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Proc. nº 933/98 Plenário Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. Por deliberação tomada na sua reunião plenária de 13 de Outubro de 1998, a Comissão Nacional de Eleições decidiu, por maioria, não proceder à inscrição do grupo 'Não à Região da Beira Litoral', para os efeitos previstos no artigo 41º, nº 1, da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril (Lei Orgânica do Regime do Referendo).
Tal deliberação fundamentou-se na circunstância de o Serviço de Identificação Civil, consultado pela Comissão Nacional de Eleições ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 41º, nºs 3 e 4, e 17º, nºs 1 e 2, da Lei Orgânica do Regime do Referendo (LORR), ter detectado várias irregularidades relativas à identificação ou à assinatura dos cidadãos signatários: a. Não coincidência do nome indicado com o número de bilhete de identidade; b. Falta de indicação do número de bilhete de identidade; c. Inscrição duplicada; d. Inexistência de registo informático com número de bilhete de identidade; e. Falta de assinatura; f. Eliminação do registo informático por óbito; g. Inidentidade entre a assinatura constante da subscrição e a assinatura contida no impresso de requisição do bilhete de identidade.
Com base nas irregularidades alegadamente detectadas, a Comissão Nacional de Eleições aplicou uma fórmula tendente a calcular o número de irregularidades potencialmente existentes no número total de subscrições:
Univ. B Irr x 100
T = Univ. A - ________ x ___________
1. Am Na fórmula, 'T' é o número de subscrições consideradas válidas, 'Univ. A' é o número total de subscrições completas apresentadas para a legalização do grupo,
'Univ. B' é o universo onde se constatou existirem situações eventualmente irregulares, 'Irr' é o número de irregularidades detectadas pelo Serviço de Identificação Civil e 'Am' a amostra enviada a esse Serviço.
A aplicação desta fórmula ao grupo 'Não à Região da Beira Litoral' concretizou-se nos seguintes números:
1.150 74 x 100
T = 5.341 – (___________ x ___________)
100 138
O resultado indicou 4.724 assinaturas consideradas válidas, pelo que se concluiu pela inexistência do número de 5.000 cidadãos eleitores requerido pelo artigo 41º, nº 1, da LORR.
2. A deliberação da Comissão Nacional de Eleições precedentemente referida foi comunicada ao Grupo 'Não à Região da Beira Litoral' em 15 de Outubro de 1998. Este Grupo, representado por dois membros da sua comissão executiva, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 41º, nº 5, e 19º, nºs 1 e 2, da LORR, interpôs recurso daquela deliberação para o Tribunal Constitucional no dia 16 de Outubro de 1998.
No âmbito deste recurso, o Grupo 'Não à Região da Beira Litoral' sustentou que deve ser aceite a sua inscrição, para os efeitos previstos no artigo 41º, nº 1, da LORR, com os seguintes fundamentos: a. Pelo menos trinta e nove signatários, cuja subscrição foi considerada inválida por alegada não correspondência entre a respectiva assinatura e a contida no impresso de requisição do bilhete de identidade, apresentaram assinaturas semelhantes a estas, se bem que incluídas no espaço destinado à indicação do nome e não naquele que estava reservado à assinatura propriamente dita; b. No caso de dois outros signatários, não foi possível aferir a similitude das assinaturas, devido à ilegibilidade das cópias fornecidas pelos Serviços de Identificação Civil; c. No caso de mais dois signatários, a caligrafia constante da subscrição
é idêntica, se bem que não tenha sido apresentada a assinatura completa; d. Ainda no caso de um outro signatário, pelo contrário, a assinatura engloba mais nomes do que a utilizada na requisição do respectivo bilhete de identidade, mas verifica-se também a semelhança da caligrafia; e. Por outro lado, um signatário apôs no local destinado à assinatura a palavra 'idem', referindo-se ao nome que anteriormente escrevera de forma idêntica à da sua assinatura; f. Por fim, em relação a mais quatro signatários, não foi possível proceder a um confronto de assinaturas por não haver sido fornecida ao recorrente cópia dos verbetes utilizados pelo Serviço de Identificação Civil. Após enunciar estas situações, o recorrente recusou argumentos puramente formais, sustentando que não é relevante que a assinatura esteja inscrita no espaço destinado ao nome, bastando, na ausência de um modelo legal de impresso, que as assinaturas revelem, de modo inequívoco, a autenticidade da adesão ao Grupo de cidadãos. Em face das suas alegações, o recorrente concluiu que a Comissão Nacional de Eleições considerou inválidas quarenta e nove subscrições que deveriam ter sido consideradas válidas, propugnando, consequentemente, a aceitação da inscrição do Grupo 'Não à Região da Beira Litoral' para os efeitos anteriormente aludidos.
3. Por o entender possível e necessário – tendo em vista a decisão do recurso
–, a ora relatora pediu à Comissão Nacional de Eleições esclarecimentos sobre o critério utilizado para a averiguação da autenticidade das assinaturas dos cidadãos signatários. Por outro lado, pediu que fossem remetidas cópias legíveis dos verbetes utilizados pelo Serviço de Identificação Civil.
Em resposta à primeira questão formulada, a Comissão Nacional de Eleições veio esclarecer que o critério utilizado no confronto de assinaturas foi o constante da acta de 13 de Outubro de 1998, sem quaisquer verificações complementares. A Comissão Nacional de Eleições enviou, igualmente, cópias legíveis dos verbetes.
II Fundamentação
4. Como se viu, a deliberação da Comissão Nacional de Eleições foi comunicada ao Grupo 'Não à Região da Beira Litoral' em 15 de Outubro de 1998. E os representantes deste Grupo interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional – que apresentaram à Comissão Nacional de Eleições – no dia imediatamente seguinte, isto é, em 16 de Outubro de 1998 (cf., supra, nº 2 do presente Acórdão).
Deste modo, o presente recurso, interposto ao abrigo do disposto no artigo 102º-B, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, é tempestivo, tendo em conta o que estabelece o nº 2 do mesmo artigo da mesma lei, que fixa para tal efeito o prazo de um dia.
5. Por outro lado, como também se viu antes, o recorrente alegou que são válidas quarenta e nove subscrições que a Comissão Nacional de Eleições considerou, pelo contrário, serem inválidas (cf., supra, nº 2). Ora, a ser inteiramente procedente o presente recurso, a aplicação da fórmula utilizada pela Comissão Nacional de Eleições (cf., supra, nº 1) daria o resultado de 5.132 assinaturas consideradas válidas. Tal resultado deriva da substituição do número
74, no âmbito da parcela destinada a indicar as irregularidades ('Irr'), pelo número 25, obtido após a subtracção das quarenta e nove subscrições alegadamente válidas àquele total de 74.
Por conseguinte, conclui-se que há utilidade no conhecimento do objecto do presente recurso. Com efeito, da sua eventual procedência resultará a inscrição do Grupo 'Não à Região da Beira Litoral' e a sua participação no esclarecimento das questões submetidas a referendo. E, aliás, mesmo que apenas se venham a considerar válidas as subscrições relativas às trinta e nove assinaturas cuja falta de semelhança com os verbetes foi apontada pelo Serviço de Identificação Civil sem, alegadamente, atender à caligrafia utilizada pelos signatários na indicação dos seus nomes, a aplicação da fórmula anteriormente referida daria já o resultado de 5.050 assinaturas consideradas válidas. Ora, tal resultado já conduziria, igualmente, à utilidade do conhecimento do objecto do presente recurso.
6. A questão que cabe ao Tribunal Constitucional decidir é saber se as irregularidades apontadas impedem o preenchimento dos requisitos legais de forma previstos, conjugadamente, nos artigos 41º, nº 3, e 17º, nºs 1 e 2, da LORR.
Resulta claramente do artigo 17º, nºs 1 e 2, da LORR, aplicável por força do artigo 41º, nº 3, da mesma lei, que do pedido relativo à constituição do grupo de cidadãos eleitores deve constar o nome completo e o número de bilhete de identidade de todos os signatários. E resulta também que é legalmente possível a verificação por amostragem, a levar a cabo pelos serviços competentes da Administração Pública, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos subscritores.
Deste modo, é evidente que a lei exige que constem do requerimento de constituição do grupo de cidadãos eleitores (expressamente referidos como signatários) as respectivas assinaturas, como expressão da clara vontade de tais cidadãos constituírem o grupo e da sua inequívoca identificação. E tal exigência
é facilmente compreensível, tendo em conta, nomeadamente, que cada cidadão não pode integrar mais do que um grupo (artigo 41º, nº 2, da LORR).
7. Mas não consta dos requisitos legais destinados a assegurar a realização dos objectivos anteriormente referidos a indicação do lugar da assinatura ou do nome completo, podendo, claramente, valer como assinatura aquilo que for designado como nome completo. Não há, assim, uma forma legal de indicação do nome completo e da assinatura, podendo as mesmas ser coincidentes ou autónomas, conforme os casos. Nem, muito menos, é exigível a estrita obediência a um qualquer impresso ou formulário que indique o espaço para o preenchimento do nome completo e da assinatura.
