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Proc.Nº 249/95
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A. requereu, em 27 de Março de 1995, uma providência de 'habeas corpus', invocando como fundamento de tal pedido o facto de, tendo sido preso preventivamente em 18 de Março de 1991, estar ultrapassado em 6 dias o prazo de 4 anos de prisão preventiva aplicada no âmbito do processo de inquérito nº 657/91, da Comarca de Vila Nova de Famalicão.
No processo principal, que correu termos no Supremo Tribunal de Justiça (adiante STJ), o arguido requereu ao abrigo das disposições dos artºs 191º, 192º, 193º, 202º, 204º 213º, 215º, 217º, todos do Código de Processo Penal (adiante, CPP), a revogação da medida de coacção de prisão preventiva e a restituição à liberdade ou a aplicação de outra medida cautelar ou de coacção diversa da prisão preventiva, que já não teria razão para subsistir, pois já cumprira metade da pena e tinha bom comportamento prisional.
Sobre este requerimento, recaiu um despacho do STJ de 27 de Janeiro de 1995, que concluiu pela decisão seguinte:
'Como salienta o Exmo. Procurador-Geral adjunto é jurisprudência deste Supremo, aliás unânime, uma vez proferido o Acórdão, o arguido passa a estar em cumprimento de pena, pelo que se indefere o requerimento de fls. 510 e segs'.
Perante tal decisão, o arguido apresentou um requerimento com um pedido duplo: a aceitar-se que o arguido se encontra em cumprimento de pena, então o processo deve remeter-se ao Tribunal de Execução de Penas para que seja considerado o pedido de liberdade condicional; ainda dentro da mesma ordem de considerações, pediu que os autos baixassem ao Tribunal de Círculo de Santo Tirso, para ser reformulada a pena aplicada, tendo em vista o perdão previsto na Lei nº 15/94, de 11 de Maio, sob pena de se criar um «tertium genus» de prisão, sem regras nem direito.
O STJ indeferiu o requerido por entender que a interposição do recurso para o Tribunal Constitucional impunha a remessa a este Tribunal de todo o processo, pelo que não podia dar-se satisfação ao requerido pelo arguido.
Requereu, então, o arguido a providência de 'habeas corpus', alegando que estava preso preventivamente há mais de 4 anos, ultrapassando, assim, o prazo máximo dessa prisão, devendo ser decidida a sua imediata restituição à liberdade.
Sobre este pedido, veio a recair um acórdão do STJ datado de 11 de Abril de 1995, cujos fundamentos decisórios se estruturaram pela forma seguinte:
- o recurso para o Tribunal Constitucional de decisões do STJ não tem a natureza de recurso ordinário nem respeita directamente à decisão que ordenou e prisão, sendo restrito à matéria de constitucionalidade;
- assim, as decisões do Tribunal Constitucional não se traduzem numa declaração de nulidade do acórdão, antes se limitam a determinar a reformulação do acórdão recorrido em conformidade com o juízo de (in)constitucionalidade;
- por isso, enquanto o acórdão recorrido não for reformulado, deverá manter-se em vigor o decidido, até à reformulação da decisão com exclusão da norma julgada inconstitucional;
- não há razões para alterar a jurisprudência uniforme do Tribunal no sentido de o arguido condenado, uma vez interposto recurso para o Tribunal Constitucional, deixar de se encontrar em prisão preventiva para passar a estar em situação análoga à de cumprimento de pena;
- tal entendimento não prejudica que o arguido possa requerer a concessão da medida de liberdade condicional ou que possa beneficiar das medidas de clemência previstas na Lei nº 15/94, o que apenas não sucedeu pelo facto da interposição do recurso de constitucionalidade e o arguido não ter fundamento para requerer translado.
O acórdão termina pela forma seguinte:
'Assim sendo e em conclusão, o ora requerente da providência de 'habeas corpus' A., não se encontra em prisão preventiva, mas sim em situação análoga ao cumprimento de pena, termos em que se decide indeferir o pedido, não se concedendo a providência requerida.'.
É deste acórdão que vem interposto recurso, pelo arguido, para o Tribunal Constitucional, invocando-se no respectivo requerimento a aplicação dos 'artigos 214º, nº1, alínea e), 215º, nº1, alínea d) e nº4, e artigo 217º todos do Código de Processo Penal, na interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto é, no sentido de que não se encontra em prisão preventiva mas sim em situação análoga ao cumprimento de pena o arguido cuja condenação foi confirmada por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e dele foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, deixando assim de se encontrar em prisão preventiva e passando a estar em situação análoga à de cumprimento de pena, não podendo, assim, o arguido beneficiar da liberação imediata por estarem excedidos os prazos de duração máxima de tal medida.'
