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Procº nº 212/95.
2ª Secção.
Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. T...., fez instaurar no Tribunal de
comarca de Vila Franca de Xira e contra C... - na sequência de «providência de
injunção» dirigida a esta última sociedade na qual foi, pelo secretário
judicial, aposta a fórmula «Execute-se» - execução, seguindo a forma de processo
sumário, contra com vista a obter o pagamento coactivo da quantia de Esc.
28.870$00.
Conclusos os autos de execução ao Juiz do 1º Juízo Cível
do aludido tribunal de comarca, o mesmo, em 5 de Janeiro de 1995, proferiu
despacho do seguinte teor:-
'O DL nº 404/93 de 10 de Dezembro instituiu a figura da injunção,
pretendendo criar um novo processo, mais célere, destinado 'a conferir força
executiva ao requerimento destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações
pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não exceda metade do valor da
alçada do tribunal de 1ª instância' (art. 1º do referido diploma legal).
Este processo visa, de algum modo, substituir o processo declarativo
sumaríssimo, aliviando o juiz de pequenas causas, já que confere ao secretário
judicial competência para promover o andamento da injunção.
De facto, ao secretário judicial compete não admitir o pedido, se
considerar que o mes- mo não se adequa às finalidades constantes do art. 1º do
diploma (art.7º), ou dar-lhe seguimento, conferindo-lhe, em última análise,
força executiva (artºs 4º e 5º).
Ao secretário judicial compete, pois, apreciar a pretensão formulada,
proferindo sobre a mesma um juízo que, dado o seu carácter jurisdicional,
constituiu em termos materiais, um acto de administração da justiça.
Por outro lado, a aposição da fórmula executória, também constitui um
acto de carácter jurisdicional, na medida em que se está a assegurar a defesa de
interesses legalmente protegidos.
E não basta, para afirmar o carácter jurisdicional do acto, dizer-se
no preâmbulo do diploma que se trata de uma fase 'desjuris- dicionalizada'.
A administração da justiça cabe, em exclusivo, aos tribunais, através
dos juízes, nos termos do art. 205º da Constituição da República Portuguesa.
É, pois, manifesta a inconstitucionalidade material do DL nº 404/93
de 10 de Dezembro, na parte em que confere poderes ao secretário judicial para
dirigir o processo de injunção, por violação ao disposto no art. 205º da CRP.
Pelo exposto, declaro materialmente inconstitucional o referido
diploma legal, não se aplicando o mesmo por força do art. 207º da CRP,
declarando-se nulo todo o processado - arts 201º, nº 1 e 205º nº 2 do CPC.
Arquivem-se os autos.
.............................................. '
2. Do trancrito despacho recorreu para o Tribunal
Constitucional o magistrado do Ministério Público junto do referido tribunal de
comarca, aqui tendo apresentado alegação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto,
alegação na qual, propugnando pelo provimento do recurso, concluiu:-
'1º - A possibilidade, conferida ao secretário judicial pelo artigo
7º do Decreto- -Lei nº 404/93, de 10 de Dezembro, de recusar o pedido de
injunção quando este se não adeque às finalidades tipificadas no artigo 1º cons
tituiu simples decorrência de existir um evidente e ostensivo erro na forma de
processo escolhida pelo requerente, e não prolacção de qualquer decisão de
mérito, ainda que liminar, sobre a pretensão formulada.
2º - A aposição da fórmula executória, nos casos em que se consumou a
notificação por via postal do requerido e em que este não deduziu oposição, nos
termos do artigo 5º, em conjugação com os artigos 4º e 6º, nº 2, do mesmo
diploma legal, não representa a prolação de qualquer decisão de natureza
jurisdicional que traduza composição do eventual litígio que oponha o credor ao
devedor, mas tão somente a certificação por aquele funcionário judicial de que,
tendo-se consumado a notificação do pedido de injunção ao requerido e não tendo
sido deduzida por este oposição, se mostra constituído, nos termos da lei,
título execu tivo extrajudicial.
3º - Não traduzindo a referida aposição da fórmula executória a
prática de qualquer acto jurisdicional de composição do litígio, não envolve
qualquer preclusão relativamente aos meios de defesa que, em processo executivo,
ao executado é lícito opor ao exequente o qual seguirá necessariamente a forma
sumária (artigo 465º, nº 2, do Código de Processo Civil), iniciando-se com a
citação do executado e comportando a eventual dedução de embargos nos amplos
termos consentidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil.
4º - O regime constante do Decreto-Lei nº 404/93 não implica, deste
modo, violação do preceituado nos artigos 205º e 206º da Constituição da
República Portuguesa, já que não resulta conferida ao secretário judicial qual-
quer competência para proceder, à revelia do juiz, a uma composição do conflito
de interesses privados entre requerente e requerido no procedimento de injunção,
esgotando-se a actividade que lhe é consentida na mera certifica- ção de que se
mostra criado, nos termos da lei, título executivo extrajudicial.
5º - O mesmo regime em nada ofende o princípio do contraditório,
ínsito nos artigos 2º e 20º da Lei Fundamental, já que não preclude ao requerido
qualquer direito de defesa: na verdade, se este não foi notificado, ou deduziu
oposição, seguem-se os termos do processo declarativo sumaríssimo, que
naturalmente são idóneos para assegurar tal direito; a apo- sição da fórmula
executória em nada preclude a dedução de embargos de executado, nos amplos
termos permitidos pelo artigo 815º do Código de Processo Civil, já que
obviamente a execução a instaurar se não baseia em sentença.'
Cumpre decidir, dispensados que foram os «vistos» dos
Juízes da Secção tendo em conta o elevado número de processos - nos quais está
em análise a questão semelhante à de que tratam os presentes autos - que têm
sido distribuídos neste Tribunal, o que, consequentemente, leva a que desses
mesmos Juízes seja a mencionada questão já conhecida.
II
1. Refira-se, preliminarmente, que não é perfeitamente
entendível a decisão constante do despacho impugnado no ponto em que declarou
nulo o processado e determinou o arquivamento dos autos.
Na realidade, situamo-nos perante um processo executivo
seguindo a forma sumária que, após distribuição, foi concluso ao juiz. Se o seu
entendimento era o de que determinadas normas constantes do Decreto-Lei nº
404/93, de 10 de Dezembro, enfermavam de vício de inconstitucionalidade no ponto
em que permitem que, por via de uma actividade levada a efeito pelo secretário
judicial, seja conferida força executiva a uma pretensão, consubstanciada em
requerimento, destinada a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias
decorrentes de contrato cujo valor não exceda metade do valor da alçada do
tribunal de 1ª instância, então, na senda daquele entendimento, o que no
vertente processo se postava seria uma situação de propositura de uma execução
sem ter por base um título executivo, pelo que a respectiva petição seria inepta
[ cfr. artigos 45º, nº 1, 801º e 474º, nº 1, alínea a), todos do Código de
Processo Civil].
Uma segunda nota preliminar consiste em assinalar que
aos tribunais das várias ordens judiciárias não compete «declarar» a
inconstitucionalidade de quaisquer normas, e isso pela razão segundo a qual uma
tal função compete, e em exclusivo, ao Tribunal Constitucional. Àqueles órgãos
de administração de justiça, neste particular, cabe, e só, o dever de, '[n]os
feitos submetidos a julgamento', não aplicarem 'normas que infrinjam o disposto
na Constituição ou os princípios nela consignados' (artigo 207º da Lei
Fundamental).
Daí que, como é claro, hajam aqueles órgãos de formular
um juízo sobre a compatibilidade ou não compatibilidade das normas constantes do
ordenamento jurídico infra-constitucional como Diploma Básico, o que,
obviamente, não significa que, uma vez efectuado um juízo de não conformidade
constitucional, seja permitida a sua «declaração».
Isto posto, passar-se-á a curar da questão de
constitucionalidade colocada a este Tribunal.
2. Muito embora a decisão recorrida tivesse, in totum,
desaplicado o D.L. nº 404/93 (e isso não obstante no respectivo discurso se ter
referido que o vício descortinado nesse diploma se reportava à circunstância de
se atribuir ao secretário judicial competência 'para apreciar a pretensão
formulada proferindo sobre a mesma um juízo que, ... , constitui en termos
materiais um acto de administração de justiça') o que, verdadeiramente, se
deverá perspectivar como objecto do presente recurso serão as normas ínsitas nos
seus artigos 4º, 7º e 5º, justamente aquelas que comanda que o secretário
judicial determine a notificação do requerido da pretensão deduzida pelo
requerente da injunção, que possibilita ao secretário judicial recusar a
aposição da fórmula executória quando o pedido de injunção se não adequar às
finalidades para as quais a providência foi gizada e que determina que, não
havendo oposição ou, havendo-a, dela tenha desistido o requerido, o secretário
judicial aponha no requerimento de injunção a fórmula executória.
