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Processo n.º 36/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do n.º 4 do artigo 76.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de fls. 2157 que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
«(…) A., Recorrente melhor identificada nos autos de recurso à margem referenciados, notificada do douto despacho, proferido a fls. dos autos, que não admitiu o recurso por si interposto para este Egrégio Tribunal Constitucional vem, nos termos e para os efeitos do n.° 4 do art.° 76.° da L.T.C., de tal despacho apresentar
RECLAMAÇÃO
o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Sempre com o devido e merecido respeito, permite-se a aqui Reclamante discordar com o entendimento explanado pelo Venerando Sr. Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, quando, nos termos do despacho ora reclamado, decidiu pela não admissão do recurso interposto pela Recorrente, ora Reclamante.
2. Pois que, com aquele seu recurso, interposto do douto Acórdão proferido por aquele Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, pretendia, desde logo, a ora Reclamante ver apreciada a questão da interpretação inconstitucional, ao longo, do processado nos autos, nomeadamente, no douto Aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas, também, em sede da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, do art.º 668.°, al. b) do C.P.C., por referência ao art.° 205.° da C.R.P, e da qual o mesmo Supremo Tribunal decidiu não tomar conhecimento.
3. Porquanto, segundo o vertido no douto despacho ora reclamado entendeu-se naquele Supremo Tribunal de Justiça que «o aresto por nós proferido é suficientemente claro quanto às exigências de fundamentação, impondo-se, manifestamente, a conclusão de que não se verifica qualquer deficiência.»
4. Concluindo-se que «Sendo assim, nos termos do artigo 76.°, n.° 2, parte final, da apontada Lei, não se admite o recurso».
5. Impedindo-se, assim, e salvo o devido respeito, que este Egrégio Tribunal Constitucional se pronuncie, então, sobre a alegada inconstitucionalidade,
6. E, sem que, todavia, se mostre sequer devidamente fundamentada a razão de não admissão daquele recurso, pois que, na verdade se limita o Egrégio Supremo Tribunal de Justiça a invocar a inexistência de uma qualquer deficiência por si acometida.
7. O que, não se pode, de modo algum, julgar por válido e suficiente!
8. E, nessa medida, revela-se fundado, ou não (segundo é nosso entender), o despacho de indeferimento ora reclamado, devendo, antes, ser substituído por outro que ordene a admissão do recurso interposto pela aqui Reclamante.
Senão vejamos,
9. Preceitua o art.° 76.°, n.° 2 da Lei do Tribunal Constitucional que: «O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75.°-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n.° 5, quando a decisão não o admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.° 1 do artigo 70°, quando forem manifestamente infundados.»
10. Ora, certo é que o recurso interposto pela ora Reclamante o foi ao abrigo do preceituado na al. b) do n.° 1 do art.° 70.º da L. T. C., e que, conforme bem refere o Venerando Senhor Juiz Conselheiro no seu douto Despacho, tal decisão, da qual foi então interposto o aludido recurso para este Egrégio Tribunal Constitucional, havia considerado «ter a Relação decidido bem quando considerou estar a sentença de 1.ª instância fundamentada nos termos exigidos por lei.».
11. De modo que, a dita norma cuja inconstitucionalidade foi agora, como o havia já sido antes, suscitada, prende-se com o dever de fundamentação das decisões dos Tribunais (em todas as suas hierarquias).
12. Com efeito, sempre se dirá que, entende modestamente a Recorrente, ora Reclamante, que a Lei do Tribunal Constitucional, quando refere, no seu art.º 70.°, n.° 1, al. b), que «Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;», não está, conforme parece resultar do douto Despacho ora Reclamado, a cingir-se, apenas e só, à “decisão deste Supremo Tribunal”, ou seja, e no nosso caso concreto, também à decisão proferida pela Veneranda Relação do Porto,
13. Pois que, se assim não fosse, e desde logo, não se justificaria, de forma alguma, a utilização do plural «decisões» na redação daquele n.° 1, pois que, caso fosse o de pretender cingir o conhecimento deste Tribunal às questões abordadas e decididas apenas na última instância de recurso socorrer-se-ia o legislador do termo “decisão”, pura e simplesmente.