2. - Foram produzidas as pertinentes alegações, e o requerente concluiu as que apresentou, pela forma seguinte:
..'1º O arguido foi detido no âmbito do processo de inquérito nº 657/91, 2ª Delegação, no Tribunal de V. N.de Famalicão, aos 18 de Março de 1991, tendo-lhe sido aplicado pelo Meretíssimo Juiz a medida de coacção prisão preventiva, que se mantém desde essa data até hoje 30/06/95 ou seja, há 4 anos e 102 dias.
2º O Tribunal de Circulo julgou e condenou o arguido na pena unitária de 10 anos de prisão.
3º Do referido Acordão interpôs o arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (recurso penal nº 42916, 3ª 2Secção) tendo este Supremo Tribunal, proferido douto Acordão que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de Círculo de Santo Tirso.
4º Não se conformando com a Douta sentença proferida por este Supremo Tribunal, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que correu termos com o nº 129/93, 1ª Secção.
5º O Tribunal Constitucional proferiu douto Acordão, através do qual considerou inconstitucionais a busca e apreensão realizadas no âmbito do inquérito e ordenou a reformulação do Acordão em consonância com o decidido em matéria de constitucionalidade.
6º O Acordão foi então reformulado por este Supremo Tribunal de justiça o qual efectivamente declarou ilegais e inconstitucionais a busca e apreensão realizadas, mantendo no entanto a pena aplicada ao arguido.
7º O arguido não se conformando com o douto Acordão proferido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70 da Lei
28/82 de 15 de Novembro.
8º O Supremo Tribunal de Justiça proferiu então o seguinte despacho aos
27/01/95:
'Admito o recurso interposto para o Tribunal Constitucional o qual subirá imediatamente, nos próximos autos e com efeito suspensivo'.
9º O arguido requereu providência do Habeas Corpus ao abrigo nomeadamente do disposto no artº 31 da Constituição da República Portuguesa e nos artºs 215,
217, 222 e sgts. do Cód. Processo Penal, e que correu termos no Supremo Tribunal de Justiça, com o nº 72/95, com o fundamento em que estava detido preventivamente desde 18 de Março de 1991, ou seja, há mais de 4 anos, por consequência estava ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva, devendo assim ser restituido à liberdade.
10º Acontece que, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu Douto Acordão, através do qual indeferiu a providência de Habeas Corpus ao aqui requerente com os seguintes fundamentos:
'Assim sendo e em conclusão, o ora requerente da providência de
'Habeas Corpus', A., não se encontra em prisão preventiva, mas sim em situação análoga ao cumprimento de pena termos em que se decide indeferir o pedido, não se concedendo a providência requerida'.
11º Face a tal Acórdão, o arguido interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70 da Lei 28/82 de 15 de Novembro e com o fundamento em que, violam a C.R.P. nomeadamente os seus artºs
28, nº 4, 30 nº 1, 31 e 32 nº 1 e 2, artºs 5 e 6 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artºs 9 e 10 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, artºs 7, 8,9,10 e 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, os artºs 214 nº 1 alínea e), 215 nº 1 alínea d), e nº 4 e 217 todos do Código Processo Penal, na interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça isto é, no sentido de que não se encontra em prisão preventiva mas sim em situação análoga ao cumprimento de pena o arguido cuja condenação foi confirmada por Acordão do Supremo Tribunal de Justiça e dele foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional deixando assim de se encontrar em prisão preventiva e passando a estar em situação análoga à de cumprimento de pena, não podendo assim o arguido beneficiar da libertação imediata por estarem excedidos os prazos de duração máxima de tal medida.
12º A prisão preventiva, antes e depois da formação de culpa está sujeita aos prazos estabelecidos na lei 'nº 4 do artº 28 da Constituição da República Portuguesa.
13º A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos no artº 27 quando ... quando tenham sido ultrapassados os prazos de apresentação ao Juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração da prisão preventiva...
'in Constituição da República Portuguesa Anotado, 3ª edição, revista, Coimbra Editora, J.J. Gomes Canotilho, Vital Moreira, pág.199.
