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Procº nº 498/96.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
I
1. Por despacho lavrado em 5 de Maio de 1995 pelo Presidente do Conselho Directivo do Serviço Sub-Regional de Setúbal do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo, baseado no disposto nos artigos 8º, números 1 e 2, 16º, nº 1, e 27º, todos do Decreto-Lei nº 30/89, de
24 de Janeiro, foi a M... aplicada a coima de Esc. 500.000$00, face à circunstância de a mesma ter aberto e manter em funcionamento um «lar de idosos», denominado Casa de Repouso S..., sem que tivesse obtido autorização provisória de funcionamento ou alvará de licenciamento.
Dessa aplicação recorreu para o Tribunal do Trabalho de Setúbal, tendo a respectiva Juiz, por decisão de 6 de Maio de 1996, recusado a aplicação do disposto no artº 27º do falado D.L. nº 30/89, na parte em que fixou os limites das coimas em montantes que se não enquadravam 'entre os limites previstos no DL 433/82, quer por os seus mínimos serem inferiores ou os seus máximos superiores aos fixados nesse diploma', vindo, por isso, a condenar a recorrente na coima de Esc. 30.000$00.
É desta decisão que vem, pelo Ministério Público, interposto o presente recurso.
O seu representante neste Tribunal concluiu a alegação que produziu, na qual propugna por se dever confirmar a decisão recorrida, dizendo:-
'1º - É organicamente inconstitucional a norma editada pelo Governo, no exercício da sua competên- cia legislativa própria, que estabeleça como sanção para determinada contra-ordenação, tipificada no mesmo diploma, coima cujo limite máximo exceda o constante do diploma que estabelece o regime geral do ilícito de mera ordenação social, na redacção vigente à data em que foi publicada a norma em questão.
2º - A alteração daquele limite máximo, em consequência da revisão do regime geral do ilícito de mera ordenação social, não implica a 'constitu- cionalização parcial superveniente' da inconstitu- cionalidade orgânica originariamente cometida'.
A recorrida não apresentou alegação.
II
1. A norma sub iudicio, e que foi recusada aplicar pela sentença impugnada no que tange aos limites da coima aí previstos, apresenta a seguinte redacção:- Artigo 27.º Coimas por falta de licenciamento
Constitui contra-ordenação punível com coima de 500 000$ a 1 500 000$ a abertura ou o funciona- mento do estabelecimento que não se encontre licen- ciado nem disponha de autorização de funcionamento provisório, nos termos do artigo 16.º.
Aquando da edição do Decreto-Lei nº 30/89, em que tal preceito se inclui, regia, como consagrador do regime jurídico geral do ilícito de mera ordenação social, a versão originária do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, no qual se dispunha, no seu artº 17º: Artigo 17.º
(Montante da coima)
1 - Se o contrário não resultar da lei, o montante mínimo da coima será de 200$ e o máximo de 200 000$.
2 - Se a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só poderá ser sancionado até metade do montante máximo da coima.
3 - As coimas aplicadas às pessoas colectivas poderão elevar-se até aos montantes máximos de:
a) 3 000 000$ em caso de dolo;
b) 1 500 000$ em caso de negligência.
Pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, aquele artº 17º veio a ter a redacção seguinte: Artigo 17.º
(Montante da coima)
1 - Se o contrário não resultar da lei, o montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares será de 500$ e o máximo de 500 000$.
2 - Se a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só poderá ser sancionado até metade do montante máximo da coima.
3 - Se o contrário não resultar da lei, as coimas aplicadas às pessoas colectivas poderão elevar-se até aos montantes máximos de:
a) 6 000 000$ em caso de dolo;
b) 3 000 000$ em caso de negligência.
Actualmente, o dito preceito, após as alteraçãoes introduzidas pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, apresenta a seguinte redacção: Artigo 17.º
(Montante da coima)
1 - Se o contrário não resultar da lei, o montante mínimo da coima aplicável às pessoas singulares é de 750$ e o máximo de 750 000$.
2 - Se o contrário não resultar da lei, o montante máximo da coima aplicável às pessoas colectivas é de 9 000 000$.
3 - Em caso de negligência, se o contrário não resultar da lei, os montantes máximos previstos nos números anteriores são, respectivamente, de 375
000 000$ e de 4 500 000$.
4 - Em qualquer caso, se a lei, relativamente ao montante máximo, não distinguir o comportamento doloso do negligente, este só pode ser sancionado até metade daquele montante.
2. Desde o seu Acórdão nº 56/84 (publicado na 1ª Série do Diário da República de 9 de Agosto de 1984) que este Tribunal tem vindo a delimitar as competências do Governo e da Assembleia da República no domínio do ilícito de mera ordenação social, por forma entender que cabe na competência exclusiva daquele segundo órgão de soberania editar legislação sobre o regime geral de punição correspondente a tal ilícito (podendo conceder autorização legislativa ao Governo para tanto), cabendo concorrentemente a esse órgão e a este último estabelecer e definir, dentro dos limites consagrados naquele regime, as contra-ordenações, bem como alterá-las, eliminá-las ou modificar a respectiva punição.
Todavia, no que respeita à competência governamental, ponto é que, no que concerne à punição, não sejam estabelecidos limites mínimos inferiores ao consignado no regime geral, e limites máximos superiores a tal consignação, o que redunda em que os limites mínimos podem ser superiores ao limite mínimo do regime geral, desde que não superior ao limite máximo aí estabelecido, e os limites máximos inferiores ao limite máximo do aludido regime e desde que não inferiores ao limite mínimo aí previsto.
3. Assente uma tal postura, porque o disposto no artº
27º ora em análise e relativamente ao estatuído no artº 17º da versão originária do D.L. nº 433/82, apresenta os limites mínimo e máximo fixados em medida superior aos deste último preceito, ser- -se-ia levado a concluir, tendo em conta tal versão, que o Governo, desprovido que estava de autorização legislativa suficiente para tanto, desbordou, na edição do D.L. nº 30/89, a sua competência, razão pela qual o normativo sub specie, e pelo que toca àquela fixação de limites, incorreria no vício de inconstitucionalidade orgânica
(inconstitucionalidade orgânica parcial derivada).
Contudo, já depois da edição do D.L. nº 30/89, surgiu a lume o D.L. nº 356/89 que, como se viu acima, veio estabelecer novos limites no regime geral, fixando, no que toca às pessoas singulares, um limite máximo que não é inferior ao limite mínimo constante do normativo em apreciação.
Consequentemente, a questão que se coloca reside em saber se a superveniência - relativamente ao D.L. nº 30/89 - da fixação de novos limites pode, de alguma forma, acarretar consequências quanto ao ponto de que ora se cura.
A esta questão deu já a 1ª Secção deste Tribunal, conquanto por maioria, resposta negativa em vários arestos, citando-se, exemplificativamente, os Acórdãos números 441/93 (publicado na 2ª Série do Diário da República de 23 de Abril de 1994), 787/93, 837/93, 139/96 e 888/96
(estes ainda inéditos).
Mas, por outro lado - como se diz no Acórdão nº 40/97, hoje tirado no processo nº 664/96 - este Tribunal, no seu Acórdão nº 157/96, da
2ª Secção (também ainda inédito), não deixou de ponderar que quem se ativesse, para o valorizar, ao facto de a lei quadro ser simples parâmetro mediato ou interposto de validade (e, assim, não sendo uma lei a quem cumpra definir o
órgão competente para a fixação do montante das coimas), então haver-se-ia de propender para atribuir pouco relevo ao princípio do tempus regit actus e, desta forma, a considerar relevante, para a questão de saber quais os montantes que hão-de servir de parâmetros de referência, o momento da prática da respectiva infracção.
Efectivamente, no aludido Acórdão nº 40/97, disse-se, a dado passo:-
'Pois bem: o artigo 27º do Decreto-Lei nº 30/ /89, de 24 de Janeiro, na parte em que comina a coima aplicável à contraordenação que ele próprio prevê, cometida por pessoas singulares, viola a alínea d) do nº 1 do artigo 168º da Constituição: não decerto, enquanto lhe fixa o montante mínimo (500.000$00), que é - e pode sê-lo - superior ao estabelecido pela lei-quadro na versão do artigo 17º introduzida pelo Decreto-Lei nº 356/89 (500$00). Já, porém, viola aquele preceito constitucional ao fixar-lhe o valor máximo (1.500.000$00), pois que, sem que tal pudesse acontecer, esse valor excede o limite máximo fixado à coima em 1989 (500.000$00)'.
É esta posição a que se aqui adopta, ponderando a circunstância de os factos se reportarem a 1994, numa ocasião em que já se encontrava em vigor os novos montantes das coimas aplicáveis a pessoas singulares introduzidos no artº 17º do D.L. nº 433/82 pelo D.L. nº 356/89. III
Em face do exposto, decide-se:-
- a) Julgar inconstitucional, por violação da alínea d) do nº 1 do artigo 168º da Lei Fundamental, a norma constante do artº 27º do Decreto-Lei nº 30/89, de 24 de Janeiro, enquanto aplicável a pessoas singulares, mas tão somente na parte em que nela, ao cominar a coima da contra-ordenação que define, fixa o respectivo limite máximo em montante superior ao limite máximo estabelecido na versão de 1989 da lei quadro do ilícito de mera ordenação social;
- b) Conceder provimento ao recurso e, em consequência, deterrminar a reforma da decisão impugnada em conformidade com o juízo ora efectuado quanto à questão de constitucionalidade. Lisboa, 21 de Janeiro de 1997 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Messias Bento Fernando Alves Correia Luis Nunes de Almeida