14. Ademais, sempre haverá ainda que atender ao facto de, um qualquer recurso a interpor para este Egrégio Tribunal Constitucional ser apenas admissível após o “esgotar” de todos os recursos ordinários, motivo pelo qual, obrigatoriamente teria a ora Reclamante, como efetivamente o fez, de suscitar aquela inconstitucionalidade numa primeira instância perante aquele Supremo Tribunal de Justiça.
15. Cujo conhecimento, aí, foi pura e simplesmente reduzido a um simples parágrafo:
«As nulidades previstas nas ditas alíneas são, efetivamente, diferentes. A da alínea d) reporta-se, na parte que agora importa, ao não conhecimento de questões que o tribunal devesse apreciar e a da alínea b) reporta-se a outra parte das sentenças, qual seja a da fundamentação. No entanto, esta segunda foi conhecida. Começou-se pela outra, mas, depois, ainda no ponto IX e essencialmente no ponto XI, discorreu-se sobre a fundamentação deficiente e sobre a falta de fundamentação, tendo-se concluído não se verificar esta. Não teve lugar, pois, a pretendida falta de conhecimento, merecendo a decisão sob censura total acolhimento».
16. Em face do que, repetidamente, e salvo o devido respeito, entendeu a aqui Reclamante que as exigências de fundamentação não se mostraram devidamente observadas, ao longo de todo o processado nestes autos de processo.
17. Com efeito, aquela decisão do Insigne Supremo Tribunal de Justiça, tal como outras anteriores, violou a letra e o espírito da disposição legal em causa, seja, do art.° 668.°, al. b) do C.P.C, contrariando assim, e por referência ao artigo 205.° da C.R.P., tal preceito constitucional.
18. Na verdade, pelas razões que a seguir se aduzirão, de maneira alguma pode a ora Recorrente conformar-se com tal decisão/interpretação, pois que, salvo o devido respeito, entende que aquele Insigne Supremo Tribunal de Justiça não julgou devidamente a nulidade que foi invocada em sede de motivação de recurso, isto é, a nulidade por omissão de fundamentação, por ter entendido que tal nulidade só opera quando a sua falta é absoluta.
19. Sentido de juízo este, com qual, de resto, não se pode conformar a aqui Reclamante, pois que, o dever de fundamentação de sentença, com consagração constitucional, é uma exigência bem mais estreita.
20. Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de caráter objetivo - pacificação social, legitimidade e auto controle das decisões; e de caráter subjetivo - garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
21. Para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há de ser expressa, clara e coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão; os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem tão pouco padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.
22. A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.
23. A fundamentação da sentença tem regulamentação específica nos termos do artigo 659.° do C.P.C. «1. A sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar. 2. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. 3. Na fundamentação da sentença, o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal coletivo deu como provados (653.°, n.ºs 2 e 3 do C.P.C.), fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.»
24. Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito. Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada. Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado: identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.
25. O Juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo nula a sentença quando falte essa indicação.
26. E, salvo o devido respeito, não se diga que para haver nulidade essa falta tem que ser absoluta, pois, será de constitucionalidade duvidosa a norma do artigo 668.°, n.° 1, alínea b) do C.P. C. se interpretada nesse sentido (Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP Anotada, Tomo III, pág. 77).
27. Assim sendo, não se pode deixar de concluir que, sempre com o merecido respeito, mal andou aquele Insigne Supremo Tribunal de Justiça ao ter, na esteira do decidido Venerando Tribunal da Relação do Porto, entendido a fundamentação da sentença como suficiente e válida.