14º O artº 27 da Const. Rep. Portuguesa, refere no seu nº 1
'Todos têm direito à liberdade ...' e o nº 3 refere:
'Exceptua-se deste princípio a privação de liberdade pelo tempo e nas condições que a lei determinar nos casos seguintes':
15º Ao abrigo do disposto no artº 215 nº 1 alínea d) e nº 4 do Código Processo Penal, a prisão preventiva extingue-se quando desde o seu início tiverem ocorrido dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado, sendo este prazo acrescido de 6 meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional (nº 4).
16º As medidas de coacção extinguem-se de imediato, com o trânsito em julgado de sentença condenatória (artº 214 nº 1 alínea e) do C.P.P.).
17º Está o arguido detido em regime de prisão preventiva há 4 anos, e 102 dias (data da detenção 18-03-91).
18º O arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade logo que a medida se extinguir (artº 217 do Cód. Proc. Penal).
19º E, haverá Habeas Corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal (artº 31 C.R.P.).
'A figura do Habeas Corpus... consiste essencialmente numa providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por isso, uma garantia priveligiada do direito à liberdade, garantida nos artºs 27 e 28 (cfr. nota I ao artº 27).
'A Constituição República Portuguesa, Anotado, Gomes Canotilho e Vital Moreira, obra atrás citada, pág.199.
20º A interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, do Acordão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, tem efeito suspensivo (arts. 70, nº
1 b), nº 2, 75, 75-A, 76 da Lei 28/82 de 15-11 e 85/89 de 7/9 e 691 e 692 do Cód. Proc. Civil).
21º Ora, 'o efeito suspensivo' significa que a decisão proferida pelo Tribunal 'a quo' no âmbito do referido processo do qual se interpôs recurso, fica suspensa até ser proferida uma nova decisão pelo Tribunal 'ad quem' - os efeitos dessa decisão ficam suspensos, certo que, essa decisão poderá ser modificada. O que aliás já aconteceu no âmbito deste processo.
22º O próprio Código Processo Penal, no seu artº 215 nº 4 refere:
'Os prazos referidos nas alíneas a) e d) do nº 1, bem como os correspondentes referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro Tribunal de questão prejudicial'.
23º Não faria sentido, na interpretação do recorrente, que o legislador acrescentasse mais 6 meses ao tempo de duração da prisão preventiva quando houvesse recurso para o Tribunal Constitucional, se uma vez proferido Acordão pelo Supremo Tribunal de Justiça, esta decisão constituísse e tivesse força obrigatória, com eficácia de caso julgado em termos de sanção 'prisão' - cumprimento efectivo de pena para o arguido. Então, questiona-se, porque é que o legislador acrescentou 6 meses ao tempo de duração da prisão preventiva quando houvesse recurso para o Tribunal Constitucional, se, afinal o arguido não está em prisão preventiva! Mas sim em situação análoga ao cumprimento da pena!
24º O que o legislador pretendeu foi precisamente, aumentar os prazos de duração máxima de prisão preventiva quando houvesse recurso para o Tribunal Constitucional, para que o arguido continuasse sob tal medida de coacção e eventualmente não usasse o recurso para o Tribunal Constitucional como forma de ter de ser libertado por estarem excedidos os prazos de duração máxima de tal medida.
25º O regime de prazos de duração máxima de prisão preventiva que aqui se estabelece é simples: Em regra, não se permite que a prisão preventiva exceda dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado. Seria até desnecessário que a lei referisse a condenação com trânsito em julgado pois que a partir dessa condenação já não há prisão preventiva, mas execução de pena.
'... Estes prazos podem ainda sofrer um aditamento de seis meses como se estabelece no nº 4, se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional...'. Cód. Proc. Penal, Maia Gonçalves, anotado, 1988, 2ª edição, Almedina, Coimbra, pág. 266 e 267.
26º Ora a interpretação de que o arguido está em situação análoga ao cumprimento da pena cria um vazio legal em que nem se aplicam as regras de prisão preventiva nem as da pena efectiva, e poderá levar ao absurdo de o Tribunal Constitucional declarar certos actos como inconstitucionais, o Supremo Tribunal reformular o Acordão, ordenar a repetição do julgamento e o arguido ser absolvido.
27º Não existe na lei nenhuma situação análoga ao cumprimento da pena! Existe sim, 'prisão preventiva'; 'prisão domiciliária', mas sob limites! Pois que,
28º Todos têm direito à liberdade e à segurança. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança (artº 27 nº 1 e 2 da C.R.P.).
29º A interpretação do S.T.J. de que o arguido está em situação análoga ao cumprimento de pena, ofende o princípio constitucional de que todos tem direito
à liberdade e segurança e apenas podem ser privados desta nos termos previstos e definidos nesse preceito.
30º E, esse preceito (artº 20 C.R.P.) refere no seu nº 3 que:
'Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes: a) Prisão preventiva... b) Prisão ou detenção de pessoa que tenha entrado c) Prisão disciplinar d) Sujeição de um menor ... e) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência e decisão tomada...
31º Ora, o nº 3 do cit. preceito, é imperativo.
32º De tal forma que não podem os Tribunais criar excepções ao princípio da liberdade.
33º Pelo que, o S.T.J. ao criar como excepção ao princípio da liberdade, a privação desta no caso de situação análoga ao cumprimento da pena, está tal interpretação ou tal criação a ofender este princípio Constitucional e como tal
é inconstitucional.
34º Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição (artº 12), princípio de universalidade, e, os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, só podendo a lei restringir tais direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição (artº 18 nº 1 e 2) e tais leis restritivas, tem de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (artº 18 nº 3), pelo que, a dita interpretação do S.T.J. de que o arguido, condenado por Acórdão proferido pelo S.T.J., do qual interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, não está em prisão preventiva mas em situação análoga ao cumprimento da pena ofende este preceito constitucional, certo que restringe os direitos, liberdades e garantias.
35º Até porque se o arguido está em situação análoga ao cumprimento da pena deveria poder beneficiar nomeadamente da situação de liberdade condicional, da possibilidade de ter saídas precárias do estabelecimento prisional, só que, na prática o arguido não beneficiou de nenhuma dessas medidas.
36º Mas a ser assim, ao lado da prisão 'preventiva' e da prisão 'em cumprimento de pena' - surgirá uma terceira categoria de 'prisão' em que nem se aplicavam as regras legais da primeira, nem as regras legais da segunda e a que se chama 'situação análoga ao cumprimento da pena'!
37º O que seria, pois, uma prisão sem regras e sem direitos! (artº 2º C.R.P.). Ou seja,
38º Uma prisão arbitrária! Num Estado de Direito e Democrático!
39º O que significaria no fundo uma prisão de duração ilimitada ou indefinida. Ou pelo menos uma situação análoga à prisão de duração indefenida ou
à prisão perpétua!
40º Ora, tal situação é ilegal e inconstitucional, pois que viola o artº 30 e
32 da C.R.P. que conforme refere o artº 30 nº 1 da Constituição Rep. Portuguesa:
'1 - Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefenida'.
41º Por outro lado, conforme refere o artº 32 nº 2 da Constituição da República:
'2 - Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação devendo ser julgado no mais curto prazo compativel com as garantias de defesa'.
42º No entender do arguido este está detido desde 18 de Março de 1991, ou seja há 4 anos e 102 dias nos autos de processo crime nº 42916, 3ª Secção, 2ª Subsecção, deste Supremo Tribunal de Justiça, encontrando-se ainda e continuadamente desde essa data em regime de prisão preventiva, sendo que o prazo máximo de prisão preventiva no caso concreto é de dois anos e seis meses, isto porque houve recurso para o Tribunal Constitucional e como flui do artº
215º nº 1 d) do C.P.P..
43º Tal prazo encontra-se já há muito excedido e daí que a prisão do requerente seja ilegal e inconstitucional, violando nomeadamente o disposto nos artºs 28, nº 4, 30 nº 1 e 32 nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, artºs 5º e 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lei 65/78 de 13/10, Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, artºs 9 e 10, Lei nº
29/78, de 12 de Junho, artº 7º, 8º, 9º 10º e 11º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10/12/1948 e artºs 191, 214 nº 1 alínea e), 215 nº 1 alínea d) e nº 4 e 217 todos do Código Processo Penal.
44º Entende assim o recorrente que violam a Constituição nomeadamente os seus artºs 12, 18, 27, 28 nº 4, 30 nº 1 e 32 nº 1 e 2, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem seus artigos 5º e 6º, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, seus artºs 9 e 10 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem, seus artºs 7, 8, 9, 10 e 11, os artigos 214 nº 1 alínea e), 215 nº 1 alínea d) e nº 4 e 217 todos do Código Processo Penal, na interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto é, no sentido de que não se encontra em prisão preventiva, mas sim em situação análoga ao cumprimento da pena o arguido cuja condenação foi confirmada por acordão do Supremo Tribunal de Justiça e dele foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, não podendo assim o arguido beneficiar da libertação imediata por estarem excedidos os prazos de duração máxima de tal medida.
Pelo que,
45º Deverá ser proferido Acordão por este Tribunal Constitucional que decida no sentido atrás exposto, isto é, que a interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça viola os cit. preceitos Constitucionais, pelo que, deverá ser ordenada a reformulação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça em consonância com o decidido em matéria de constitucionalidade.
Termos em que deve ser proferido Acordão que decida que a interpretação perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que não se encontra em prisão preventiva, mas sim em situação análoga ao cumprimento de pena o arguido cuja condenação foi confirmada por Acordão do S.T.J. e dela foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, viola a Constituição.'
Pelo seu lado, o Procurador-Geral adjunto neste Tribunal, suscitou, nas alegações que produziu, a questão prévia do não conhecimento do recurso, tendo formulado, a esse respeito, as seguintes conclusões:
'1º - O acórdão recorrido não fez aplicação, com o sentido pretensamente inconstitucional, das normas apontadas pelo recorrente e por ele indicadas como objecto do recurso.
2º - Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a afastar implicitamente a sua aplicabilidade ao caso dos autos, por entender - com fundamentos que se prendem com as posições do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional e com a específica natureza e efeitos do recurso de constitucionalidade - que se não verifica um pressuposto essencial à aplicação de tais normas: a qualificação da situação do arguido, já condenado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, como sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
Termos em que não deverá conhecer-se do presente recurso.'
A questão prévia suscitada pelo Ministério Público veio a ser resolvida pelo Acórdão nº 116/96, de 6 de Fevereiro de 1996, ainda inédito, que desatendeu as questões prévias suscitadas, tendo havido mudança de relator.
Corridos que foram os vistos legais, quanto ao mérito da causa, importa apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
3. - A providência de 'habeas corpus' que constitui a base do presente recurso de constitucionalidade foi requerida ao abrigo do preceituado no artigo 31º da Constituição da República, com fundamento na existência, no caso, de uma situação de prisão ilegal.
Com efeito, de acordo com o alegado pelo requerente do
'habeas corpus', ele encontra-se preso, em situação de prisão preventiva, desde
18 de Março de 1991, pelo que, na data em que foi requerida aquela providência
(27 de Março de 1995), tal prisão atingia os 4 anos e 6 dias, o que, em seu entender, excedia o máximo legal de prisão preventiva susceptível de ser aplicável ao caso.
O STJ indeferiu a providência por continuar a entender que o arguido preso em situação de prisão preventiva, no momento em que vê a sua situação criminal definida por acórdão condenatório do Supremo, deixa de estar em situação de prisão preventiva para estar em situação análoga à de cumprimento de pena, mesmo que do acórdão condenatório tenha sido interposto recurso, que impede o trânsito em julgado da decisão condenatória, para o Tribunal Constitucional.
É contra esta interpretação do STJ que o ora recorrente e requerente do 'habeas corpus' se rebela, considerando a mesma violadora dos artigos 28º, nº 4, 30º, nº 1, 31º, 32º nºs 1 e 2 da Constituição, além de também violar a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigos 5º e 6º), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigos 9º e 10º), e a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigos 7º, 8º, 9º, 10º e 11º).
Vejamos, antes de mais, as normas questionadas pelo recorrente.
O artigo 214º, nº1, alínea e) do Código de Processo Penal (CPP) estabelece que 'as medidas de coacção extinguem-se de imediato
(nº1): [...] com o trânsito em julgado da sentença condenatória' (al.e).
Pelo seu lado, o artigo 215º, nº1, alínea d) do mesmo Código, determina que 'a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: [...] dois anos sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado' (al.d); o nº2 do preceito estabelece que este prazo é elevado para dois anos e 30 meses quando se tratar de um dos crimes referidos no artigo 209º, e para quatros anos quando o procedimento for por um dos crimes do artigo 209º e se revelar de excepcional complexidade (nº 3).
O nº 4 desta mesma disposição legal estabelece que 'os prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº1, bem como os correspondentemente referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal de questão prejudicial'.
Por último, o artigo 217º do CPP determina que 'o arguido sujeito a prisão preventiva é posto em liberdade logo que a medida se extinguir, salvo se a prisão dever manter-se por outro processo' (nº1), prevendo-se no nº 2 do preceito a possibilidade de o juiz sujeitar o arguido a alguma ou algumas das medidas previstas nos artigos 197º a 200º inclusive, no caso de a libertação do arguido vir a ter lugar por se terem esgotado os prazos de duração máxima da prisão preventiva.
Segundo o recorrente, estas normas foram aplicadas pelo STJ em interpretação inconstitucional, ao entender que o arguido cuja condenação foi confirmada por aquele Tribunal, mesmo sendo interposto recurso para o Tribunal Constitucional, deixa de estar em prisão preventiva para estar em situação análoga à de cumprimento de pena.
Terá razão?
4. - Importa antes de mais salientar que, pelo acórdão que decidiu a questão prévia, acima referido, o objecto do presente recurso foi assim delimitado:
'Constitui objecto do presente recurso a norma efectivamente aplicada pela decisão recorrida, ou seja a norma do artº 214º, nº1, alínea e), do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que ocorre o trânsito em julgado, embora sujeito a condição resolutiva, logo que é proferida decisão condenatória pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao conhecer do mérito do recurso interposto de acórdão do tribunal colectivo ou de júri, quando dessa decisão haja sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, admitido com efeito suspensivo'.
É, pois, esta interpretação da referida norma, com as consequências que pode eventualmente vir a ter no pedido de «habeas corpus», que vem questionada por ter considerado que a prisão preventiva do recorrente não foi ilegal uma vez que, após a sentença condenatória do STJ, deixou de estar em tal situação para passar a estar em 'situação análoga à de cumprimento de pena'.
Esta problemática tem a ver com o regime da prisão preventiva no nosso direito criminal e com a dimensão, no direito processual criminal constitucional, do princípio da presunção de inocência e da noção de trânsito em julgado que o integra,
5. - O regime da prisão preventiva
A Constituição garante no nº1 do artigo 27º o direito à liberdade e à segurança, traduzindo-se o primeiro, desde logo, no direito à liberdade física, ou seja, a não ser detido ou limitado nos seus movimentos, a não ser nos casos previstos no preceito.
De acordo com o nº 2 do artigo 27º, 'ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança', só podendo ser estas e as previstas no nº3, as restrições constitucionalmente possíveis ao direito à liberdade.
Assim, em princípio, as medidas de privação da liberdade têm de assentar ou em sentença judicial que determine tal privação por condenação resultante da aplicação da lei a factos apurados e puníveis com pena de prisão ou em sentença que estabeleça medidas de segurança para os delinquentes inimputáveis.
No nº3 do artigo 27º estabelecem-se as excepções ao princípio que faz depender de sentença qualquer medida de privação da liberdade aqui se incluindo logo na alínea a) a 'prisão preventiva em flagrante delito ou por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos'.
Consagrando este preceito os pressupostos materiais da prisão preventiva, consta a sua dimensão processual do artigo 28º da Constituição. No seu nº1 determina-se que a prisão sem culpa formada deve ser submetida, dentro do prazo máximo de 48 horas a decisão judicial de validação ou manutenção, impondo que o juiz conheça das causas da detenção, as comunique ao detido, interrogando-o e dando-lhe oportunidade de defesa.
Todas estas exigências constitucionais se compreendem na medida em que o nº 2 do preceito impõe o carácter subsidiário da prisão preventiva. Com efeito, esta só se mantém se não puder ser substituída por caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.
Quanto ao nº3 do artigo 28º estabelece o passo imediato ao proferimento do despacho do juiz que ordene ou mantenha uma medida de prevenção da liberdade: esta deve ser logo comunicada a parente ou pessoa de confiança do detido, que este indique. Por último, a Constituição remete para a lei a fixação dos prazos a que deve estar sujeita a prisão preventiva, antes e depois da culpa formada (nº4).
Fica, assim, perfeitamente definido o carácter excepcional e subsidiário da prisão, temporalmente delimitada por prazos constitucionalmente impostos e que devem ser razoavelmente fixados, isto é não excessivos ou inadequados ao fim visado.
