Imprimir acórdão
Processo n.º 901/11
3 Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Decidiu sumariamente o relator, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), não conhecer do objeto do recurso interposto por A., Lda. por ilegitimidade decorrente da inobservância do ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade atinente à norma legal sindicada, julgando-se, assim, inútil a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 75.º-A da mesma lei com vista à concretização, pela recorrente, da interpretação normativa que se pretendia ver apreciada.
A recorrente, inconformada, reclama do assim decidido para a conferência, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando, em ordem ao prosseguimento do recurso, ter alegado, em todas as peças processuais que juntou aos autos, a violação dos princípios constitucionais da transparência, igualdade, imparcialidade e proporcionalidade consagrados nos artigos 13.º e 18.º, n.º 1, da Constituição, a que acresce a circunstância de o preceito legal sindicado ter surgido nos autos, pela primeira vez, na decisão proferida pelo Tribunal recorrido.
O Ministério da Defesa Nacional e outros, ora recorridos, notificados para o efeito, não responderam.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos verifica-se que constituía questão a decidir pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no recurso julgado pela decisão recorrida, entre outras, a de saber se a Autora, então recorrida, foi regularmente excluída do concurso cujo despacho final de adjudicação impugnou, no processo-base.
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria havia decidido, reportando-se à «Declaração de origem certificada do material a entregar» exigida pelo programa de procedimento respeitante ao concurso público em causa, que, dele «não constando (…) qualquer menção a um documento específico que concretize o significado ou conteúdo de tal declaração, outro entendimento não decorreu senão a identificada certificação internacional de qualidade, da qual decorre que todos os produtos comercializados pela empresa têm uma origem certificada», razão pela qual se considerou que a certificação de qualidade da empresa, junta pela autora com a sua proposta, satisfazia tal obrigação documental, sendo, por isso, irregular a decisão que, considerando-a violada, excluiu a autora do concurso.
No recurso que a Ré, ora recorrida, interpôs desta decisão, alegou-se, a esse propósito, que, constando do mencionado Programa de Procedimento «a obrigatoriedade de integração da proposta com declaração de origem certificada do material a entregar», o Tribunal a quo errara «ao entender que a certificação empresarial da Recorrida, enquanto empresa, satisfaz a requerida “origem certificada do material a entregar», que é coisa distinta, enfermando, por isso, de erro de julgamento.
A Autora, ora recorrente contra-alegou, sustentando, nesse particular, ter junto, para cumprimento dessa controversa obrigação documental, «certificação emitida pelo Bureau Veritas Certification, entidade que, «depois de auditar o (seu) Sistema de Gestão (…), declarou que o mesmo se encontrava de acordo com os requisitos da norma NPENISO 9001:2008», estando em causa, segundo então esclareceu, «normas (…) elaboradas por meio de um consenso internacional sobre as práticas que uma empresa deve tomar a fim de atender plenamente os requisitos de qualidade total».
Toda a discussão nos autos, quanto a esse ponto, centrou-se, pois, na questão de saber se uma certificação de qualidade da empresa, enquanto tal, cumpria, por lhe ser conceitualmente equiparável ou sobreponível, a exigência de junção, para efeitos do concurso em causa, da «Declaração de origem certificada do material a entregar», sendo, pois, expectável que o Tribunal recorrido, na apreciação da questão, procurasse delimitar os conceitos jurídicos de certificado de origem do produto e certificado de qualidade da empresa que o explora.
Assim sendo, se é verdade que a norma, ora sindicada, do artigo 3.º, n.º 3, alínea f), do Decreto-Lei n.º 142/2007, que aprova a orgânica do Instituto Português da Qualidade, I.P., foi pela primeira vez invocada nos autos, disso não se pode retirar, sem mais, como parece pretender a reclamante, que a sua aplicação fosse de todo imprevisível por juridicamente desenquadrada do pleito ou das várias perspetivas interpretativas em discussão nos autos.
A citada norma legal, reportando-se especificamente à missão e atribuições do IPQ, I.P., define o conceito de «Qualidade» como «o conjunto de atributos e características de uma entidade ou produto que determinam a sua aptidão para satisfazer necessidades e expectativas da sociedade». Usando-a, pretendeu o Tribunal recorrido, por reporte ao concreto produto em causa nos autos, delimitar negativamente o conceito de «certificado de origem», exigido pelo programa de procedimento do concurso, definindo-o como o meio de atestar «a área geográfica onde o peixe foi capturado» ou «de onde vinha o Produto», o que se considerou sem qualquer relação «com a qualidade nem da empresa fornecedora, nem do produto a fornecer».
Ora, estando em causa norma que define o conceito de qualidade da empresa, cuja certificação a Autora e ora reclamante havia junto com a sua proposta, pretendendo, com ela, demonstrar que havia cumprido a exigência procedimental de junção de declaração de origem certificada do material a entregar, o que constituía matéria nuclearmente controversa nos autos, não se afigura que a sua invocação, nesse preciso contexto, fosse de todo imprevisível, inesperada ou surpreendente ao ponto de converter a decisão que a aplicou, aliás com um alcance meramente esclarecedor ou coadjuvante, em decisão-surpresa.
Por isso que, sendo exigível à Autora, ora recorrente/reclamante, que antevisse a possibilidade de aplicação da norma ora sindicada ao pleito, por diretamente conexionada com a matéria em discussão nos autos, sobre ela recaía o ónus de suscitar oportunamente qualquer questão de inconstitucionalidade a ela atinente, pelo que, não o tendo observado, carece de legitimidade para interpor o presente recurso.
É que, mesmo admitindo que a reclamante invocou, em todas as peças processuais que juntou aos autos, a violação dos princípios constitucionais da transparência, igualdade, imparcialidade e proporcionalidade, como também agora sustenta, a verdade é que não imputou essa violação a qualquer normativo legal ou interpretação normativa mas à própria decisão de adjudicação que, com tal fundamento, impugnou, pelo que não observou, desse modo, o ónus legal de prévia suscitação de questão de inconstitucionalidade normativa, que é, com tais precisos contornos, pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação deduzida, nos presentes autos, pela recorrente A., Lda.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades conta.
Lisboa, 26 de abril de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.