente.
3. Mas há mais.
É que verdadeiramente, face à posição do recorrente, nem sequer pode dar-se como verificado o outro pressuposto da aplicação no acórdão recorrido da norma do artigo 449º, nº 1, d), com a interpretação que o recorrente diz ter sido 'dada pelo Douto Acórdão do S.T.J.'.
Na verdade, e como ficou já transcrito desse aresto, o Supremo Tribunal de Justiça não pôs em dúvida que se está 'aqui perante novos factos'. Só não aceitou que 'esse novo fac
to seja susceptível de inculcar graves dúvidas sobre a justiça dessa decisão
(revidenda)' (e depois seguiu a linha argumentativa da resposta do Ministério Público - a que o recorrente teve oportunidade de replicar -, na base da mesma consideração da tal regra da especialidade, para se concluir que só havendo uma futura ampliação da extradição, de maneira que esta passasse a ter também como fundamento os factos que integram o crime punível com pena de prisão perpétua, é que o recorrente correria 'o perigo de, uma vez em Itália, acabar por aí ser julgado e condenado em pena de prisão perpétua').
Portanto, a pronúncia do acórdão recorrido foi dirigida ao segmento da norma relativo às 'graves duvidas' sobre a justiça do julgado, para o dar como não verificado, não pondo em crise que a 'aplicabilidade da pena de prisão perpétua no dito processo do Tribunal de Milão (proc. nº 13405/91) configura-se como facto posterior ao acórdão da Relação em causa, bem como ao acórdão do S.T.J. que o confirmou'.
Em suma: o acórdão recorrido não chegou a dar à norma questionada a interpretação presumivelmente apontada pelo recorrente e dirigida à ponderação de factos novos (o acórdão, contrariamente ao que diz o recorrente, não negou a revisão na base dessa ponderação de factos novos).
Por tudo isto, faltando os pressupostos processuais do presente recurso de constitucionalidade, não pode tomar-se conhecimento dele.
4. Ouçam-se as partes, por 5 dias, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 78º-A, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 2º da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.