ASSIM, EM SUMA, PELO SUPRA EXPOSTO,
28. Requer a Recorrente, ora Reclamante, seja admitido o Recurso interposto pela mesma, do douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de modo a poder ser então apreciada por este Tribunal Constitucional a aludida interpretação Inconstitucional do art.º 668.°, n.° 1, al. b) do C.P.C., efetivada ao longo de todo o processado nestes autos.
Termos em que, sopesados os argumentos acabados de aduzir, vem a Recorrente/Reclamante, requerer a V. Exas. se dignem revogar o douto despacho de inadmissibilidade, do qual ora se reclama, devendo, nessa sequência, ser admitido e subir o recurso por si interposto do douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça. (…)»
2. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se nos termos que se seguem:
«1. A ora reclamante, A., é Ré em ação especial de prestação de contas, em que é Autora a sua irmã, B., na qualidade de herdeira da herança jacente aberta por óbito dos pais de ambas.
2. Por sentença da 4ª Vara Cível do Porto, de 20 de junho de 2010 (cfr. fls. 1922-1933 dos autos), não foram aprovadas as contas prestadas pela Ré, referentes aos exercícios de 1992 a 2000, relativas à exploração do estabelecimento de fotografia vitrificada sobre esmalte instalado no rés do chão do prédio sito na Rua Costa Cabral, 865, Porto, que gira sob a denominação “Fernando Salgado (cabeça de casal da herança de)”, integrado na herança aberta por óbito dos pais da autora e da ré.
A referida sentença condenou, por outro lado, a Ré a pagar, à Autora, a quantia de € 316 751,08.
3. Inconformada, a ora reclamante recorreu para o Tribunal da Relação do Porto (cfr. fls. 1939 dos autos), tendo posteriormente apresentado a sua motivação de recurso (cfr. fls. 1952-1995 dos autos).
Este tribunal superior, por acórdão de 15 de março de 2011 (cfr. fls. 2030-2050 dos autos), julgou “o recurso parcialmente procedente, por provado, e, em consequência, prestadas as contas devidas pela Ré à Autora, no âmbito das funções de cabeça de casal da herança aberta por morte de Fernando Salgado e esposa, condenando-se a Ré a pagar à mesma Autora a quantia de € 209 615,80” (cfr. fls. 2049 dos autos).
4. Novamente inconformada, a Ré veio, então, interpor recurso deste Acórdão da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. fls. 2056-2057 dos autos), tendo posteriormente apresentado a sua motivação de recurso (cfr. fls. 2062-2074, 2075- 2087 dos autos).
5. Alegou, para o efeito, designadamente o seguinte, em matéria de eventual inconstitucionalidade (cfr. fls. 2064 dos autos):
“Com efeito, a fundamentação da sentença, como a de qualquer outra decisão judicial, sendo exigência muito antiga, tem assento constitucional, pois, segundo o artigo 205º, nº 1, da C.R.P., «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
Não se trata de mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de caráter objetivo – pacificação social, legitimidade e auto controle das decisões; e de caráter subjetivo – garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários.
Para cumprir a exigência constitucional, a fundamentação há de ser expressa, clara e coerente e suficiente. Ou seja, não deve ser deixada ao destinatário a descoberta das razões da decisão, os motivos não podem ser obscuros ou de difícil compreensão, nem tão pouco padecer de vícios lógicos; a fundamentação deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.
A fundamentação da decisão deve, pois, permitir o exercício esclarecido do direito ao recurso e assegurar a transparência e a reflexão decisória, convencendo e não apenas impondo.”
6. E a ora reclamante acrescenta, logo a seguir (cfr. fls. 2065-2066 dos autos):
“A fundamentação da sentença tem regulamentação específica nos termos do artigo 659º do C.P.C. […]
Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito. Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada. Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado: identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.
O Juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo nula a sentença quando falte essa indicação.
E, salvo o devido respeito, não se diga que para haver nulidade essa falta tem que ser absoluta, pois, será de constitucionalidade duvidosa a norma do artigo 668º, nº 1, alínea b) do C.P.C., se interpretada nesse sentido (Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP Anotada), Tomo III, pág. 77).
