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Processo nº 769/96
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. X..., SA, com os sinais identificadores dos autos, veio reclamar para este Tribunal Constitucional do despacho do Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de 8 de Maio de 1996, que não lhe admitiu um recurso por ela interposto para o Tribunal Constitucional, pelas razões que se transcrevem e que de forma clara retratam o caso:
'A 'X..., SA', Reclamante nos termos do art. 688º do Cód. Proc. Civil, veio a fls. 153 dos autos recorrer do nosso despacho datado de 26.Junho.95 (a fls. 103 e 104), que decidiu aquela reclamação, dele veio recorrer para o Tribunal Constitucional. A ora Recorrente invocou para tanto o fundamento previsto na al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei
nº 28/82, de 15/9 e que a interpretação feita naquele nosso despacho do artº. 1º do Dec.-Lei nº 121/76, de 11/2, violava o disposto no art. 20º da Constituição da República Portuguesa. Na invocada al. b) prevê-se como fundamento do recurso para o Tribunal Constitucional a aplicação na decisão recorrida 'de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo', mas a ora Recorrente alega não ter tido 'oportunidade processual de suscitar a questão' em momento anterior. Mas, salvo o devido respeito, verifica-se que a interpretação feita no nosso despacho de fls. 103 e 104 corresponde, no essencial, à interpretação da norma do referido artº 1 do Dec.-Lei nº 121/76 feita no douto despacho de que a Ré, ora Recorrente, pretendeu recorrer (a fls. 70º e vº), pelo que bem podia ela ter suscitado a questão da inconstitucionalidade na reclamação, que foi decidida a fls. 103 e 104. E o certo é que a Ré, nessa reclamação, não suscitou a inconstitucionalidade da norma ou da sua interpretação. Desta forma, e ressalvado o devido respeito pela posição da Recorrente, entende-se que, in casu, não se verifica a condição de que despendia a verificação do fundamento de al. b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e, como tal, não admito o recurso interposto a fls. 153 para o Tribunal Constitucional.
Notifique-se.'
2. Na reclamação invoca a reclamante que 'é Ré nos autos que correm seus termos sob o nº 1613/94 na 1ª Secção do 10º Juízo Cível de Lisboa' e que, notificada de uma decisão proferida nesses autos, 'em 2/11/94, termo do prazo fixado pelos correios para levantar a respectiva carta, dele interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, através de requerimento que deu entrada na Secretaria daquele Juízo em 14.Nov.1994. A ora reclamante juntou então não só o sobrescrito da carta de notificação mas também fotocópia do respectivo aviso com a data em que a mesma carta foi levantada'.
E acrescenta:
'Tal requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 70 que o considerou extemporâneo já que entendeu a 1ª Instância, ao abrigo do disposto no nº 4 do artº 1º do Dec.-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, não pode ser considerado como não imputável à ora reclamante o facto de o funcionário dos CTT não ter podido entregar a carta. Desse despacho reclamou a também ora reclamante alegando em síntese que tendo sido procurada pelo funcionário dos CTT fora das horas de expediente não lhe pode ser imputável o facto de este não ter podido entregar a carta pois tam
bém não pode ela exigir do seu próprio empregado que permaneça nas usas instalações para além das horas de expediente. A essa reclamação foi negado provimento essencialmente, e para o que ao caso interessa, com fundamento numa interpretação restritiva do aludido nº 4 do artigo 1º do Dec.-Lei nº 121/ /76, de 11 de Fev. a saber a de que a presunção legal de recepção só pode ser ilidida através de requerimento, no processo de requisição aos correios de informação sobre a data dessa recepção.'
Sustenta depois a reclamante que não teve 'antes do requerimento de interposição de recurso para este Alto Tribunal, a oportunidade processual de suscitar a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 1º, nº 4 do Dec.-Lei nº 121/76 na interpretação que dela faz o não menos douto despacho de fls. 103 e
104', porque 'a reclamante não podia antecipar a interpretação que da mesma foi feita por aquele despacho'.
3. No seu visto, o Ministério Público opina que a 'presente reclamação é manifestamente improcedente, por não ser exacto o pressuposto em que a reclamante alicerça o seu raciocínio: efectivamente, a interpretação feita pela decisão recorrida da norma que constitui objecto do rejeitado recurso da constitucionalidade - longe de se poder considerar 'insólita'
ou 'imprevisível' - é o que corresponde ao entendimento de há muito pacífico sobre o funcionamento dos mecanismos de notificação judicial aos advogados - e que havia, aliás, sido naturalmente adoptada já no despacho proferido no tribunal de 1ª instância.
Teve, pois, a reclamante plena 'oportunidade processual' para sustentar, na reclamação que interpôs para o Exmº Presidente do Tribunal de Relação, a pretensa questão de inconstitucionalidade normativa que só tardiamente - após a prolação da decisão que dirimiu aquela reclamação - veio colocar.
Faltando, pois, de forma patente um essencial pressuposto de admissibilidade do tipo de recurso de constitucionalidade interposto, é evidente que nenhuma censura pode merecer o despacho que o rejeitou'.
4. Vistos os autos, cumpre decidir.
O despacho judicial que originariamente esteve na origem do presente caso - despacho do Mmº Juiz do 10º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, de 16 de Janeiro de 1995 - não admitiu um recurso de apelação então interposto pela reclamante, por extemporaneidade, e assentou na seguinte fundamentação:
'Nos termos do nº 3 do art. 1º do D.L. 121/76, de 11.2 todas as notificações se presumem fei
tas no terceiro dia posterior ao do registo. Conforme consta de fls. 31vº, a data do registo é de 24.10.94. Logo a recorrente poderia ter interposto recurso até ao dia 9/11, ou num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento da multa. Não colhe a invocação pela ré de que apenas em 2/11/94 foi notificada, data em que um empregado seu recebeu a correspondência. Como resulta do nº 4 do citado art. 1º do D.L. 121/76 torna-se necessário que a presunção estabelecida naquele princípio legal fosse ilidida por factos não imputáveis à recorrente. Ora não pode ser considerado como não imputável à recorrente o facto de o funcionário dos CTT não ter podido entregar a carta e ter deixado, como deixou, aviso para a notificada levantar a carta de notificação da decisão. Deste modo, não tendo a ré praticado o acto em tempo útil, nem o tendo feito nos três dias úteis mediante o pagamento da multa prevista no art. 145º, nº 6, do CPC - pagamento aliás que não seria abrangido pela eventual concessão do benefício de apoio judiciário - não admito o recurso interposto, por extemporaneidade'.
Dele veio a apresentar reclamação ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando a admissão desse
recurso de apelação, na base da aplicação do nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº
121/76, de 11 de Fevereiro, e chamando à colação o nº 3 do mesmo artigo 1º, mas não questionou minimamente, no plano da constitucionalidade, o sentido interpretativo com que tais normas teriam sido aplicadas no despacho de 16 de Janeiro de 1995, o qual firmou a decisão na presunção e na ilisão constantes de tais normas, e nem sequer indicou o sentido interpretativo que, em seu entender, estaria conforme à Constituição e que deveria ter sido adoptado.
Era, todavia, esse o momento oportuno e adequado para ser suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade, mesmo a questão ora posta pela reclamante, a da tal 'interpretação restritiva do aludido nº 4 do artigo 1º do Dec.-Lei nº 121/76, de 11 de Fev. a saber a de que a presunção legal de recepção só pode ser ilidida através de requerimento, no processo, de requisição aos correios de informação sobre a data dessa recepção', de acordo com a sua linguagem, e que seria desconforme à Constituição.
Não pode, pois, dizer-se, como quer a reclamante, que essa 'dimensão normativa', por ela questionada só no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, surpreendeu a reclamante e não teve, por isso,
'oportunidade processual de suscitar antes' tal questão.
Pelo contrário, como se viu, tinha a reclamante o ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade, como ela vem posta, no momento em que se posicionou perante o despacho que não lhe admitiu o recurso de apelação, por extemporaneidade, e no qual se considerou a aplicação do dito artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76, nele se baseando a decisão.
É, aliás, a própria reclamante a reconhecer que quando 'reclamou do despacho que indeferiu o requerimento de interposição da apelação, uma das razões de decisão do despacho de fls. 103 e 104 foi expressamente a interpretação então feita daquela norma' (a do nº 4 daquele artigo 1º), só que nessa reclamação não arguiu nenhuma questão de inconstitucionalidade, nomeadamente a que é agora colocada, limitando-se, no essencial, a sustentar que se preenche integralmente o estatuído no nº 4 do mencionado dispositivo legal (e daí que também não haja nenhuma pronúncia de inconstitucionalidade no despacho da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu tal reclamação).
Por tudo isto, não merece censura o despacho reclamado, que tem de ser confirmado.
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se a reclamante nas custas com a taxa de justi
ça que se fixa em dez unidades de conta. Lisboa 21 de Janeiro de 1997 Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento Fernando Alves Correia Luís Nunes de Almeida