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Procº nº 231/91 Rel. Cons. Alves Correia
(Mário de Brito)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I- Relatório
I- O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa acusou A. pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelo artigo 297º, nº 1, alínea f), do Código Penal.
Não obstante a medida abstracta prevista para a pena determinar, em princípio, a competência do tribunal colectivo para o julgamento daquele crime, nos termos do artigo 14º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de
17 de Fevereiro, já que lhe é aplicável, em abstracto, pena de prisão de um a dez anos, o Magistrado do Ministério Público, no seu requerimento acusatório, considerando que o arguido confessou integralmente os factos e bem assim a circunstância de não constar do seu registo criminal qualquer condenação anterior, consignou que o caso devia ser julgado pelo tribunal singular, tendo em conta a disposição do artigo 16º, nº 3, do mesmo Código, na redacção do Decreto-Lei nº 387-E/87, de 29 de Dezembro, que atribui ao tribunal singular competência para julgar os processos por crimes previstos no artigo 14º, nº2, quando o Ministério Público entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a três anos.
No entanto, o Meritíssimo Juiz, por despacho de 2 de Dezembro de 1990, recusou a aplicação, no caso sub judicio, das normas do artigo 16º, nºs. 3 e 4, do Código de Processo Penal, com fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 13º, 32º, nº 1,
205º e 206º da Constituição.
2. É deste despacho que vem interposto obrigatoriamente pelo Ministério Público o presente recurso. Anote-se que objecto deste recurso é tão-só a questão da constitucionalidade da norma constante do nº 3 do artigo 16º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 4º do Decreto-Lei nº 387-E/87, de 29 de Dezembro, e não também a do nº 4 daquele artigo 16º, apesar de esta ter sido expressamente referida tanto na decisão recorrida, como no requerimento de interposição deste recurso.
Com efeito, como bem salienta o Exº Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, a norma do nº 4 do artigo 16º do Código de Processo Penal não foi efectivamente desaplicada na decisão recorrida, uma vez que o problema da sua aplicação ou desaplicação apenas se colocará na fase do julgamento e condenação e não na actual fase de recebimento da acusação e de designação de dia para julgamento. Noutros termos: o Meritíssimo Juiz a quo apenas poderia recusar a aplicação da norma do nº 4 do artigo 16º do Código de Processo Penal se previamente tivesse aplicado a norma do nº 3 do mesmo artigo, recebendo a acusação e designando dia para julgamento.
3. Neste Tribunal, alegou o Exº Procurador-Geral Adjunto, concluindo que o preceito questionado não viola qualquer norma ou princípio constitucionais, pelo que deve conceder-se provimento ao recurso.
II- Fundamentos.
4. A questão da constitucionalidade da norma em apreço foi já objecto de detida análise por parte deste Tribunal, em vários Acórdãos, tirados pelas suas duas secções [v.g. Acórdãos nºs 393/89 (in DR, II Série, de 14/9/1989), 435/89 (in DR, II Série, de
21/9/1989) 436/89 (in DR, II Série, de 21/9/1989), 455/89, 465/89 (in DR, II Série, de 30/1/1990), 466/89,467/89, 41/90, 43/90, 44/90 (in DR, II Série, de
4/7/1990), 48/90 (in DR, II Série, de 11/7/1990), 95/90, 96/90, 97/90, 100/90,
101/90, 102/90, 137/90 (in DR, II Série, de 7/9/1990) 140/90, 142/90, 143/90 (in DR, II Série, de 7/9/1990) 145/90, 147/90, 164/90,165/90, 166/90, 167/90,
168/90, 178/90, 183/90, 195/90, 197/90, 206/90, 208/90, 217/90, 218/90, 219/90,
220/90, 226/90, 252/90, 269/90, 276/90, 282/90, 291/90, 293/90, 296/90, 297/90,
301/90,319/90, 320/90, 326/90, 327/90, 328/90, 335/90, 5/91, 9/91, 11/91, 24/91,
28/91, 31/91, 35/91, 41/91, 43/91, 45/91, 46/91, 47/90, 50/91, 78/91 e 79/91], tendo entendido, embora, no que respeita aos tirados na 2ª secção, com alguns votos discordantes, que a norma do artigo 16º, nº 3, do Código de Processo Penal, conjugada com o nº4 do mesmo preceito, não padece de qualquer inconstitucionalidade.
Designadamente, não viola o princípio da reserva do juiz, nem o princípio da legalidade da acção penal, nem o princípio das garantias de defesa, nem o princípio da acusação, nem o princípio do juiz natural, nem o princípio da igualdade, consagrados nos artigos
205º,206º,221º, nºs 1 e 2, 32º, nºs. 1 , 5 e 7, e 13º da Constituição. E também, manifestamente, não viola o princípio da legalidade da pena (nulla poena sine lege anteriore), consignado no artigo 29º, nº 3, da Lei Fundamental.
É a solução constante daqueles arestos que este Tribunal Constitucional agora reitera, limitando-se, para tanto, a remeter para os respectivos fundamentos.
III- Decisão:
Nestes termos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que deve ser reformado em conformidade com o aqui decidido sobre a questão da inconstitucionalidade.
Lisboa, 19 de Junho de 1991
Fernando Alves Correia Messias Bento José de Sousa e Brito Bravo Serra Mário de Brito (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto que juntei ao Acórdão nº 393/89) José Manuel Cardoso da Costa