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Procº 184/90 Rel. Cons. Alves Correia
(Mário de Brito)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I- Relatório.
1. A. propôs, em 14 de Maio de 1986, no Tribunal Judicial da Comarca de Cascais uma acção especial de despejo contra B. para denúncia do contrato de arrendamento para habitação, celebrado em 1 de Agosto de 1975, entre o pai do autor, como senhorio, e a ré, como arrendatária, relativo ao 1º andar do prédio sito na Rua -------------------, nº -----------,
---------------, com fundamento nos artigos 1096º, nº 1, alínea a), e 1098º do Código Civil (denúncia de contrato para habitação do senhorio).
A acção foi julgada improcedente, por sentença de 6 de Janeiro de 1988.
2. Desta sentença apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo este, por Acórdão de 30 de Maio de 1989, concedido provimento ao recurso, 'declarando denunciado o contrato para o termo da última renovação, ou seja, para 31 de Julho do corrente ano (1989), não se operando, todavia, o despejo, enquanto não decorrerem três meses sobre o trânsito em julgado deste acórdão, e enquanto não se mostre paga à recorrida a indemnização a que alude o nº1 do artigo 1099º do Código Civil'.
3. Notificada a apelada do referido acórdão, veio ela dizer que este se achava 'redigido de forma ininteligível', não tendo sido capaz de decifrar a letra do Mmº Desembargador Relator, 'apesar dos esforços realizados', pelo que requeria que aquele se dignasse 'mandar dactilografar o acórdão referido e remeter ao signatário cópia dactilografada do mesmo'.
O requerimento foi, no entanto, indeferido, por despacho do Desembargador Relator, de 21 de Junho de 1989. Aduziu, para tanto, a seguinte fundamentação:
'Na primeira instância exercemos a judicatura durante cerca de vinte anos; e Na segunda instância, vai para nove anos - tomámos posse do cargo de juiz da Relação de Évora em 15 de Junho de l980 - que exercemos idênticas funções. Pois não mais de dez vezes - tantos são os dedos de ambas as mãos - nos foi solicitada a cópia de acórdãos por nós manuscritos. Isto significa que a nossa caligrafia é perfeitamente legível, não podendo encontrar-se outra explicação para este requerimento, como para aqueles outros em percentagem tão insignificante, senão em razões que se situam em plano de expediente dilatório'.
4. Daquele despacho reclamou a apelante para a conferência, a fim de que sobre a sua pretensão fosse proferido acórdão da Relação, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 700º do Código de Processo Civil, suscitando no requerimento da reclamação a inconstitucionalidade da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, na interpretação perfilhada pelo Desembargador Relator, por violação do artigo 20º da Constituição.
Nele disse, inter alia:
'O indeferimento do requerimento antecedente... corresponde a interpretação da norma do art. 259º do Cód. de Processo Civil que constitui flagrante violação do disposto no art. 20º da Const.. É que o preceito do art. 259º citado visa, fundamentalmente, a protecção dos notificados e assegurar-lhes a defesa dos seus direitos, os quais admite poderem ser ameaçados através do envio de 'cópias ou fotocópias' não legíveis das decisões e dos fundamentos respectivos.
A 'ratio' daquele comando legal não se compadece, pois, com a tese segundo a qual a interpretação do mesmo fica ao cuidado exclusivo do autor dos actos cuja ininteligibilidade é arguida pelos visados.
Se é esse, porventura, o entendimento do Mmº Desembargador Relator, então a norma do art.259º do Cód. de Processo Civil, tal como ele a entende, é manifestamente inconstitucional'.
Mas, por Acórdão de 11 de Outubro de
1989, o Tribunal da Relação de Lisboa manteve o despacho reclamado. Limitou-se, para tanto, a remeter para os fundamentos do despacho reclamado, sem se pronunciar sobre a invocada inconstitucionalidade.
5. Daquele aresto interpôs, então, a ré recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na inconstitucionalidade da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
O recurso não foi, porém, admitido pelo Desembargador Relator, por despacho de 30 de Outubro de 1989, com o fundamento de que com ele 'visou-se, tão-somente, utilizar um expediente dilatório, tendente a protelar a execução do julgado'.
