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Processo n.º 906/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que são recorrentes A. e B. e recorridos a C., S.A., D., S.A., E., S.A., F., S.A., G., S.A., H., S.A., I., S.A. e J. PLC, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 21 de março de 2011.
2. Pela Decisão Sumária n.º 39/2012 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Segundo o disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, a decisão que admita o recurso não vincula o Tribunal Constitucional.
Estipula o artigo 75º, n.º 1, da LTC, que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias. Por sua vez, dispõe o n.º 2 do artigo 75º do mesmo diploma que, interposto recurso ordinário que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a decisão que não admite recurso.
O recurso de constitucionalidade foi interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21 de março de 2011 em 15 de novembro de 2011, sendo certo que a decisão que não admitiu o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça transitou em julgado em 11 de outubro de 2011. É, por isso, manifesto que o presente recurso foi interposto fora do prazo legalmente previsto. Tal obsta ao conhecimento do objeto do recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»
3. Notificados desta decisão, os recorrentes vêm, nos termos do artigo 669.º, n.º 1, do Código de Processo Civil requerer a aclaração do despacho de 25 de janeiro de 2012, nos seguintes termos:
«1 – O recurso apresentado pelos recorrentes foi indeferido por se ter considerado ter a decisão final do processo transitado em julgado em 2011/10/11.
2 – Como resulta dos autos, em 2011/11/07 foi proferido despacho pelo Mmo. Juiz em funções no Tribunal de 1ª Instancia.
3- Foi desta decisão que os recorrentes interpuseram recurso para este Tribunal.
4 – Este recurso foi apresentado em 2011/11/15, por conseguinte, antes de decorrido o prazo do trânsito em julgado da decisão.
5 – O Mmo. Juiz do Tribunal de 1ª Instancia entendeu por bem não se pronunciar sobre o requerimento de recurso apresentado pelos requerentes e determinou a remessa do processo para o Tribunal da Relação do Porto para se pronunciar sobre a admissão do recurso.
6 – Este despacho foi proferido em 2011/11/17 e também transitou em julgado.
7 – Recebido o processo no Tribunal da Relação do Porto, a Exma. Senhora Juíza Desembargadora Relatora proferiu despacho de admissão do recurso e determinou a remessa do processo a este Tribunal para apresentação das alegações, em conformidade com o disposto no artigo 79º da LTC.
8 – Este despacho foi proferido em 2011/12/15.
9 – Dele poderia ter sido interposto recurso por qualquer dos requeridos, mas ninguém o fez, pelo que o despacho proferido pela Exma. Senhora Juíza Desembargadora Relatora que admitiu o recurso e determinou a remessa do processo a este Tribunal para apresentação das alegações, transitou em julgado.
10 - A decisão ao ter transitado em julgado tornou-se obrigatória dentro deste processo, não podendo já ser alterada, quer na nesta instância, quer em qualquer outra.
Todos estamos obrigados a respeitar essa decisão.
11 – Formou-se caso julgado formal.
Isto Posto:
12 - A exceção de caso julgado tem lugar quando se repete uma causa depois de a primeira ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, tendo por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior – artigo 497º CPC.
(…)
25 - No caso em análise, o processo baixou à primeira instância e o Sr. Juiz mandou notificar os requerentes e os requeridos desse facto e do prosseguimento do processo. E fê-lo porque entendeu que o processo deveria prosseguir.
26 - Proferiu, assim, um juízo sobre a relação jurídico processual.
27 – Interposto recurso pelos requerentes, pelo Sr. Juiz foi novamente proferido despacho sobre esse recurso, determinando a remessa do processo ao Tribunal da Relação do Porto para a sua admissão (e poderia ter sido rejeitado).
28 – No Tribunal da Relação do Porto recebido o processo foi proferido despacho a admitir o recurso (e poderia mais uma vez o recurso ter sido rejeitado).
29 - Formulado o referido juízo, devidamente fundamentado - o que não está em causa, mas faz aumentar a compreensão da matéria decidida -, a pessoa que a proferiu ou outra que a substituísse não o poderia alterar;
30 - ou seja, dito que o recurso para o Tribunal Constitucional era admitido, não se poderia, mais tarde, vir dizer o contrário ou, sequer, diferente (artigo 666º, nº 1, do CPC): mal ou bem já foi julgada uma vez a questão, “Judex ... semel enim male seu bene officio functus est.” (Prof. Castro Mendes, obra citada, pág. 294)
31 – Sendo a decisão do Tribunal da Relação uma decisão recorrível, poderiam os requeridos - partes potencialmente prejudicadas com a ordem dada -, pô-la em causa, contrariá-la, recorrendo e defendendo que o recurso não era admissível. Se o fizessem, a decisão não se consolidava, não transitava em julgado, pelo que poderia ser modificada.
32 - Não o tendo feito, a decisão transitou em julgado, ou seja, tornou-se obrigatória dentro deste processo, não podendo já ser alterada, quer na primeira instância, quer em qualquer outra. Todos estamos obrigados a respeitar essa decisão, a respeitar o que foi decidido sobre a admissibilidade do recurso.
Termos em que se requer seja emitido despacho a aclarar o despacho proferido em 2012/01/25, considerando-se o referido despacho como complemento e parte integrante do primitivo despacho.
Acaso se considere não ser admissível o pedido de aclaração apresentado pelos requerentes, por se considerar não ter aplicabilidade o regime previsto no artigo 669º, nº 1 do CPC, requer-se seja o presente pedido autuado como reclamação do despacho que não admitiu o recurso para a conferência a que se referem os nº 3 e 4 do artigo 78º-A da LTC, para o que os requerentes se prontificam a proceder às alterações que se entendam necessárias para esse fim.»
4. Notificados, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
1. Das disposições conjugadas dos artigos 669.º, n.º 1, alínea a), e 716.º do Código de Processo Civil e 69.º da LTC resulta que os recorrentes podem pedir o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que a decisão sumária contenha.
Não obstante fazerem um pedido de aclaração, os reclamantes acabam por não imputar à decisão sumária qualquer vício de obscuridade ou ambiguidade Do requerimento em apreciação decorre, isso sim, que discordam do já decidido quanto ao conhecimento do objeto do recuso interposto, o que configura uma reclamação e como tal deve ser tratado (78.º-A, n.º 3, da LTC).
2. A decisão de não tomar conhecimento do presente recurso fundou-se na circunstância de o mesmo ter sido interposto fora do prazo legalmente previsto (artigo 75.º, n.ºs 1 e 2, da LTC).
Para contrariar tal fundamento, os reclamantes começam por afirmar que interpuseram o recurso de constitucionalidade do despacho do tribunal de 1ª instância, proferido em 7 de novembro de 2011. É manifesto que esta argumentação não procede. No requerimento de interposição do recurso então apresentado pelos recorrentes lê-se que vêm “interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto, que não julgou da inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade fixado no artigo 13.º, n.º 1 da CRP das normas dos artigos 249.º e 250.º do CIRE».
Os reclamantes argumentam, ainda, que o despacho do Tribunal da Relação de Coimbra de 15 de dezembro de 2011, o que admitiu o recurso de constitucionalidade, transitou em julgado, pelo que se tornou obrigatório dentro do processo, não podendo já ser alterado em qualquer instância. Esta argumentação é claramente improcedente, face ao teor do artigo 76.º, n.º 3, da LTC, onde se dispõe que a decisão que admita o recurso não vincula o Tribunal Constitucional.
Em face de tudo o que ficou dito, não se vislumbra razão bastante para inverter o juízo firmado na decisão sumária reclamada, que assim deve ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 6 de março de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.