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Processo nº. 664/96 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. M... interpôs recurso da decisão do CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE LISBOA E VALE DO TEJO, que o condenou na coima de 500.000$00, em virtude de, em 19 de Abril de 1995, sem possuir alvará ou autorização para funcionamento provisório, ter a funcionar um estabelecimento de infância, denominado P..., sito em Alcoitão – Estoril.
O Juiz do Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Cascais, por sentença de 25 de Junho de 1996, julgou inconstitucional a norma constante do artigo 27º. do Decreto-Lei 30/89, de 24 de Janeiro, por violação da alínea d) do nº.1 do artigo 168º da Constituição da República Portuguesa.
2. É desta sentença (de 25 de Junho de 1996) que vem o presente recurso, interposto pelo Ministério Público ao abrigo da alínea a) do nº.1 do artigo 70º.da Lei do Tribunal Constitucional.
Neste Tribunal, alegou o Procurador-Geral Adjunto aqui em exercício, tendo concluído as suas alegações como segue:
1º. É organicamente inconstitucional a norma editada pelo Governo, no exercício da sua competência legislativa própria, que estabeleça como sanção para determinada contraordenação, tipificada no mesmo diploma, coima cujo limite máximo exceda o constante do diploma que estabelece o regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social, na redacção vigente à data em que foi publicada a norma em questão.
2ª. A alteração daquele limite máximo, em consequência da revisão do regime geral do ilícito de mera ordenação social, não implica a constitucionalização parcial superveniente da inconstitucionalidade orgânica originariamente cometida.
3ª. Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida relativamente ao decidido sobre a questão de inconstitucionalidade normativa suscitada.
De sua parte, o recorrido formulou as seguintes conclusões:
1. O art. 27º. do Dec.Lei 30/89, de 24.1 emitido pelo Governo, sem autorização da Assembleia da República, não respeitou os limites estabelecidos pelo regime geral da punição, da ilicitude contraordenacional, previsto no artº 17º do Dec.Lei 433/82 de 27/10.
2. De facto, o referido artº 27º excedeu o limite máximo consentido no regime geral da lei quadro para as pessoas singulares, dado que estabeleceu uma coima de 500.000$00 a 1.500.000$00O tanto para as pessoas colectivas como singulares.
3. Como tal, estamos perante um caso de inconstitucionalidade orgânica.
4. Apesar da alteração posterior ao regime geral pelo Dec. Lei nº 356/89 de
17/10, que elevou o montante máximo da coima para Esc. 500.000$00, para as pessoas singulares Termos em que, [...] deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida [...].
3. Cumpre decidir se a norma do artigo 27º. do Decreto-Lei nº.30/89, de 24 de Janeiro, enquanto aplicável às pessoas singulares, é ou não inconstitucional.
II. Fundamentos:
4. A questão de constitucionalidade:
4.1. O artigo 27º. do Decreto-Lei nº.30/89, de 24 de Janeiro, reza assim: Artigo 27º. Constitui contraordenação punível com coima de 500.000$00 a
1.500.000$00 a abertura ou o funcionamento do estabelecimento que não se encontre licenciado nem disponha de autorização de funcionamento provisório, nos termos do artigo 16º.
O artigo 27º., acabado de transcrever, tipifica uma contraordenção, que consiste em abrir ou manter em funcionamento
um estabelecimento sem licença ou autorização de funcionamento provisório, e prevê a respectiva coima.
Tal norma, enquanto aplicável a pessoas singulares, foi, como se viu, desaplicada pela sentença recorrida.
Será, então, este preceito inconstitucional?
4. 2. Este Tribunal tem afirmado repetidamente que, do regime geral de punição [...] dos actos ilícitos de mera ordenação social, sobre que o Governo só pode legislar munido de autorização legislativa (cf. artigo 168º., nº.1, alínea d), da Constituição), faz parte a definição do quadro das sanções aplicáveis a este tipo de ilícito e, bem assim, a fixação dos limites mínimo e máximo das coimas.
Por isso, o Governo - que, dentro dos limites do regime geral definido pela lei-quadro do ilícito de mera ordenação social, pode definir contraordenações, criá-las ou eliminá-las e modificar a sua punição -, quando estabelecer as sanções desses ilícitos (designadamente, quando fixar as coimas
que lhes correspondem), tem que mover-se dentro da moldura constante da respectiva lei-quadro. E, assim, não pode fixar às coimas limite mínimo inferior, nem limite máximo superior aos estabelecidos nessa lei-quadro, que é o Decreto-Lei nº.433/82, de 27 de Outubro, sucessivamente alterado pelo Decreto-Lei nº.356/89, de 17 de Outubro, e pelo Decreto-Lei nº.244/95, de 14 de Setembro.
O Tribunal também já decidiu que, para ajuizar se determinada norma legal é inconstitucional por violação da mencionada alínea d) do nº.1 do artigo
168º da Constituição, o parâmetro de referência tem que ser a lei-quadro do ilícito de mera ordenação social na versão em vigor à data da sua edição (cf. acórdão nº.837/93, da 1ª Secção, por publicar, que incidiu sobre o artigo 27º., aqui sub iudicio).
Já, porém, no acórdão nº. 157/96 da 2ª Secção (também por publicar e tendo por objecto igualmente o mencionado artigo 27º.), o Tribunal ponderou que quem se ativer, para o valorizar, ao facto de a lei-quadro ser simples parâmetro mediato ou interposto de validade - e não lei a que cumpra definir o órgão competente para a fixação do montante das coimas - propenderá a atribuir pouco relevo ao princípio tempus regit actus e a
considerar relevante, para o efeito de saber quais os montantes que devem servir de parâmetros de referência, o momento da prática da respectiva infracção.
4. 3. É o entendimento por último enunciado que aqui se adopta.
Pois bem: o artigo 27º do Decreto-Lei nº.30/89, de 24 de Janeiro, na parte em que comina a coima aplicável à contraordenação que ele próprio prevê, cometida por pessoas singulares, viola a alínea d) do nº.1 do artigo 168º da Constituição: não decerto, enquanto lhe fixa o montante mínimo (500.000$00), que
é - e pode sê-lo - superior ao estabelecido pela lei-quadro na versão do artigo
17º introduzida pelo Decreto-Lei nº.356/89 (500$00). Já, porém, viola aquele preceito constitucional ao fixar-lhe o valor máximo (1.500.000$00), pois que, sem que tal pudesse acontecer, esse valor excede o limite máximo fixado à coima em 1989 (500.000$00).
O julgamento de inconstitucionalidade do artigo 27º do Decreto-Lei nº.30/89, de 24 de Janeiro, feito pela sentença recorrida, não merece, pois, censura, mas tão-só no ponto em que se refere ao limite máximo da coima aplicável a pessoas singulares.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
(a). julgar inconstitucional - por violação da alínea d) do nº.1 do artigo 168º. da Constituição - a norma do artigo 27º do Decreto-Lei nº.30/89, de 24 de Janeiro, enquanto aplicável a pessoas singulares, mas tão-só na parte em que ela, ao cominar a coima da contraordenação que define, fixa o respectivo limite máximo em montante superior ao limite máximo estabelecido na respectiva lei-quadro, na versão de 1989;
(b). conceder provimento ao recurso e, em consequência, determinar que a sentença recorrida seja reformada em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade aqui feito. Lisboa, 21 de Janeiro de 1997 Messias Bento Guilherme da Fonseca Fernando Alves Correia Bravo Serra Luis Nunes de Almeida