3. Com vista a permitir que 'o credor de uma prestação'
possa obter, por meio de uma 'forma célere e simplificada' e de forma
desburocratizada, 'um título executivo', que actuará como 'condição
indispensável ao cumprimento coercivo' dessa prestação, caso esse cumprimento
coercivo se traduza 'no cumprimento de uma obrigação pecuniária', concebeu o
legislador, por intermédio do Decreto-Lei nº 404/93, uma providência, que
designou de «injunção», mencionando desde logo no seu preâmbulo que era
atribuída ao secretário judicial do tribunal 'competência para proceder à
notificação do requerido e, na ausência de oposição, também para imediata
aposição da fórmula executória', advertindo que essa aposição não constituía,
'de modo algum, um acto jurisdicional', já que, 'indubitavelmente', não deixava
de permitir 'ao devedor defender-se em futura acção executiva, com a mesma
amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto
no artigo 815.º do Código de Processo Civil', sendo que, não obstante se tratar
'de uma fase desjurisdicionalizada', nem assim se mostravam 'diminuídas as
garantias das partes intervenientes no processo', uma vez que o respectivo
acautelamento era 'efectivamente, assegurado quer pela via da apresentação
obrigatória dos autos ao juiz quando se verifique oposição do devedor, quer pelo
reconhecimento do direito de reclamação no caso de recusa, por parte do
secretário judicial, da aposição da fórmula executória' (entre aspas, as
palavras do exórdio do citado diploma).
Nesse decreto-lei definiu-se, no artº 1º, a «injunção»
como sendo 'a providência destinada a conferir força executiva ao requerimento
destinado a obter o cumprimento efectivo de obrigações pecuniárias decorrentes
de contrato cujo valor não exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1ª
instância', consagrando-se que o respectivo pedido 'é apresentado na secretaria
do tribunal que seria competente para a acção declarativa com o mesmo objecto'
(artº 2º, nº 1), devendo ele conter exposição dos 'factos que fundamentam' a
pretensão, ser acompanhado pelos 'documentos comprovativos, se os houver' e
concluir 'pelo pedido da prestação a efectuar' (artº 3º).
Seguidamente, o diploma estatui, nos seus artigos 4º a
7º, do seguinte modo:-
Artigo 4.º
Notificação da injunção
Recebido o pedido, o secretário judicial do tribunal notifica o
requerido, por carta registada com aviso de recepção, remetendo cópia da
pretensão e dos documentos juntos, devendo indicar, de forma inteligível, o
objecto do pedido e demais elementos úteis à compreensão do mesmo, referindo,
ainda, expressamente, o último dia do prazo para a oposição.
Artigo 5º.
Aposição da fórmula executória
Na falta de oposição, ou em caso de desistência da mesma, o
secretário judicial apõe a seguinte fórmula executória no requerimento de
injunção: «Execute- -se».
Artigo 6º.
Oposição do requerido.
1 - O requerido pode opor-se à pre- tensão no prazo de sete dias a
contar da notificação.
2 - Sendo deduzida oposição, ou frustrando-se a notificação por via
postal, o secretário judicial do tribunal apresentará os autos à distribuição,
sendo conclusos ao juiz, o qual, se o estado do processo o permitir, designa-
rá, desde logo, o dia para julgamento, observando-se a tramitação estabelecida
para o processo sumaríssimo.
Artigo 7º.
Recusa da aposição da fórmula executória
e reclamação
A aposição da fórmula executória só poderá ser recusada quando o
pedido não se adeque às finalidades constantes do artigo 1º. e nas situações em
que à se- cretaria, nos termos da lei do processo, é lícito não receber a
petição, cabendo da recusa reclamação para o juiz presi- dente do tribunal ou do
respectivo juízo cível.
4. Segundo a decisão ora impugnada, as normas dos
artigos 7º, 4º e 5º, apontam no sentido de ao secretário judicial ser cometida
uma actividade que 'constitui em termos materiais, um acto de administração da
justiça', 'na medida em que se está a assegurar a defesa de interesses
legalmente protegidos'.
Será que colhe uma argumentação tal como a acolhida no
despacho sob censura?
Adianta o Tribunal desde já que não.
4.1. Teve já este órgão de fiscalização concentrada da
constitucionalidade, por várias vezes, oportunidade de se pronunciar sobre a
definição do que seja função jurisdicional comparativamente com aquilo que seja
a função administrativa, tendo por referência as disposições constantes dos
(hoje) números 1 e 2 do artigo 205º da Constituição. Fê-lo, verbi gratia, no
Acórdão nº 443/91 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 2 de Abril de
1992), relatado pelo agora relator, onde se sintetizou, após excurso sobre
várias posições doutrinárias tomadas em torno desta questão, que '[s]erá, pois,
na chamada de resolução de um conflito relativo a um caso concreto, resolução
essa cujo atingir decorre dos critérios constantes de normas jurídicas já
existentes (e, desta arte, tendo como fim específico a realização do direito e
da justiça), que residirá o punctum saliens caracterizador da função
jurisdicional que, assim, não almeja a prossecução e realização de um interesse
público diferente do da composição dos conflitos'.
Assente esta caracterização, seguir-se-á,
necessariamente, a análise consistente em saber se, de um lado, a prescrição
ínsita no artº 5º do D.L. nº 404/93 e, de outro, os casos de recusa de aposição
da fórmula executória estatuídos no artº 7º, traduzem o desenvolvimento ou o
exercício, por banda do secretário judicial, de uma função jurisdicional.
5. No tocante à primeira sub-questão, viu-se já que o
despacho sob censura entendeu que a aposição da fórmula executória tornava certa
a existência de uma obrigação e, assim, era uma tal actividade inserível na
função jurisdicional.
Não pode o Tribunal acompanhar um tal raciocínio.
Na verdade, bem vistas as coisas, aquele raciocínio tem,
de modo necessário, de ter como assente a consideração de que à existência de
uma obrigação subjaz um litígio actual e efectivo entre os respectivos sujeitos,
sendo, por isso, imperiosa a intervenção de um órgão jurisdicional que torne
certa tal existência.
Essa consideração, contudo, não tem razão de ser. E isto
pela simples razão de que o cumprimento de determinadas obrigações pode ser
obtido coactivamente sem que se exija uma sentença judicial que as torne
provadas, certas e exequíveis [cfr. alíneas b), c) e d) do artº 46º e artigos
50º, 51º e 1016º, nº 4, todos do Código de Processo Civil - a última destas
disposições tem, por alguma doutrina (cfr. Lebre de Freitas, A Acção Executiva,
51), sido considerada como contendo um título executivo 'judicial impróprio'], e
isto mesmo que não exista uma anterior actividade, desenvolvida por um oficial
público, revestido de fé pública, certificativa da assunção da prestação que se
deseja obtida ou da verdade da assinatura aposta no escrito titulante da
obrigação do devedor (cfr., v.g., nº 1 do aludido artº 51º, designadamente no
que concerne aos extractos de facturas, livranças e cheques e o referido nº 4 do
artº 1016º).
Ora, mesmo nos casos em que a nossa actual lei adjectiva
civil impõe o reconhecimento notarial da assinatura do devedor (citado nº 1 do
artº 51º), como forma de conferir exequibilidade ao escrito, nem daí resulta que
é atestado pelo oficial público a feitura de uma declaração do devedor
confessória da prestação da obrigação. E, nem por isso, deixa de ser conferido a
esse escrito força coactiva imediata, no sentido de dispensar a prolação de uma
decisão jurisdicional que torne certa e indiscutível a existência da obrigação.
Sendo assim, não se vislumbra como a intervenção, nos
sobreditos termos, do oficial público, tenha, de um ponto de vista substancial,
de ser perspectivada como algo de diferente da intervenção do secretário
judicial que, após comunicar a pretensão de reconhecimento da obrigação
apresentada pelo credor, e a ela se não tendo oposto o devedor, confere força de
título executivo ao 'escrito' consubstanciador do requerimento da «injunção»
como titulante de uma obrigação que, afinal, é apenas pecuniária e apresenta um
valor diminuto (metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância).
5.1. Como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na
sua alegação, com o ora sindicado diploma, o legislador, 'em vez de generalizar
e desformalizar as condições de exequibilidade dos documentos particulares,
optou pela criação de um processo pré- -judicial susceptível de culminar na
criação de um título executivo extrajudicial, na sequência de uma notificação
para pagamento, realizada sem intervenção do juiz, e desde que o pessoalmente
notificado não deduza oposição'.
Não se depara, na actividade do secretário judicial
consistente na aposição da fórmula executória, qualquer modo ou forma de
composição ou resolução de um conflito ou litígio entre credor (requerente da
«injunção») e devedor (requerido nessa providência) por recurso a critérios
constantes de normas jurídicas já existentes, tendo por finalidade alcançar a
paz jurídica e sendo iluminado pelo desiderato de realização da justiça.