6. Do despacho que não admitiu o recurso reclamou a ré para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, tendo aquele, pelo Acórdão nº
109/90, de 18 de Abril, decidido atender a reclamação, revogando, em consequência, o despacho de indeferimento do recurso e ordenando que fosse proferido novo despacho a admiti-lo.
Em cumprimento deste aresto, foi o recurso admitido, por despacho de 21 de Maio de 1990.
7. A recorrente conclui as alegações produzidas neste Tribunal, dizendo que 'a norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, tal como o Mmº Desembargador Relator em causa a entende e foi aplicada ao caso dos autos mediante o acórdão recorrido, viola frontalmente o disposto no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa'.
8. Corridos os vistos legais e operada a mudança de relator por vencimento, cumpre apreciar e decidir a questão de saber se a norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, com sentido que lhe foi atribuído pelo acórdão recorrido, é (ou não) inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição.
II- Fundamentos.
9. Na análise da questão de constitucionalidade com que este Tribunal se defronta, começar-se-á por uma demarcação, tanto quanto possível rigorosa, do sentido extraído da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil pelo acórdão recorrido - o qual, como se disse, confirmou o despacho do Desembargador Relator, de 21 de Junho de 1989,e assumiu per relationem, os fundamentos deste; de seguida, confrontar-se-á a aludida norma, na interpretação que lhe foi dada naqueles actos jurisdicionais, com o artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental; por fim, indicar-se-á a interpretaqção correcta, sob o ponto de vista constitucional, da norma do artigo
259º do Código de Processo Civil.
10. O artigo 259º do Código de Processo Civil, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 242/85, de 9 de Julho, dispõe o seguinte:
'Quando se notifiquem despachos, sentenças ou acórdãos, deve enviar-se ou entregar-se ao notificado cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos'.
Como ressalta dos autos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 30 de Maio de 1989, foi manuscrito pelo punho do Desembargador Relator, tendo a notificação dirigida ao mandatário da recorrente sido acompanhada de fotocópia daquele aresto.
Recebida a notificação, veio a recorrente dizer que o aresto se achava 'redigido de forma ininteligível' e que não tinha sido capaz de 'decifrar a letra' do Desembargador Relator, pelo que solicitava que lhe fosse remetida cópia dactilografada do mesmo. Para a recorrente, aquele acórdão era ilegível, não porque a fotocópia do texto manuscrito revelasse graves imperfeições técnicas, mas antes porque a caligrafia do Relator era para si indecifrável.
Subjacente a uma tal atitude da recorrente está uma determinada interpretação da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil: a de que cabe ao destinatário da notificação a decisão sobre a legibilidade ou ilegibilidade da cópia ou fotocópia dos despachos, sentenças ou acórdãos e há-de ser ele o dono do critério da definição daqueles atributos. A este entendimento da norma se chega, segundo a recorrente, através da ratio do dever que impende sobre o tribunal de envio ou entrega ao notificado de cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos dos despachos, sentenças ou acórdãos, a qual não pode deixar de ser a 'necessidade de assegurar a todos o conhecimento das decisões que lhes digam respeito e, por essa via, o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos'.
A esta interpretação contrapôs o Desembargador Relator uma outra, no seu despacho de 20 de Junho de 1989 - a qual viria a ser assumida pelo acórdão aqui sub judicio (o Acórdão de 11 de Outubro de 1989): a de que cabe ao juiz avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade dos seus manuscritos.
É certo que o Desembargador Relator, naquele seu despacho, não foi ao ponto de defender que lhe competia a definição do critério da legibilidade da sua letra. Não disse que a sua caligrafia 'é perfeitamente legível', porque, para si, é fácil de ler. Baseou-se, antes, para qualificar a sua letra como 'perfeitamente legível', no critério da normalidade: normalmente, ou em regra, os sujeitos notificados de despachos, sentenças ou acórdãos por ele manuscritos não solicitam cópias dactilografadas dos mesmos. Esses pedidos têm sido excepcionais: em cerca de trinta anos de exercício de funções jurisdicionais, não mais do que dez vezes lhe foi solicitada cópia dactilografada de sentenças ou acórdãos por si manuscritos.