Assim sendo, não se pode deixar de concluir que a motivação da decisão de facto constante da sentença sob sindicância, e do douto Acórdão que sobre a mesma se pronunciou, se encontra ferida de uma profunda deficiência.
Por não cumprir o seu desiderato legal, uma vez que, não se mostram fundamentados os factos provados que serviram, a final, para construir o raciocínio lógico formulado pelo Tribunal e, ainda, inexiste uma apreciação crítica da prova, designadamente, no que concerne à não aprovação das contas prestadas pela Ré por alusão aos motivos que levaram o Tribunal a considerar a fixação de valores divergentes para as receitas brutas, despesas e resultados líquidos.”
7. Nessa medida, como conclusões, a ora reclamante indica, designadamente, as seguintes (cfr. fls. 2073-2074 dos autos):
“Q. De modo que, salvo melhor entendimento, e com o sempre merecido respeito, mal andou o Venerando Tribunal da Relação do Porto ao ter, na esteira do decidido na douta sentença da 1ª instância, entendido a fundamentação da sentença como suficiente e sólida.
R. Pois que, sempre se entende que a sentença é nula, quando não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão (cfr. Ac. R.C. de 12-2-2005, in http://www.dgsi.pt).
S. E, como se alude no Ac. STJ, de 22-1-2004, consultável no mesmo site, «Esta nulidade é motivada pelo facto de o tribunal dever subsumir o caso concreto submetido à sua apreciação às pertinentes normas jurídicas e justificar que a solução é harmónica com os factos provados e a lei aplicáveis, além do mais para que as partes possam controlar o raciocínio seguido por quem decide e equacionar a viabilidade do recurso».
T. Com efeito. o Merit. Juiz «a quo» limitou-se a remeter a sua convicção, e assim a parca fundamentação de facto, para a globalidade da prova produzida, sem que, tenha acurado de fazer a destrinça do que terá cada depoimento ou documento (ou conjunto dos mesmos) originado a dar como provado, o que, assim, não permite à aqui Recorrente aferir da bondade de tal decisão.
U. Termos em que, sempre se entende que o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, não tendo ponderado devidamente a nulidade da douta sentença conforme objeto do recurso de Apelação interposto pela aqui Recorrente, sofre também do vício de nulidade, nos termos do artigo 668º, nº 1, al, b) do C.P.C., devendo, assim, ser revogado em conformidade (art. 731º do C.P.C.).”
8. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, entendeu o Ilustre Conselheiro Relator de proferir, em 12 de julho de 2011, Decisão Sumária (cfr. fls. 2106-2116 dos autos), tendo concluído da seguinte forma (cfr. fls. 2114-2116 dos autos) (destaques do signatário):
“Ainda no passado dia 5 foi proferido um acórdão relatado por mim e que se pode ver em www.dgsi.pt, processo nº 1272/04 TBBCL.G1.S1, no qual se escreveu:
«A omissão de pronúncia está prevista no artigo 668º, nº 1 d), em concatenação com o artigo 660º, nº2 do Código de Processo Civil.
Verifica-se, então, quando o juiz, não havendo prejudicialidade, deixe de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Ao que sejam «questões», para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2ª edição, 670: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “ considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (artigo 511-1) as partes tenham deduzido …” (agora a página 646). No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122, 112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195. E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência, incluindo a deste tribunal, que vem afirmando, ao que sabemos com unanimidade, que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos (cfr-se, por todos, em www.dgsi.pt – sítio onde estão também disponíveis os demais deste Tribunal que se vão referir – os Ac.s de 13.9.2007, processo nº 07B2113 e de 28.10.2008, processo nº 08ª3005).
Mais se vem entendendo que a nulidade se verifica apenas nos casos em que há omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada (Cfr-se os Acórdãos deste Tribunal, de 18.4.2002, processo nº 02B737, 16.12.2004, processo nº 04B3896 e de 28.10.2008, já referido, e, bem assim, o comum dos autores – exemplificativamente, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, ob. e vol. citados, 669 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 194).
A fundamentação deficiente pode dar azo a, entre outras, situações de insuficiência factual ou má construção de direito, mas não atinge a validade formal da peça processual”
Esta posição não colide com a necessidade constitucional de fundamentação, porquanto, remetendo o artigo 205, nº 1 da CRP para a «forma prevista na lei» é na lei processual civil que se hão de encontrar os limites da suficiência ou insuficiência.
No caso presente, a Relação referiu-se – até detalhadamente como se vê do ponto VIII supra – à questão da invocada falta de fundamentação da sentença de 1ª instância, não ficando, com toda a clareza, até aquém do que tinha que conhecer.
Não foi cometida a apontada nulidade do aresto em recurso.
Do mesmo modo, o Tribunal de 1ª instância enumerou os factos que considerou provados, abriu um capítulo epigrafado de «Fundamentação Jurídica» e discorreu longamente sobre tudo o que considerou interessante para fundamentar a decisão que tomou.
É de manter, pois, o entendimento do Tribunal da Relação de que não foi cometida a nulidade apontada àquela instância.
Termos em que se nega a revista.”
9. A ora reclamante veio, naturalmente, contestar este entendimento e reclamar para a conferência desta Decisão Sumária (cfr. fls. 2120-2123 dos autos).
O Supremo Tribunal de Justiça, porém, por Acórdão de 27 de outubro de 2011 (cfr. fls. 2129-2142 dos autos) indeferiu a reclamação e manteve, consequentemente, o decidido, com base na seguinte argumentação (cfr. fls. 2161-2162 dos autos):
“Vem a recorrente reclamar para a conferência, sustentando que:
Na decisão sob censura se abordou apenas a questão da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, quando tinha também sido invocada a nulidade da alínea b) do mesmo número e artigo, sendo certo que a verificação desta viola mesmo o princípio constitucional do acesso ao direito.
As nulidades previstas nas ditas alíneas são, efetivamente, diferentes. A da alínea d) reporta-se, na parte que agora importa, ao não conhecimento de questões que o tribunal devesse apreciar e a da alínea b) reporta-se a outra parte das sentenças, qual seja a da fundamentação.
No entanto, esta segunda foi conhecida. Começou-se pela outra, mas, depois, ainda no ponto IX e essencialmente no ponto XI, discordou-se sobre a fundamentação deficiente e sobre a falta de fundamentação, tendo-se concluído não se verificar esta.
Não teve lugar, pois, a pretendida falta de conhecimento, merecendo a decisão sob censura total acolhimento.”
10. A interessada interpôs, então, recurso deste Acórdão para o Tribunal Constitucional (cfr. fls. 2147-2150, 2152-2155 dos autos).
Retoma, porém, argumentos já anteriormente aduzidos (cfr. supra nº 6 do presente parecer):
“Como decorre deste normativo, a sentença assenta numa dupla fundamentação: de facto e de direito. Em primeiro lugar, importa precisar toda a realidade fáctica que se encontra provada. Depois há que submeter todos esses factos a tratamento jurídico adequado: identificação das regras de direito aplicáveis, interpretação dessas regras e determinação dos correspondentes efeitos jurídicos.
O Juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, sendo nula a sentença quando falte essa indicação.
E, salvo o devido respeito, não se diga que para haver nulidade essa falta tem que ser absoluta, pois, será de constitucionalidade duvidosa a norma do artigo 668º, nº 1, alínea b) do C.P.C., se interpretada nesse sentido (Jorge Miranda e Rui Medeiros, CRP Anotada), Tomo III, pág. 77).”
11. O Ilustre Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça decidiu, todavia, não admitir o recurso apresentado, com a seguinte argumentação (cfr. fls. 2157 dos autos):
“Proferido o nosso acórdão, veio A. recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70º b) e 78º da Lei do Tribunal Constitucional.
Não apresentou conclusões, mas das respetivas alegações depreende-se que pretende ter violado o artigo 205º da Constituição a decisão deste Supremo Tribunal que considerou ter a Relação decidido bem quando considerou estar a sentença de 1ª instância fundamentada nos termos exigidos por lei.
O próprio artigo 205º referido remete para a lei ordinária os termos relativos à fundamentação das decisões dos tribunais.
Por outro lado, e em termos que aqui damos como reproduzidos, o aresto por nós proferido é suficientemente claro quanto às exigências de fundamentação, impondo-se, manifestamente, a conclusão de que não se verifica qualquer deficiência.
Sendo assim, nos termos do artigo 76º, nº 2, parte final, da apontada Lei, não se admite o recurso.”
12. Reclamou, então, a interessada, para este Tribunal Constitucional, do despacho de não admissão de recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 2160-2167 dos autos).
Mas, crê-se, sem razão.
13. Desde sempre, com efeito, a interessada tem contestado a forma como as sucessivas instâncias têm aplicado a lei processual civil ao caso concreto, não aduzindo, porém, como decorre das transcrições feitas ao longo do presente parecer, uma questão específica de constitucionalidade normativa, particularmente no seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
A Constituição – art. 205º - é referida, é certo, mas a propósito de uma eventual interpretação das disposições aplicáveis do Código de Processo Civil (designadamente o art. 668º, alínea b) do mesmo código), interpretação, essa, que a interessada considera violar o referido preceito constitucional. Mas, sublinha-se, sempre no âmbito da aplicação da lei ao caso concreto.
Ora, como se sabe, não cabe ao Tribunal Constitucional sindicar a forma como as instâncias apreciam e aplicam, no caso concreto, as disposições legais infra- constitucionais, assim como também lhe não cabe avaliar a forma como a prova foi ponderada pelas mesmas instâncias.
14. Por outro lado, mesmo que se aceitasse que foi devidamente formulada, pela ora reclamante, uma questão de constitucionalidade normativa, é duvidoso que um eventual juízo de constitucionalidade, a proferir por este Tribunal Constitucional, tenha qualquer efeito útil.
As instâncias decidiram, com efeito, que a fundamentação, quer do tribunal de 1ª instância, quer do Tribunal da Relação do Porto, era suficiente para a decisão a que se chegou no âmbito das mesmas instâncias.
Nessa medida, ainda que se entendesse que a obrigação do art. 205º da Constituição não visa, apenas, casos de omissão total de pronúncia, como defendido pelo Acórdão recorrido do Supremo Tribunal de Justiça, mesmo assim a decisão se manteria a mesma, uma vez que é a ponderação da prova que está em causa e a fundamentação invocada no caso concreto, que justificam a decisão a que se chegou.
15. Assim, a questão resume-se, no fundo, a considerar que as instâncias consideraram, em face da prova produzida, que a Ré deve entregar à Autora uma determinada quantia - € 209 615,80 – e aquela entende que tal conclusão se não infere das premissas.
Mas isto não é uma questão normativa, mas de aplicação da lei ao caso concreto, como se disse.
16. Aliás, também é duvidoso que a eventual questão de constitucionalidade, alegadamente invocada pela interessada, tenha verdadeiramente integrado a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Com efeito, o que o Supremo Tribunal de Justiça entendeu foi, por um lado, que não havia omissão de pronúncia e, por outro, que a “fundamentação deficiente pode dar aso a, entre outras, situações de insuficiência factual ou má construção de direito, mas não atinge a validade formal da peça processual”.
Por outras palavras, não ocasionaria, nunca, nulidade.
Para além de o art. 205º da Constituição remeter, expressamente, para a “forma prevista na lei”, ou seja, para a lei processual civil, que as instâncias recorridas se limitaram a aplicar.
17. Pelo exposto, crê-se que a presente reclamação não deve merecer deferimento por parte deste Tribunal Constitucional.»
3. Notificada a reclamante para se pronunciar sobre as questões novas, suscitadas na resposta do Ministério Público, aquela veio dizer o seguinte:
«(…) Sempre com o devido e merecido respeito, permite-se a Reclamante discordar com o entendimento do Ilustre Procurador-Geral Adjunto explanado de fls. 2173 a 2186 dos autos, na sua douta Resposta, onde conclui pelo não provimento da reclamação apresentada.
Com efeito, e desde logo, afigura-se-nos pertinente reiterar tudo quanto foi exposto em sede de Reclamação apresentada, dando-se aqui por reproduzidas as conclusões aí exaradas, entendendo-se que as mesmas devem conduzir ao provimento dessa mesma reclamação.
Pois que, com aquele seu recurso, interposto do douto Acórdão proferido por aquele Egrégio Supremo Tribunal de Justiça, pretendia, desde logo, a ora Reclamante ver apreciada a questão da interpretação inconstitucional, ao longo do processado nos autos, nomeadamente, no douto Aresto proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas, também, em sede da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, do art. 668°, al. b) do c.P.c., por referência ao art. ° 205. ° da c.R.P, e da qual o mesmo Supremo Tribunal decidiu não tomar conhecimento.
Com efeito, preceitua o art. ° 76.°, n. ° 2 da Lei do Tribunal Constitucional que: «O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser indeferido quando não satisfaça os requisitos do artigo 75°-A, mesmo após o suprimento previsto no seu n. ° 5, quando a decisão não o admita, quando o recurso haja sido interposto fora do prazo, quando o requerente careça de legitimidade ou ainda, no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e fi do n. ° 1 do artigo 70°, quando forem manifestamente infundados;»
O que pelas razões melhor expostas em sede de reclamação não será, de todo, o caso!
É que, sempre se entende que aquela decisão do Insigne Supremo Tribunal de Justiça, tal como outras anteriores, violou a letra e o espírito da disposição legal em causa, seja, do art.º 668.°, al. b) do C.P.C, contrariando assim, e por referência ao artigo 205.° da C.R.P., tal preceito constitucional.
Razão pela qual, atentas as razões expostas, sempre deverá ser admitido o Recurso interposto pela mesma, do douto Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de modo a poder ser então apreciada por este Tribunal Constitucional a aludida interpretação.»
4. A reclamante pretende recorrer para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.2011 (fls. 2141/2142 dos autos), com vista à apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do CPC (cfr. requerimento de interposição do recurso, a fls. 2147/2150 dos autos).
O recurso não foi admitido por despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento no disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC (cfr. fls. 2157).
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pugna pela inadmissibilidade do recurso, invocando, além do mais, falta de suscitação, no decurso do processo, de uma questão de constitucionalidade normativa.
A reclamante contrapõe que «aquela decisão do Insigne Supremo Tribunal de Justiça, tal como outras anteriores, violou a letra e o espírito da disposição legal em causa, seja, do art.º 668.°, al. b) do C.P.C, contrariando assim, e por referência ao artigo 205.° da C.R.P., tal preceito constitucional.»
O próprio teor da resposta da reclamante revela a sua falta de razão.
Na verdade, a reclamante não suscitou, perante o tribunal recorrido, uma qualquer questão de constitucionalidade normativa, idónea a constituir objeto do recurso de constitucionalidade, que, aliás, continua a não identificar na presente reclamação.
Ou seja, não enunciou uma norma ou uma específica dimensão normativa, alegadamente adotada como ratio decidendi do acórdão recorrido, para depois lhe imputar o vício de inconstitucionalidade. Apenas se limitou a acusar a própria decisão recorrida de violar normas ou princípios constitucionais.
A falta de suscitação da questão de constitucionalidade no decurso do processo é, só por si, motivo de não admissão do recurso.
Assim, sem necessidade de outros considerandos, deve a presente reclamação ser indeferida.
5. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 07 de março de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.