Decisivo é que a subscrição integre a assinatura do cidadão proponente, de forma adequada à prova da sua autenticidade e à identificação do subscritor pelos serviços competentes da Administração Pública. Por conseguinte, a subscrição deve compreender, em princípio, a assinatura constante do bilhete de identidade.
Não poderá ser outra a interpretação do artigo 17º, nºs 1 e 3, da LORR, apesar de não ser legalmente exigida a apresentação do bilhete de identidade. Com efeito, o método de controlo da autenticidade da assinatura pelo serviços competentes da Administração Pública, no caso de suspeita de irregularidades impõe essa interpretação. E também é igualmente verdade que, para além da hipótese de solicitação da apresentação do bilhete de identidade pela Administração Pública – hipótese que pode, porventura, ser considerada excessiva em face dos requisitos legais –, só o confronto com os verbetes de requisição do bilhete de identidade permite assegurar a autenticidade das assinaturas.
8. A análise dos elementos constantes da acta da reunião da Comissão Nacional de Eleições de 13 de Outubro de 1998 e das cópias dos verbetes de requisição do bilhete de identidade de trinta e nove cidadãos signatários, cujas assinaturas de subscrição foram consideradas dissemelhantes, permite concluir que apenas foram confrontadas as palavras incluídas no espaço do impresso destinado à assinatura. Na verdade, nas cópias dos verbetes a indicação gráfica da dissemelhança é feita no espaço destinado à assinatura, no qual os subscritores incluíram simplesmente a rubrica. Porém, em todos os casos deste grupo de trinta e nove signatários há, efectivamente, uma assinatura semelhante - segundo o critério do observador médio não especialista (critério que, segundo a Comissão Nacional de Eleições foi utilizado por ela mesma e pelo próprio Serviço de Identificação Civil) - à assinatura constante do verbete de requisição do bilhete de identidade. Tal assinatura está aposta no local previsto para a indicação do nome completo. Assim, conclui-se que, se se tivesse, segundo o critério do observador médio não especialista em grafologia, efectuado o confronto com as palavras indicadas no lugar previsto para o nome completo, se poderia ter concluído pela semelhança das assinaturas.
9. É, pois, o próprio critério utilizado na comparação das assinaturas que fornece resultados contraditórios com a deliberação da Comissão Nacional de Eleições. Com efeito, o observador médio não recusaria, de acordo com os dados cons-tantes do processo, a autenticidade das assinaturas dos trinta e nove signatários prece-dentemente referidos, se tomasse em consideração a indicação dos nomes. E é de recu-sar, nesta matéria, em nome do próprio princípio democrático (art. 2º da Consti-tuição), a prevalência absoluta do formalismo de um formulário não oficial sobre uma vontade que não pode deixar de se tomar, tal como alega o recorrente, como autêntica e inequivocamente expressa.
Assim, o Tribunal Constitucional há-de concluir pela invalidade da deliberação da Comissão Nacional de Eleições de 13 de Outubro de 1998, no que se refere àquelas trinta e nove assinaturas consideradas dissemelhantes das constantes nos verbetes de requisição do bilhete de identidade. Projectando a validade desse número de assinaturas na fórmula matemática utilizada para calcular a repercussão da amostragem no universo total de assinaturas, conclui-se que se atinge o número de 5.050 subscrições válidas, ultrapassando-se o número de 5.000 legalmente exigido.
Torna-se, assim, dispensável considerar se nos outros dez casos de irregularidades detectadas pela Comissão Nacional de Eleições, mas contestadas pelo recorrente, se deve concluir identicamente. Por si só, a conclusão de que não são inválidas as trinta e nove subscrições anteriormente mencionadas basta para satisfazer o requisito numérico previsto no artigo 41º, nº 1, da LORR.
III Decisão
10. Ante o exposto, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso interposto da deliberação da Comissão Nacional de Eleições de 13 de Outubro de 1998, relativa à não aceitação da inscrição do Grupo de Cidadãos 'Não
à Região da Beira Litoral', determinando, consequentemente, que se proceda à inscrição daquele Grupo de cidadãos eleitores, em conformidade com o disposto no artigo 41º, nº 1, da Lei nº 15-A/98, de 3 de Abril. Lisboa, 21 de Outubro de 1998 Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Artur Maurício Messias Bento Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa