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Proc. nº 186/95
1ª Secção
Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
1 - No Supremo Tribunal Militar, por acórdão de 26 de Janeiro de
1995, o arguido A., foi condenado como autor material de quatro crimes de
corrupção passiva, previstos e punidos pelo artigo 191º, nº 1, do Código de
Justiça Militar, tendo em conta o disposto no artigo 72º do Código Penal, na
pena de dois anos e seis meses de prisão por cada um deles, e fazendo-se o
cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, na pena global única de quatro
anos e seis meses de prisão.
Por requerimento de 2 de Fevereiro imediato, impetrou o arguido a
aclaração daquela decisão, não havendo porém o Supremo Tribunal Militar, por
acórdão de 16 de Fevereiro de 1995, tomado conhecimento do pedido por força da
sua intempestividade.
Apresentou então, em 2 de Março subsequente, petição de recurso de
constitucionalidade, sob a invocação do disposto nos artigos 207º e 208º da
Constituição e 72º a 75º-A, da Lei do Tribunal Constitucional.
Mas, por despacho do senhor relator, de 6 de Março de 1995, não foi
admitido o recurso, aduzindo-se para tanto, e no essencial, a seguinte
fundamentação:
'Nos termos do art. 75º, nº 1 da referida lei o prazo de interposição do
recurso para o Tribunal Constitucional é de oito dias, pelo que sendo o acórdão
deste Supremo Tribunal, de que se pretende recorrer, publicado em 25 de Janeiro
de 1995, aquele prazo findou em 7 de Fevereiro seguinte, sendo intempestivo o
requerimento apresentado em 2 de Março corrente.
É certo que o artº 686º, nº 1 do C.P.Civil, subsidiariamente aplicável,
determina que o prazo para o recurso só começa a correr, havendo pedido de
rectificação, aclaração ou reforma da sentença, depois de notificada a decisão
proferida sobre o respectivo requerimento.
E no processo houve um pedido de aclaração do acórdão de que se pretende
recorrer.
Todavia, parece evidente que o diferimento do prazo para recurso só ocorre,
nos termos do aludido artº 686º, nº 1, se o pedido de aclaração, rectificação ou
reforma foi tempestivo, pois, caso contrário, evitar-se-ia o trânsito de
qualquer sentença, bastando, mesmo dez ou vinte anos depois pedir uma aclaração
para se obter um novo prazo para recorrer.
Ora, in casu o pedido de aclaração foi apresentado fora de prazo e dele não
se conheceu, pelo que não houve interrupção do prazo para recurso, sendo o
requerimento de fls 1337 intempestivo.
Mesmo que assim não fosse, o recurso não podia ser admitido por lhe faltar
um dos pressupostos referidos.
Efectivamente não foi alegada durante o processo a inconstitucionalidade de
qualquer norma'.
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2 - O arguido, inconformado, atravessou reclamação para este
Tribunal, desenvolvendo, no que aqui importa reter, a argumentação seguinte:
'10 - Está em causa, no recurso para o Tribunal Constitucional, apreciar a
violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, por força da
condenação do reclamante ao abrigo do disposto no artigo 191º, nº 1 do C.J.M..
11 - Tratando-se de direitos, liberdades e garantias, estes vinculam
directamente as entidades públicas e privadas, e também os tribunais, nos
precisos termos do artigo 18º, nº 1 do C.R.P..
12 - Se se trata de um direito constitucional tutelado directamente por
aquela disposição legal, não pode prevalecer, sobre esse direito, a norma de
direito adjectivo prevista no artigo 465º, nº 1 do C.J.M. que é também
inconstitucional por violar os princípios da igualdade e da proporcionalidade.
13 - Com efeito, o prazo de pedido de aclaração de acórdão ou sentença
penal é de cinco dias úteis, segundo o artigo 153º C.P.C., ex vi do disposto no
artigo 4º. do C.P..
14 - Ao restringir tal prazo a quarenta e oito horas, o artigo 465º., nº 1
C.J.M. tem de haver-se como inconstitucional por violar os princípios de
igualdade e da proporcionalidade, consagrados nos artigos 13º e 18º, nº 2, 2ª
parte da C.R.P..
15 - Com efeito, seria inaceitável à luz dos princípios constitucionais que
um cidadão, por ser militar, não possa exercer um direito processual dentro do
prazo igual àquele em que qualquer outro cidadão o pode exercer, com a agravante
de tal regra adjectiva colidir abertamente com direitos, liberdades e garantias
directamente aplicáveis ao universo dos destinatários.
.........................................................
20 - TERMOS EM QUE deve esta reclamação ser atendida, ordenando-se a subida
do recurso para este Tribunal, interposto no S.T.M.'.
Por acórdão de 23 de Março de 1995, o Supremo Tribunal Militar
confirmou o despacho reclamado.
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3 - Neste tribunal os autos foram com vista ao senhor
Procurador-Geral Adjunto que, a fls. 35v. se pronunciou no sentido da
improcedência da reclamação.
Argumentou assim:
Na verdade, a razão principal de rejeição do recurso de constitucionalidade
que se pretendeu interpor é a sua clara intempestividade: o arguido terá
pretendido aproveitar o regime decorrente do preceituado no art. 686º do CPC,
esquecendo que o acto originário, que tornaria ainda tempestivo o requerimento
de interposição do recurso, foi - ele próprio - praticado fora do prazo legal de
48 horas, cominado no CJM. Assim sendo, é evidente que a prorrogação do prazo
para recorrer, decorrente do citado artº 686º, não se verifica.
É, por outro lado, claramente extemporâneo vir, apenas no âmbito da presente
reclamação, suscitar, pela primeira vez, a questão da inconstitucionalidade do
art. 465º, nº 1, do CJM, enquanto prescreve um prazo especial - e mais curto do
que o vigente nos restantes ordenamentos processuais - para, no foro militar, o
arguido requerer a eventual aclaração do acórdão condenatório: cumpria-lhe, na
verdade, ter suscitado tal questão de constitucionalidade no momento próprio -
isto é, quando apresentou, para além do decurso do aludido prazo de 48 horas, o
requerimento constante de fls. 27, colocando naturalmente o STM em condições de
apreciar e julgar tal questão.
O que não é seguramente possível é aproveitar o processo de reclamação para
ampliar o objecto do recurso de constitucionalidade rejeitado, estendendo-o a
normas que, de nenhum modo, o arguido curou de questionar - podendo-o
perfeitamente fazer - durante o processo'.
Corridos os demais vistos de lei cabe apreciar e decidir.
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4 - O acórdão condenatório do Supremo Tribunal Militar foi publicado
no dia 26 de Janeiro de 1995, havendo o pedido de aclaração que lhe foi
dirigido, dado entrada na secretaria daquele Tribunal no dia 2 de Fevereiro
imediato.
Era manifesta a sua intempestividade, por força do disposto no
artigo 465º, nº 1, do Código de Justiça Militar, segundo o qual, os
requerimentos das partes a solicitar a aclaração em conferência das decisões do
Supremo Tribunal Militar hão-de ser apresentados 'dentro das quarenta e oito
horas posteriores à publicação do acórdão'.
E, por outro lado, tem-se também por seguro que, requerida a
aclaração desatempadamente, não era já aplicável a norma do artigo 686º, nº 1,
do Código de Processo Civil, segundo a qual o prazo para recurso 'só começa a
correr depois de notificada a decisão proferida sobre o requerimento'.
Assim sendo, o recurso de constitucionalidade interposto pelo
arguido do acórdão condenatório, por requerimento datado de 2 de Março de 1995,
devido à sua extemporaneidade, não podia ser admitido, como efectivamente não
foi.
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5 - Na reclamação para este Tribunal veio o arguido suscitar a
questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 465º, nº 1, do Código de
Justiça Militar, com fundamento na violação dos princípios da igualdade e da
proporcionalidade, na medida em que ali se prescreve um prazo especial, de
duração inferior ao previsto para situações similares nos ordenamentos
processuais comuns.
Todavia, e independentemente do já aduzido a respeito da
intempestividade do recurso e da sua não admissibilidade, cumpre referir, mesmo
perfunctoriamente, que a suscitação daquela questão, sempre haveria de ter-se
por irrelevante, face à desadequação do tempo processual em que foi produzida.
Com efeito, nos recursos das decisões aplicativas de normas cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, como decorre da
orientação jurisprudencial uniforme e reiterada deste Tribunal (cfr. por todos
os acórdãos nºs 62/85 e 123/89, Diário da República, II série, respectivamente,
de 31 de Maio de 1985 e 29 de Abril de 1989) importa que tal suscitação haja
sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão,
isto é, antes de se mostrar esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a
matéria a que aquela questão de inconstitucionalidade respeita.
No caso em apreço a questão de inconstitucionalidade apenas foi
suscitada no requerimento da reclamação, consequentemente, em termos de inteira
inoperatividade.
Sempre haveria assim de recusar-se atendimento à reclamação.
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6 - Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 UCs.
Lisboa, 6 de Julho de 1995
Antero Alves Monteiro Dinis
Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Vítor Nunes de Almeida
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa