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Proc. 162/91 Relator: Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. foi condenado no 3º Tribunal Territorial de Lisboa na pena unitária de três anos de prisão, como autor material de cinco crimes de infidelidade no serviço militar, previstos e puníveis pelo artigo 191º, nº 4, referido ao nº 1 do mesmo preceito, do Código de Justiça Militar.
Lido o acórdão e feita a sua intimação - tudo nos termos do artigo 423º daquele Código -, o defensor constituído do réu arguiu uma nulidade de sentença, consistente em se não conter no acórdão 'a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, relativamente aos factos provados
(artigos 374º, nº 2, e 379º, do actual Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável em processo criminal militar)'; e, simultaneamente, interpôs recurso do mesmo acórdão para o Supremo Tribunal Militar.
O Tribunal proferiu logo acórdão a admitir o recurso interposto e a indeferir a arguição de nulidade - indeferimento que baseou no entendimento de que ao caso era aplicável (subsidiariamente, há-de entender-se) o Código de Processo Penal de 1929; e não o de 1987.
2. Nas alegações do recurso para o Supremo Tribunal Militar
(recurso interposto apenas do acórdão condenatório, que não também do acórdão que indeferiu a arguição de nulidade), o réu insistiu na existência da nulidade que se traduziria na não indicação pelo acórdão recorrido 'dos meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal' - nulidade que qualificou de essencial e disse integrar a alínea d) do artigo 458º do Código de Justiça Militar, por força do disposto nos artigos 374º, nº 2, e 379º, alínea a), do novo Código de Processo Penal.
Nessas alegações - e para a hipótese de, no tocante à invocada nulidade, outro ser o entendimento do Supremo Tribunal Militar -, o recorrente ponderou que 'o tribunal recorrido, ao não integrar a lacuna do artigo 419º do C.J.M. por recurso ao artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, violou o artigo 32º, nº 1, da Constituição da República'. E acrescentou: 'Similarmente e nos mesmos termos, também o artigo 469º do Código de Processo Penal de 1929, se não se lhe reconhecer a existência da dita lacuna, enferma de inconstitucionalidade material, por violação do artigo 32º, nº 1, da Lei Fundamental'.
3. O Supremo Tribunal Militar, por acórdão de 14 de Fevereiro de
1991, invocando uma sua decisão anterior, entendeu: [...] não constituir nulidade essencial a referida falta de motivação, pelo que, para que dela conhecesse era mister não só a sua arguição oportuna como o recurso da decisão que a desatendesse. Ora, embora o recorrente tenha invocado a aludida nulidade, o certo é que não recorreu da decisão respectiva, dizendo claramente nas suas alegações 'tendo interposto recurso do douto acórdão condenatório' e não mostrando a intenção de agravar do indeferimento da arguição da nulidade. Desta sorte, não pode este Supremo Tribunal também conhecer da mesma eventual nulidade. Sendo assim, por imperativo do artigo 418º, nº 1, do Código de Justiça Militar, tem-se por definitivamente fixada a matéria de facto apurada pelo aresto recorrido e sobre a qual se deverá decidir de meritis.
4. Deste acórdão quis o réu recorrer para o Tribunal Constitucional, mas o recurso não lhe foi admitido, uma vez que - lê-se no despacho do relator - 'mal ou bem não interessa, o acórdão [...] não conheceu do recurso na parte relativa à invocada nulidade de falta de motivação da matéria de facto [...], e, consequentemente, não fez aplicação do [...] artigo 419º' do Código de Justiça Militar, cuja constitucionalidade havia questionado.
5. O réu reclamou, então, para o Tribunal Constitucional, dizendo, inter alia, que o não conhecimento daquela nulidade por parte do Supremo Tribunal Militar 'se traduziu, pura e simplesmente, em deixar intacta a aplicação, pela 1ª instância, do artigo 419º do [...] Código [de Justiça Militar], cuja inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações de recurso'.
Indo os autos à conferência, o Supremo Tribunal Militar, por acórdão de 6 de Março de 1991, manteve o despacho de inadmissão do recurso.
6. Neste Tribunal, o Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que se deve indeferir a reclamação, uma vez que o acórdão recorrido não aplicou a norma do artigo 419º do Código de Justiça Militar cuja constitucionalidade o recorrente agora pretende que este Tribunal aprecie.
7. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentos:
8. O recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
São pressupostos deste tipo de recurso, desde logo:
(a) que o recorrente tenha suscitado a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica durante o processo; (b) e que, não obstante, a decisão recorrida haja aplicado essa norma, justamente porque a não teve por violadora da Constituição.
Pois bem: no caso, não restam dúvidas de que o ora reclamante suscitou, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade do artigo 419º do Código de Justiça Militar. Fê-lo nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Militar, embora tão-só a título subsidiário, ou seja, para a hipótese de o Supremo não ter por verificada a nulidade (essencial) prevista no artigo 458º, alínea d), do Código de Justiça Militar - nulidade que se traduziria no facto de o acórdão do tribunal de 1ª instância não ter indicado os meios de prova que serviram para formar a sua convicção, como, em seu entender,
é imposto pelos artigos 374º, nº 2, e 379º, alínea a), do Código de Processo Penal de 1987, subsidiariamente aplicáveis no processo criminal militar.
O que, então, importa saber é se, no acórdão de que o ora reclamante pretende recorrer, o Supremo Tribunal Militar aplicou ou não o referido artigo 419º do Código de Justiça Militar. Se sim, verificados estarão os pressupostos do recurso, havendo, então, que deferir a reclamação. Se não, há que indeferi-la.
Vejamos, então.
9. Como decorre do relato feito, o Supremo Tribunal Militar - ao afrontar a questão da nulidade, que se traduziria na não indicação pelo acórdão da 1ª instância dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção - lançou mão (implicitamente) dos artigos 374º, nº 2, e 379º, alínea a), do Código de Processo Penal de 1987 e do artigo 458º, alínea d), do Código de Justiça Militar, e não, como fizera a decisão da 1ª instância, do artigo 419º deste último Código.
O Supremo partiu, na verdade, do princípio de que a falta de motivação da sentença constitui nulidade - conclusão que se revela com maior evidência quando se confronta o texto do acórdão com a declaração de voto do juiz Gonçalves Pereira. Só que, não qualificando essa nulidade como nulidade essencial - ou seja, não a reconduzindo à previsão da alínea d) do artigo 458º do Código de Justiça Militar -, entendeu não poder dela conhecer, em virtude de não ter sido interposto recurso da decisão da 1ª instância que a teve por inverificada. Para tanto, fez apelo ao artigo 457º, nº 1, do dito Código.
O acórdão recorrido não aplicou, pois, o artigo 419º do Código de Justiça Militar, cuja inconstitucionalidade o ora reclamante havia suscitado, embora tão-só subsidiariamente.
Não tendo o acórdão recorrido aplicado aquele artigo
419º, que constituiria o objecto do recurso para este Tribunal - recurso que o reclamante pretende lhe seja admitido - há que indeferir a presente reclamação.
10. Argumenta o reclamante que o acórdão do Supremo, na medida em que não conheceu da nulidade invocada, deixou 'intacta a aplicação, pela 1ª instância, do artigo 419º' do Código de Justiça Militar. E com isso pretenderá ele significar que o acórdão recorrido, ao cabo e ao resto, aplicou o dito artigo 419º.
Sem razão, porém.
Na verdade, havendo o Supremo considerado - embora tão-só implicitamente - serem aplicáveis ao caso os artigos 374º, nº 2, e 379º, a), do Código de Processo Penal vigente, não podia, simultaneamente, deixar subsistir a decisão recorrida, na parte em que esta teve por aplicável o dito artigo 419º. E, assim, não podia ter 'assumido', fazendo-a sua, a aplicação dessa norma.
III. Decisão:
Nestes termos, indefere-se a reclamação e condena- se o reclamante nas custas, fixando-se a taxa de justiça em duas UCs.
Lisboa, 20 de Novembro de 1991
Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Mário de Brito Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa