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Processo n.º 178/2012
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:
3. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Nos termos do disposto na alínea b) desse preceito, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.º da LTC, entende-se não se poder conhecer do objeto do mesmo.
Importa começar por observar que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade é deficiente, pois apesar de nele se indicar como objeto do recurso, além da norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal, ainda a norma contida no artigo 344.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o requerimento não contém, no que à norma indicada por último diz respeito, os elementos exigidos pelo n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC.
Simplesmente, não é de promover o seu aperfeiçoamento, nos termos do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, por, independentemente da inobservância dos requisitos específicos – e supríveis – do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recurso ser inadmissível por se não verificarem os pressupostos de admissibilidade do mesmo.
Compulsados os autos, verifica-se que se não pode considerar ter sido previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de constitucionalidade normativa relativa a qualquer das normas que integram o objeto do presente recurso de constitucionalidade, tal como é exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
Com efeito, e ao contrário do que afirma a recorrente no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, em lugar algum da reclamação apresentada para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, vem suscitada uma questão de constitucionalidade normativa, não se podendo como tal considerar a afirmação que aí, no ponto 4 da reclamação, é feita, segunda a qual “[…] tal posição na situação em apreço […] viola, salvo melhor entendimento, o art. 32º nº 1 da CRP – a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais, nomeadamente, o direito fundamental de acesso ao direito e à justiça com tradução no art. 20º, da CRP”. O mesmo se diga no que respeita à afirmação, constante do ponto 21 da reclamação, segundo a qual “[…] o Douto Despacho de fls. 1831 constitui grave postergação do que a Constituição da República impõe em matéria de garantias de defesa do arguido”, pois é evidente que o vício de inconstitucionalidade é aí imputado a uma decisão em si mesma considerada e não, como seria exigível, a uma norma jurídica.
Segundo jurisprudência firme do Tribunal Constitucional, “[s]uscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse – tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido” (Ac. n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Como se afirma no Ac. n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “[a]o questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição”.
Tanto basta para que se não possa admitir o presente recurso de constitucionalidade.
2. Notificada dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
“1. Pelo Tribunal Judicial de Montemor-o-Velho foi a ora Reclamante condenada na pena única de 5 anos e 1 mês de prisão.
2. Recorreu a ora Reclamante para o Tribunal da Relação de Coimbra que julgando parcialmente procedente o recurso interposto, reduziu a pena única que lhe fora aplicada de 5 anos e 1 mês para a pena única de 4 anos e 2 meses de prisão.
3. Desta última decisão, interpôs a Reclamante recurso para o STJ, o qual não foi admitido, nos termos do prescrito pela alínea f) do nº 1 do art. 400° do CPP, por entender que a pena de prisão aplicada à ora Reclamante não é superior a 8 anos e por entender que a decisão do TRC, apesar de ter reduzido a pena única aplicada à ora Reclamante, confirmou a decisão de 1.ª Instância, tendo ocorrido desta forma uma dupla conforme.
4. Desta decisão reclamou a ora Reclamante para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça nos termos do art. 405° do CPP, alegando, muito sumariamente, que no caso em apreço não existe urna dupla conforme, uma vez que o Tribunal da Relação de Coimbra, pela primeira vez, teve que decidir sobre uma questão nova: suspender ou não a pena de prisão aplicada à ora Recorrente.
5. Alegando, assim, a ora Reclamante, que a interpretação que foi feita do art. 400°, nº 1, alínea f) do CPP pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de, no caso em concreto, haver uma dupla conforme, é inconstitucional por violação do disposto no art. 32°, nº 1 e art. 20° da CRP.
6. Esta última reclamação apresentada para o Presidente do STJ foi indeferida.
7. Notificada dessa decisão, veio a ora Reclamante interpor recurso para este ALTO TRIBUNAL, ao abrigo do disposto nº 1 alínea b) do nº 1 do art. 70° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), requerendo, através do mesmo, que seja apreciada a alegada interpretação inconstitucional do art. 400°, nº 1, alínea f) do CPP.