Aliás, como bem ressalta das prescrições do D.L. nº
404//93, sempre o requerido/devedor poderá opor-se a que à invocada obrigação
seja conferida exequibilidade, se entender que ela inexiste ou não é certa,
oposição essa que, ao fim e ao resto, em pouco ou mesmo nada difere daqueloutra
que, no processo declarativo utilizável para esse fim, é gizada no diploma
adjectivo civil. E, mesmo nos casos em que é aposta a fórmula executória na
providência de injunção, nem por isso também lhe fica vedada a possibilidade de
se opor à futura acção executiva baseada naquele título, de harmonia com as
disposições do artº 815º do Código de Processo Civil (onde releva a
possibilidade de lançar mão dos fundamentos de oposição que ao executado seria
lícito deduzir como defesa no processo declarativo como modo de, livremente,
impugnar a existência e exigibilidade da obrigação), razão pela qual, logo por
aqui, se há-de concluir não impedir a normação em apreço, quer a efectivação dos
meios de defesa, quer o asseguramento do princípio do contraditório que, mesmo
em processo civil, deflui dos artigos 2º e 20º do Diploma Básico.
Isto revela, em consequência, que inexiste, na função
cometida ao secretário judicial, um qualquer desejo de composição de conflitos
de interesses entre terceiros, antes lhe sendo, simplesmente, confiada a missão
de criar um novo título executivo extrajudicial.
5.2. Adianta o despacho sub specie, como se referiu já,
que a possibilidade conferida ao secretário judicial de recusar a aposição da
fórmula executória ou ao determinar esta, conduz a que aquele funcionário emita
sobre a pretensão 'um juízo que, dado o seu carácter jurisdicional, constitui em
termos meteriais, um acto de administração de justiça'.
Neste ponto, e contrariamente ao que parece defluir
daquele despacho, impõe-se desde logo sublinhar que, como resulta da
caracterização da função jurisdicional acima sintetizada, a resolução de uma
questão de direito não é algo que, só por si, seja bastante para essa
caracterização.
Na verdade, também na função administrativa se impõe,
muitas vezes, a resolução de questões jurídicas, ou o desenvolvimento de
actividades tendentes a tornar certo o direito ou o facto. Ponto é que o
objectivo dessa actividade não seja o de almejar a paz jurídica decorrente dessa
resolução (cfr. Afonso Queiró, in A Função Administrativa, Revista de Direito e
Estudos Sociais, 24º ano, 31), mas sim que a questão de direito seja 'orientada
por uma perspectiva de interesse público, justamente o interesse público
específico ou particular acolhido na norma e nela incorporado e não,
decisivamente, o interesse público geral ou interesse colectivo primário' (cfr.
Rogério Soares, Interesse Público, Legalidade e Mérito, 101 e segs.).
Mas, seja como fôr, o que é certo é que a aposição ou a
recusa de aposição da fórmula executória por banda do secretário judicial não
visa a resolução de uma questão de direito iluminada pelo intúito de compor
determinado litígio.
De facto, no caso de recusa não pode repousar a mesma em
qualquer consideração de uma manifesta improcedência da pretensão. Antes, e pelo
contrário, ela só é permitida se a requerida providência de injunção não versar
uma obrigação pecuniária decorrente de contrato e exceder metade do valor da
alçada do tribunal de 1ª instância, bem como nos casos a que se reporta, por
exemplo, o nº 3 do artº 467º do Código de Processo Civil. Vale isto por dizer
que os casos em que o diploma sub iudicio permite a recusa da aposição da
fórmula executória se resumem aos de mera constatação da manifesta
irregularidade formal ou, se se quiser, procedimental, do requerimento da
providência, nada tendo, por isso, que ver com possíveis vícios de natureza
substantiva que podem afectar a pretensão do requerente e, que, por se
projectarem nos seus interesses, poderiam ser passíveis de ser perspectivados
como carentes de intervenção jurisdicional.
A isto é de aditar que, de todo o modo, sempre ao
requerente é facultada a reclamação para o juiz da recusa de aposição da fórmula
executória derivada da consideração de, no caso, se estar perante
irregularidades formais, o que significa, ao fim e ao resto, que àquela entidade
cabe, neste particular, a última palavra.
Daí que se não possa antever, neste campo, violação dos
números 1 e 2 do artigo 205º da Constituição.
E, como é claro, idêntico raciocínio é de aplicar nas
situações de aposição da fórmula executória, como decorre do que acima ficou
explanado.
III
Neste contexto, concede-se provimento ao recurso, assim
se determinando a revogação do despacho sindicado, a fim de o mesmo ser
reformado em consonância com o presente juízo sobre a questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 27 de Junho de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
José de sousa e Brito
Guilherme da Fonseca
Luis Nunes de Almeida