Mas, em todo o caso, a decisão recorrida é clara quanto ao acolhimento de uma interpretação da mencionada norma do Código de Processo Civil, consistente em atribuir ao juiz, e não ao notificado, o poder de avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade dos textos por si manuscritos.
Delimitada do modo que vem de expor-se a interpretação dada à norma do artigo 259º do Código de Processo Civil pelo acórdão recorrido, é altura de perguntar: aquela norma, interpretada com o sentido de que a decisão sobre a legibilidade ou ilegibilidade - e não necessariamente a definição do critério em que ela se alicerça - da cópia ou fotocópia da decisão e dos fundamentos dos despachos, sentenças ou acórdãos, que deve ser enviada ou entregue ao sujeito notificado, compete ao próprio autor ou relator de tais actos, é inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição?
Adiantaremos, desde já, que sim. Vejamos porquê.
11. O artigo 20º, nº 1, da Constituição estabelece que 'a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos'.
Consagra este preceito dois direitos fundamentais distintos, embora estreitamente conexos: o direito de acesso ao direito e o direito de acesso aos tribunais.
O primeiro é, sem dúvida, mais amplo do que o segundo, já que engloba também o direito à informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário (cfr. o nº2 do artigo 20º da Lei Fundamental) e apresenta-se, frequentes vezes, como um pressuposto do segundo: o recurso a um tribunal com a finalidade de obter dele uma decisão jurídica sobre uma questão juridicamente relevante (direito de acesso aos tribunais ou direito à protecção jurídica através dos tribunais) pressupõe logicamente um correcto conhecimento dos direitos e deveres por parte dos seus titulares (direito de acesso ao direito). Cfr., neste sentido, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p.
180.
O direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional, condensado no artigo 20º, nº 1, da Lei Fundamental, implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva. Ele desdobra-se, por isso, em três momentos distintos: primeiro, no direito de acesso a 'tribunais' para defesa de um direito ou de um interesse legítimo, isto é, um direito de acesso à 'Justiça', a órgãos jurisdicionais, ou, o que é mesmo, a órgãos independentes e imparciais ( artigo
206º da Constituição) e cujos titulares gozam das prerrogativas da inamobilidade e da irresponsabilidade pelas suas decisões (artigo 218º, nºs 1 e 2, da Lei Fundamental); segundo, uma vez concretizado o acesso a um tribunal, no direito de obter uma solução num prazo razoável; terceiro, uma vez ditada a sentença, no direito à execução das decisões dos tribunais ou no direito à efectividade das sentenças (cfr.J. J.Gomes Canotilho, Direito Constitucional,5ªed., Coimbra, Almedina, 1991, p.666-668 ; J. González Pérez, El Derecho a la Tutela Jurisdiccional, Barcelona, Civitas, 1984, p. 40 ss.; A Cano Mata, Declaraciones de Inadmision de Recursos Contencioso-Administrativos y Derecho de Tutela Judicial Efectiva sin Indefension, in Revista de Derecho Publico, Ano XIII, Vol II, p. 293 ss.).
Na linha do exposto, o Acórdão deste Tribunal nº 86/88 (publicado no Diário da República, II Série, nº 93, de
22-08-1988) caracterizou o direito de acesso aos tribunais como sendo, 'entre o mais, um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder 'deduzir as suas razões
(de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras'(cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, Coimbra, 1956, p. 364).
Definido, assim, em termos genéricos, o conteúdo do direito fundamental de acesso aos tribunais, é manifesto que nele vai implicado, já que constitui um seu corolário, o direito que assiste às partes de um processo judicial de conhecerem efectivamente as decisões que lhes digam respeito. A norma do artigo 259º do Código de Processo Civil constitui precisamente uma concretização desse direito, ao estatuir que ao notificado deve ser enviada ou entregue cópia ou fotocópia legível das decisões judiciais e dos respectivos fundamentos.
Mas este preceito legal só não será uma concretização constitucionalmente claudicante do direito à informação efectiva das partes sobre o conteúdo dos despachos, sentenças e acórdãos - o qual constitui, como se disse atrás, uma das dimensões do direito de acesso aos tribunais, consagrado no nº 1 do artigo 20º da Constituição - se ele for interpretado como impondo aos tribunais um dever de enviar ou de entregar às partes cópias ou fotocópias facilmente legíveis das decisões jurisdicionais - legibilidade essa que há-de ser avaliada na óptica ou na perspectiva daquelas.
A colocação da definição do critério da legibilidade da cópia ou fotocópia das decisões judiciais nas mãos dos seus destinatários, e não nas do juiz, é algo que facilmente se compreende, se se atentar no sentido teleológico da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, que é o de garantir que as decisões judiciais sejam efectivamente conhecidas pelas pessoas a quem elas digam respeito.
Acresce que esta interpretação da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil encontra paralelo no disposto no artigo 541º, nº 1, do mesmo Código, respeitante ao oferecimento de documentos pelas partes, onde se determina que 'se a letra do documento for de difícil leitura, a parte é obrigada a apresentar uma cópia legível'.
Ora, se o juiz pode exigir às partes o fornecimento de uma cópia legível de um documento por si apresentado, se a letra do documento for dificilmente decifrável, também àqueles deve ser reconhecido o direito de exigir o envio ou a entrega de uma cópia dactilografada de um despacho, sentença ou acórdão, no caso de a letra manuscrita ser ilegível ou de difícil leitura.
O artigo 541º, nº1, do Código de Processo Civil permite, assim, fazer luz sobre a correcta interpretação, sob o ponto de vista jurídico - constitucional, do artigo 259º do mesmo Código, surgindo como 'afloramento de um princípio geral aplicável a todas as peças processuais carecidas de leitura pelas partes ou pelo juiz (cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Julho de 1981,cujo Sumário pode ser consultado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 314, p. 362).
A aludida norma, interpretada à luz do artigo 20º, nº1, da Constituição, deve ser, pois, entendida como conferindo aos sujeitos a quem são notificadas decisões judiciais o direito de exigir o envio ou a entrega de cópias dactilografadas, quando, justificadamente, entenderem que os despachos, sentenças ou acórdãos manuscritos são ilegíveis ou de difícil leitura, ou de fotocópias perceptíveis, quando a ilegibilidade do texto tiver como causa a imperfeição técnica daquelas.
Este entendimento não se afasta do que foi adoptado pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Outubro de
1979 (cfr. Boletim do Ministério da Justiça, nº 290, p. 300-303), onde se proclamou que 'as partes têm direito, tal como os juízes (Código de Processo Civil, artigo 541º), a que lhes dêem cópias legíveis das decisões proferidas, quando elas, porventura, ofereçam sérias dificuldades de leitura'.
Saliente-se que o reconhecimento às partes do direito de reclamar o envio ou a entrega de uma cópia dactilografada de um despacho, sentença ou acórdão não está dependente da circunstância de a letra do manuscrito ser totalmente ilegível, dado que, por muito difícil que seja a compreensão de uma caligrafia, não há textos manuscritos de decisões judiciais que sejam, por si mesmos, absolutamente indecifráveis por um profissional do foro. Bastará apenas que a letra do autor da decisão judicial
'ofereça sérias dificuldades de leitura' a um destinatário normal e comummente diligente, em termos de a interpretação do manuscrito lhe exigir um esforço desproporcionado ou um dispêndio de tempo significativo.
O exposto anteriormente legitima, por isso, a conclusão de que o acórdão sub judicio, ao interpretar a norma do artigo
259º do Código de Processo Civil como atribuindo ao juiz competência para avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade dos seus manuscritos, extraiu dela um sentido claramente inconstitucional.
12. A interpretação constitucionalmente adequada a que se chegou no número anterior da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil - a qual consiste em que as partes têm o direito de exigir que lhes sejam enviadas ou entregues cópias dactilografadas dos despachos, sentenças ou acórdãos, sempre que, com fundamento sério, entendam que os manuscritos são ilegíveis, ou de difícil leitura, ou fotocópias perceptíveis, quando a ilegibilidade do texto (manuscrito ou dactilografado) tiver como causa a imperfeição técnica daquelas, afastando, desse modo, os obstáculos que impeçam um conhecimento rigoroso do conteúdo das decisões judiciais que lhes digam respeito - pode ser confrontada com uma objecção do seguinte teor: com ela, poderá estar a colocar-se à disposição das partes um instrumento dilatório ou um instrumento de chicana, de que elas poderão lançar mão como meio de obstar ao andamento regular da causa ou de introduzir nela incidentes indesejáveis. Poder-se-á, com efeito, dizer que o reconhecimento daquele direito - concebido como uma das manifestações do direito de acesso aos tribunais - dificultará a existência de uma 'justiça temporalmente adequada', a qual constitui, como vimos, o segundo momento daquele direito fundamental, que o artigo 20º, nº1, da Constituição consagra.
Mas àquela objecção poder-se-ão contrapor alguns argumentos.
Em primeiro lugar, não se vê como o pronto envio ou entrega pelo tribunal ao notificado de uma cópia dactilografada de uma decisão judicial, em substituição da anterior manuscrita, considerada por aquele ilegível ou de difícil leitura, ou de uma nova fotocópia, se a ilegibilidade se dever à imperfeição técnica da anterior, possa contribuir para um aumento substancial do tempo dispendido na resolução dos processos ou para a acentuação do fenómeno da 'justiça tardia'. Pelo contrário, será, muitas vezes, o indeferimento pelo juiz do pedido de envio ou entrega de uma cópia dactilografada de uma decisão judicial arguida de ilegível, com fundamento em que aquele constitui um expediente dilatório, que fomentará o protelamento da resolução dos processos, como atesta o exemplo dos autos, pela possibilidade que normalmente se abre ao requerente de reclamar ou de recorrer do despacho de indeferimento.
Poderá mesmo entender-se, na esteira do Acórdão da Relação de Lisboa, de 7 de Julho de 1981 (cfr. o respectivo sumário no Boletim do Ministério da Justiça, nº 314, p. 362), que, mesmo quando ao Tribunal se levantarem verosímeis suspeitas de que o pedido de cópia dactilografada de um despacho arguido de ilegível constitui expediente dilatório, deverá ele deferir imediatamente o requerido, dando cumprimento ao princípio expresso no artigo 266º do Código de Processo Civil, nos termos do qual 'cumpre ao juiz remover os obstáculos que se oponham ao andamento regular da causa, quer recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, quer ordenando o que .... se mostre necessário para o seguimento do processo', dado que, como salienta aquele aresto, indeferir aquele pedido significará fazer o jogo da dilação.
Em segundo lugar, o envio ou a entrega, em todas as situações, aos notificados dos textos dos despachos, sentenças ou acórdãos, em versão dactilografada, ou com tratamento informático - solução facilmente alcançável com o apetrechamento (que vem sendo feito nos últimos anos) dos tribunais com meios humanos e materiais adequados -, eliminará, ab initio, grande parte dos requerimentos de repetição de notificações com fundamento na ilegibilidade ou na dificuldade de leitura dos manuscritos de decisões judiciais.
Em terceiro lugar, o sentido que vem de extrair-se da norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, em conformidade com o disposto no artigo 20º, nº1, da Constituição, não obstará a que o juiz possa, em casos pontuais, - e decerto excepcionais - indeferir o requerimento de envio ou entrega de nova cópia ou fotocópia de uma decisão judicial quando for patente ou manifesta a perceptibilidade ou legibilidade da anterior (e isto aplicar-se-á sobretudo aos casos de despachos judiciais de muito reduzida dimensão) e não se lhe oferecer quaisquer dúvidas de que a parte apenas pretendeu com aquele a utilização de um expediente meramente dilatório ou o recurso a um instrumento de chicana.
O antecedentemente exposto impele-nos, por isso, a concluir que a norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, é inconstitucional, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição.
III - Decisão.
13. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional a norma do artigo 259º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada pelo Acórdão recorrido, ou seja, a de que cabe ao juiz avaliar e decidir sobre a legibilidade ou ilegibilidade das cópias ou fotocópias dos textos de despachos, sentenças ou acórdãos por si manuscritos, enviadas ou entregues às partes juntamente com a notificação, por violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição;
b) Consequentemente, conceder provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido, que deve ser reformado, de acordo com o aqui decidido sobre a questão de constitucionalidade.
Lisboa, 20 de Novembro de 1991
Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Mário de Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta) José Manuel Cardoso da Costa