8. Contudo, foi proferida decisão sumária que entendeu não ser de conhecer do objeto do recurso interposto para este Alto Tribunal, na medida em que: o requerimento de interposição de recurso é deficiente por não conter os elementos exigidos pelo nº 2 do art. 72° da LTC, uma vez que 'em lugar algum da reclamação apresentada para o Presidente do STJ vem suscitada uma questão de inconstitucionalidade normativa (…)”.
9. Não pode a ora Reclamante concordar que em lugar algum da reclamação apresentada para o Presidente do STJ tenha sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade.
10. Ora, a decisão sumária questionada, com todo o devido respeito, revela-se claramente apressada e de ainda mais chocante ligeireza na apreciação da questão, merecendo, por isso, a absoluta discordância da Arguida.
11. De facto, e como se refere expressamente na Decisão reclamada “suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de inconstitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama que tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou o segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) quer (no entender de quem a suscita essa questão) viola a constituição (…)”.
12. Ora, entende a ora Reclamante que a mesma na sua reclamação apresentada para o Presidente do STJ deu cumprimento ao exigido no art. 72º, nº 2 da LTC, identificando a norma (art. 400º, nº 1 alínea f) do CPP) cuja interpretação considera inconstitucional e explicando o porquê de considerar tal interpretação como inconstitucional.
13. Da sua reclamação, parece-nos resultar claro que a ora Reclamante indicou como sendo inconstitucional a interpretação feita pelo TRC da norma contida no art. 400º, nº 1, alínea f) do CPP quando aquela norma foi interpretada no sentido de que ocorre uma dupla conforme quando o Tribunal da Relação aplica uma pena inferior à aplicada pelo tribunal de 1ª Instância – havendo assim uma confirmação da decisão anterior.
14. Resulta ainda, que a inconstitucionalidade dessa interpretação é ainda mais evidente e grave em situações como a dos presentes autos – em que a pena aplicada pela Relação permite, ao contrário da decisão de 1ª Instância, a ponderação e decisão sobre uma questão nova: saber se a execução da pena de prisão concretamente aplicada é ou não de suspender.
15. Não há dupla conforme, e decidir em sentido contrário é interpretar de forma inconstitucional o disposto no art. 400º, nº 1 alínea f) do CPP, quando o Tribunal de 1ª Instância aplica ao Arguido uma pena unitária superior a 5 anos (e como tal não ponderou nem decidiu sobre a possibilidade de suspensão da pena de prisão aplicada, na medida em que a mesma não é passível de ser suspensa na sua execução), e o Tribunal da Relação aplicou ao mesmo arguido uma pena de prisão inferior ou igual a 5 anos (pois neste caso, pela primeira vez, foi proferida decisão sobre a questão de suspensão ou não daquela pena de prisão).
16. Não há dupla conforme na questão em causa (suspensão ou não da. pena de prisão concretamente aplicada). Esta questão, apenas foi apreciada uma vez e pelo Tribunal da Relação.
17. Assim, parece-nos, salvo o devido respeito que é sempre muitíssimo, que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade contém todos os elementos exigidos pelo art. 75º, nº 2 da LTC.
18. De facto, alegou a ora reclamante que tendo o Tribunal de 1ª Instância aplicado à ora Reclamante uma pena de prisão superior a 5 anos (5 anos e 1 mês) não teve aquele Douto Tribunal que ponderar e decidir da suspensão da mesma. Ao invés, o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo reduzido tal pena única para 4 anos e 1 mês de prisão, pela primeira vez, teve que ponderar e decidir sobre a questão de suspender ou não de esta pena de prisão.
19. Assim sendo, alegou a ora reclamante naquela sua Reclamação que a interpretação que foi feita do art. 400º, nº 1, alínea f) do CPP pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de, no caso em concreto, haver uma dupla conforme, é inconstitucional por violação no disposto no art. 32º, nº 1 e art. 20º da CRP.
20. Uma vez que, como vimos, pela primeira vez nos presentes autos, o Tribunal da Relação de Coimbra teve que decidir sobre a questão de suspender ou não a pena de prisão aplicada à ora Reclamante.
21. Nunca antes tal questão se tinha colocado – tendo em conta o quantum da pena de prisão aplicada à ora Reclamante.
22. O entendimento de que esta interpretação do art. 400º, nº 1 alínea f) do CPP é uma interpretação inconstitucional resulta do recurso interposto para o STJ e da reclamação apresentada para o Senhor Presidente do STJ.
23. Não compreendendo a Arguida/ora Reclamante, a decisão Sumária proferida nos presentes autos.
24. Refere a Douta Decisão Sumária em crise que: “ (…) é evidente que o vício de inconstitucionalidade é aí imputado a uma decisão em si mesma considerada ou não, como seria exigível, a uma norma jurídica.”
25. Contudo, e com todo o respeito que é sempre muitíssimo, o vício de inconstitucionalidade alegada pela Arguida é imputada a uma interpretação que é dada pelo TRC, e posteriormente, pelo presidente do STJ à norma do art. 400º, nº 1 alínea f) do CPP.
26. Tal imputação resulta claramente da referida Reclamação para o presidente do STJ quando se diz (no seguimento do referido no art. 1, 2 e 3) no art. 4° que 'A ora Recorrente não pode concordar com tal posição na situação em apreçou”.
27. Quando a Arguida refere que 'não pode concordar com tal posição, está-se a referir claramente à interpretação que é feita pelo TRC ao art. 400°, nº 1 alínea f) do CPP.
28. Isso mesmo resulta da sua reclamação tida como um todo.
29. Vejamos, então, a reclamação apresentada pela Arguida para o Presidente do STJ:
1. O Douto Tribunal da Relação de Coimbra rejeitou o recurso interposto pela ora Arguida para este Alto Tribunal, entendendo, para o efeito, que no caso em apreço verificam-se os dois pressupostos determinantes da inadmissibilidade legal do recurso interposto nos termos do art. 400°, nº 1, alínea f) do CPP, a saber:
2. A pena de prisão aplicada à Arguida, ora Recorrente, não é superior a 8 anos:
3.Ocorreu uma dupla conforme, pois o Tribunal da Relação aplicou uma pena inferior à aplicada pelo Tribunal de 1ª Instância – havendo assim uma confirmação da decisão anterior.
4. A ora recorrente não pode concordar com tal posição na situação em apreço, uma vez que a mesma viola, salvo melhor entendimento, o art. 32° nº 1 da CRP – a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais, nomeadamente, o direito fundamental de acesso ao direito e à justiça com tradução no art. 20°, da CRP.
5. De facto, se corresponde à verdade que não foi aplicada à arguida, ora Recorrente, pena de prisão superior a 8 anos, sendo também verdade que o Tribunal da Relação aplicou à ora Recorrente uma pena inferior àquela que foi aplicada pelo Tribunal de 1ª Instância, não existe no caso em apreço uma dupla conforme, pelo menos numa das fundamentais questões de direito: suspensão ou não da pena de prisão concretamente aplicada à arguida!?
6. De facto, o Tribunal de 1ª Instância aplicou à Arguida a pena unitária de 5 anos e 1 mês. Como tal, não ponderou nem decidiu sobre a possibilidade de suspensão da pena de prisão aplicada, na medida em que a mesma não é passível de ser suspensa na sua execução, dado que o art. 50°, nº 1 do CP apenas o permite relativamente a penas de prisão não superiores a 5 anos.
7. Já o Douto Tribunal da Relação de Coimbra, e tendo em conta as conclusões da motivação da arguida, ora Recorrente, aplicou àquela a pena de prisão de 4 anos e 2 meses. E, consequentemente, o Tribunal da Relação, pela primeira vez nos presentes autos, teve que decidir sobre a questão da suspensão ou não daquela pena de prisão.
8. Pelo exposto, entende a Recorrente, salvo melhor entendimento, que não há dupla conforme na questão em causa (suspensão ou não da pena de prisão concretamente aplicada à Arguida). Esta questão, apenas foi apreciada uma vez e pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
9. E, saliente-se que, o recurso interposto pela Arguida para o Supremo Tribunal de Justiça versa apenas sobre esta matéria – suspensão ou não da pena aplicada à Arguida.
10. Ora, o recurso é um instrumento de impugnação de decisões judiciais colocado à disposição de vários sujeitos processuais, através do qual lhes é dada a oportunidade de submeterem uma decisão judicial à apreciação de uma instância judicial superior, em ordem à sua correção.
11. Nessa medida, o direito ao recurso constitui naturalmente uma garantia de defesa do arguido.
12. A 'jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal”.
13. Mesmo antes de o art. 32°, nº 1 da Constituição ter passado a declarar expressamente o recurso como uma das garantias de defesa o Tribunal Constitucional afirmava, no Ac. n.º 322/93, que 'uma das garantias de defesa, de que fala o nº 1 do art. 32°, é, justamente, o direito ao recurso contra sentenças penais condenatórias – o que vale por dizer que no domínio processual penal, há que reconhecer como princípio, o direito a um duplo grau de jurisdição'.
14. Tem-se, aliás, considerado que só o direito ao recurso do arguido goza de tutela constitucional.
15. O conteúdo essencial das garantias de defesa do arguido consiste no direito a ver o seu caso examinado em via de recurso, mas não abrange já o direito a novo reexame de uma questão já reexaminada por uma instância superior'.
16. O Tribunal Constitucional aponta a necessidade de evitar que a instância superior da ordem judiciária fique sobrecarregada com a apreciação de casos de pequena ou média gravidade, já apreciados em duas instâncias, como um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado, do impedimento de acesso a um terceiro grau de jurisdição, que se encontra vertido nas alíneas e) e f) do art. 400°, nº 1 do CPP.
17. Ora, saber se a pena concretamente aplicada à arguida, ora Recorrente, deve ou não ser suspensa na sua execução é uma questão que contende com a liberdade da Arguida, que apenas foi apreciada em uma Instância (Tribunal da Relação), não tendo, por isso, sido reexaminada.
18. Por outro lado, contra a solução de rejeição do presente recurso para o STJ – recurso interposto apenas pela defesa e no interesse da defesa – milita decisivamente a perversão do princípio da proibição da reformatio in pejus que está na sua base.
19. Não é aceitável que esta garantia fundamental do direito ao recurso por parte do arguido, que visa tornar efetiva a possibilidade de exercício desse direito (não sendo possível reformar a sentença para pior), possa ser lançada precisamente contra o arguido, impedindo-o de recorrer.
20. Por todo o exposto, e com todo o respeito que é sempre muitíssimo, deveria o Tribunal da Relação ter admitido o recurso interposto pela ora Requerente para o STJ.
21. Não o tendo feito, o Douto Despacho de fls. 1831 constitui grave postergação do que a Constituição da República impõe em matéria de garantias de defesa do arguido.
30. Assim, e salvo o devido respeito, o presente requerimento de recurso de constitucionalidade respeitou todos os elementos exigidos pelo nº 2 do art. 75-A da LTC, pelo que deveria o mesmo ser admitido.
31. Caso, assim, não se entenda, o que só por mera hipótese se coloca, sempre se dirá que deveria a Recorrente ser convidada a promover o seu aperfeiçoamento nos termos do nº 5 e 6 do art. 75º-A da LTC”.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio dizer o seguinte:
“1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 162/2012, não se conheceu do objeto do recurso, porque o recorrente, durante o processo, não suscitara de forma atempada uma questão de inconstitucionalidade normativa, faltando, pois, esse requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC.
2º
Efetivamente, na Decisão Sumária, após se analisar reclamação – transcrevendo-se as partes pertinentes – para o Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que, na Relação, não admitiu o recurso interposto para aquele Supremo Tribunal – o momento processual próprio – conclui-se – e bem – que não vinha enunciada uma questão de inconstitucionalidade de normas ou interpretação normativa.
3º
Seguramente por não ter sido suscitada uma questão de inconstitucionalidade daquela natureza, o Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, quando apreciou a invocada violação dos princípios constitucionais, entendeu que a “posição do Tribunal da Relação ao não admitir o recurso” não os violava, ou seja, foi a inconstitucionalidade da decisão que se apreciou.
4º
Poderia ainda acrescentar que o conhecimento do recurso sempre se revelaria processualmente inútil.
5º
Na verdade, na decisão recorrida, entendeu-se que o recurso não era admissível por força da alínea f) do nº 1 do artigo 400.º do CPP – o preceito referido no recurso de constitucionalidade –, mas também não o seria por força do disposto na alínea e) do nº 1, daquele artigo 400.º.
6º
Ou seja, a decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a reclamação, sempre se manteria, face ao fundamento alternativo.
7º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação”.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da decisão sumária ora reclamada, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento na falta de verificação do pressuposto processual de prévia suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Ao fazê-lo, entendeu-se que não havia fundamento para promover o aperfeiçoamento do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, nos termos do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, não obstante a sua insuficiência na parte respeitante à questão de constitucionalidade do artigo 344.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (na medida em que, relativamente a essa questão, o requerimento não continha os elementos exigidos pelo n.º 2 do artigo 75.º-A da LTC), com fundamento na circunstância de independentemente da inobservância dos requisitos específicos – e supríveis – do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recurso ser inadmissível por se não verificarem os pressupostos de admissibilidade do mesmo.
É que o convite ao aperfeiçoamento só se justifica naquelas situações em que a apreciação liminar sobre a verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso se vê impossibilitada face à escassez de elementos fornecidos pelo recorrente no seu requerimento de interposição do recurso. Já naquelas situações em que, face ao teor do requerimento apresentado, se dispõe de elementos suficientes para a apreciação liminar, tal convite ao aperfeiçoamento não tem justificação, porquanto, perante a imediata falta de verificação de um dos pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, nada que o recorrente pudesse vir a dizer em resposta a um eventual convite ao aperfeiçoamento, lhe aproveitaria, revelando-se assim inútil a formulação desse convite. Ora, é justamente esta última situação que se verifica no presente caso. Ao fazer a apreciação liminar, a relatora no Tribunal Constitucional chegou à conclusão de que não se verificava um dos pressupostos de admissibilidade do recurso – o da prévia suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Na reclamação apresentada, a reclamante vem discordar desse entendimento, sustentando que deu cabal cumprimento ao disposto nesse preceito legal, e que alegou na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que, na Relação, não admitiu o recurso interposto para aquele tribunal, que a interpretação que foi feita da norma contida no artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no sentido de que ocorre uma dupla conforme quando o Tribunal da Relação aplica uma pena inferior à aplicada pelo Tribunal da 1.ª instância é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1 e artigo 20.º da Constituição.
Entende a reclamante que resulta do ponto 4 da reclamação para o Presidente do STJ, no seguimento do que aí se diz nos pontos 1 a 3, e ainda da reclamação tida como um todo, que se pretende imputar o vício de inconstitucionalidade a uma interpretação do artigo 400.º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal.
Não tem razão a reclamante.
O conteúdo dessa peça processual foi detalhadamente examinado pela decisão sumária ora reclamada. No que especificamente diz respeito ao seu ponto 4, entendeu-se que se não se podia considerar como “suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa” a afirmação que aí é feita, segunda a qual “[…] tal posição na situação em apreço […] viola, salvo melhor entendimento, o art. 32º nº 1 da CRP – a garantia do duplo grau de jurisdição quanto a decisões penais condenatórias e ainda quanto às decisões penais respeitantes à situação do arguido face à privação ou restrição da liberdade ou de quaisquer outros direitos fundamentais, nomeadamente, o direito fundamental de acesso ao direito e à justiça com tradução no art. 20º, da CRP”.
Por outro lado, como também se disse na decisão sumária, transcrevendo aquilo que é a jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional sobre a questão, “[a]o questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição”.
Ora, pretender como o faz a reclamante, que a questão de constitucionalidade resultaria da reclamação tida como um todo, equivale a reconhecer que não deu cabal cumprimento ao ónus de prévia suscitação da questão de constitucionalidade, tal como o mesmo tem vindo a ser concretizado pela jurisprudência deste Tribunal.
O modo como a recorrente, ora reclamante, identificou a questão de constitucionalidade no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional – e também agora na reclamação para a Conferência – corresponde justamente ao modo como havia de ter suscitado a questão na reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, só assim se podendo considerar cumprido o pressuposto de admissibilidade de recurso estabelecido no n.º 2 do artigo 72.º da LTC.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 26 de abril de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.