Com efeito, a prisão preventiva não deve ser ordenada ou mantida não só quando não se verifiquem os pressupostos do artigo 27º, nº3, alínea a), mas também quando se mostre desnecessária, ou seja, sempre que possa ser substituída por medida não privativa de liberdade ou por medida meramente restritiva e, tratando-se de uma restrição a um direito fundamental, o recurso à prisão preventiva deve respeitar os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e da menor intervenção possível.
5.1. - O Código de Processo Penal de 1987 incluiu a prisão preventiva entre as medidas de coacção, começando por afirmar que 'a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei' (princípio da legalidade) - artigo 191º, fazendo depender a aplicação de qualquer uma destas medidas da prévia constituição como arguido da pessoa ou pessoas que elas visam, não devendo ser aplicadas no caso de haver motivos fundados de existência de causas de isenção de responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal (artigo 192º).
Os princípios da adequação e da proporcionalidade estão consagrados no artigo 193º e também o do carácter subsidiário da prisão preventiva, determinando ainda o nº 3 desta disposição que a execução das medidas de coacção e de garantia patrimonial não deve prejudicar o exercício de direitos fundamentais que não forem incompatíveis com as exigências cautelares que o caso requer (princípio da menor intervenção possível).
No que à aplicação da prisão preventiva respeita, o artigo 202º, depois de reafirmar a subsidiariedade da medida (só se deve aplicar se as outras forem inadequadas ou insuficientes) estabelece os pressupostos da sua aplicação: haver fortes indícios de crime doloso punido com pena de prisão de máximo superior a três anos (al. a); perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (al.b), ou perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa, devido à natureza e às circunstâncias do crime ou à personalidade do arguido
(al.c).
Estes pressupostos devem ser revistos de 3 em 3 meses, para apurar se subsistem e decidir se a prisão preventiva se mantém.
O código estabelece também os momentos processuais que ao tornarem-se definitivos levam à extinção das medidas de coacção, determinando a sua imediata cessação com o arquivamento do inquérito, caso não seja requerida a instrução, com o trânsito em julgado quer do despacho de não pronúncia, quer do despacho que rejeitar a acusação, com a sentença absolutória, mesmo se dela for interposto recurso, podendo as medidas ser reaplicadas em caso de condenação até ao trânsito em julgado dessa decisão e, por último, com o trânsito em julgado da sentença condenatória, caso em que, mesmo a haver recurso desta, a medida de coacção se extinguirá se a pena aplicada não for superior à prisão já sofrida.
O decurso dos prazos máximos legalmente fixados no artigo 214º do Código de Processo Penal ou da sua elevação, quando prevista, conduz também à extinção da prisão preventiva.
No caso de extinção da prisão preventiva, a consequência para a pessoa a ela sujeita é de ser posta em liberdade, podendo o juiz fixar uma das outras medidas não detentivas de liberdade, no caso de a cessação ser resultado de se terem esgotado os prazos de duração máxima de prisão preventiva.
Do regime exposto, em traços muito largos, resulta com nitidez que tanto a Constituição como a lei conceberam a prisão preventiva como uma providência cautelar - pois ela não tem carácter de pena, sendo justificada pela necessidade de garantir determinados fins -, de natureza estritamente excepcional, subsidiária, colocando na apreciação prudencial do juiz a necessidade da sua utilização, indicando todavia com muita precisão os pressupostos que deverão condicionar a respectiva decisão.
A aplicação desta medida de coacção afecta a liberdade individual que integra um dos valores fundamentais respeitantes à pessoa humana, que é, numa sociedade moderna, a verdadeira 'pedra angular' do edifício social, elemento sobre o qual se deve estruturar todo o sistema de direito, inclusive o direito criminal e processual criminal, cujo objectivo primordial não pode deixar de ser a defesa da dignidade da pessoa, salvaguardando também a liberdade e a convivência em sociedade.
Na verdade, as condutas individuais que são tipificadas penalmente são condutas que a comunidade reprova e o responsável por tais condutas tem o dever de as corrigir, ou se o não fizer, pode vir a ser obrigado a ser temporariamente afastado da vida em liberdade. Ora, se iniciado um dado processo penal, se apura que nele se pode vir a aplicar uma pena com uma certa gravidade, interessa a toda a comunidade que essa pena seja susceptível de cumprimento efectivo, sendo por isso legítimo que se possam impor, desde o início, as adequadas medidas cautelares ou de coacção, designadamente restringindo total ou parcialmente a liberdade da pessoa sujeita ao processo.
Como, porém, a prisão preventiva vai restringir a liberdade individual, há que rodear a sua aplicação de todas as garantias, estabelecendo requisitos que devem ser escrupulosamente respeitados. Se é certo que a comunidade não pode tolerar que um indivíduo utilize um bem que lhe é socialmente garantido - a liberdade - para contrariar as regras e valores dessa comunidade, não é menos certo que o recurso aos meios de cautelares e de coacção penal, nomeadamente à prisão preventiva tem de respeitar, como se afirmou antes, os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e menor intervenção possível.
Assim entendido, o regime da prisão preventiva quanto ao respectivo conceito, princípios e disciplina jurídica tem de aproximar-se do princípio da presunção de inocência do arguido, do qual os princípios constitucionais atrás referidos não são mais do que uma emanação, na vertente que apenas concebe uma limitação à liberdade do arguido antes da sentença condenatória transitada que seja socialmente necessária e de duração razoável.
6. - O princípio da presunção de inocência
A Constituição, ao mesmo tempo que prevê e regula com rigor os princípios que regem a prisão preventiva, não deixa de proclamar também, no âmbito das garantias do processo criminal, o princípio da presunção da inocência do arguido. Fá-lo no nº 2 do artigo 32º, nos seguintes termos:
'Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa'.
Gomes Canotilho e Vital Moreira (in 'Constituição da República Português Anotada', 3ª Edição revista, Coimbra Editora, 1993, pág.
203) escrevem acerca deste princípio que integra o estatuto jurídico do arguido:
'Não é fácil determinar o sentido do princípio da presunção de inocência do arguido (nº2). Considerado em todo o seu rigor verbal, o princípio poderia levar
à própria proibição de antecipação de medidas de investigação e cautelares
(inconstitucionalizando a instrução criminal, em si mesma) e à proibição de suspeitas sobre a culpabilidade (o que equivaleria à impossibilidade de valorização das provas e aplicação e interpretação das normas criminais pelo juiz). Como conteúdo adequado do princípio apontar-se-á:(a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do arguido;(b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo;(c) exclusão da fixação da culpa em despachos de arquivamento;(d) não incidência de custas sobre o arguido não condenado; (e) a proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cfr. AcTC nº198/90); (f) a proibição de efeitos automáticos da instauração do procedimento criminal'.
Assim, o conteúdo do princípio da presunção de inocência traduz-se desde logo em que nenhuma pessoa pode ser criminalmente perseguida, a não ser nos casos previamente estabelecidos na lei e segundo formas processuais ali prescritas, não podendo ser submetido a julgamento sem ter sido previamente citado e ouvido, sendo todo o arguido considerado inocente enquanto não for condenado por sentença transitada em julgado.
Não se limita, porém, a estes aspectos o conteúdo de tal princípio; de facto, é-lhe também atribuído um importante relevo no que se refere à apreciação da prova em processo penal, o que o aproxima do princípio
«in dubio por reo». Na verdade, num sistema jurídico influenciado pelo princípio da investigação a cargo do tribunal, não sendo possível formar-se uma convicção firme sobre todo e cada um dos factos relevantes para a decisão, criando-se sobre a sua certeza ou realidade uma «dúvida razoável», então tais factos não podem considerar-se como provados, resultando do referido princípio que o tribunal sobre o qual recai o dever de reunir todas as provas indispensáveis para a decisão deve pronunciar-se em sentido favorável ao acusado sempre que não puder formular um juízo de certeza sobre os factos decisivos para a resolução da causa.
De qualquer modo, o entendimento a dar ao princípio da presunção de inocência do arguido não pode ir tão longe que dele se faça resultar a ilegitimidade da utilização dos meios de coacção ou cautelares, como a prisão preventiva, incidentes sobre a sua pessoa.
Com efeito, se é certo que a prisão preventiva leva à privação da liberdade do arguido, privação esta tanto mais delicada porquanto ocorre, em geral, num momento em que o indivíduo não foi sentenciado criminalmente, embora exista um juízo de fortes suspeitas de culpa, que se concretiza, em regra, no despacho de pronúncia, não pode deixar de se considerar aquela privação da liberdade como justificada para salvaguarda da própria sociedade e dos valores essenciais por que se rege.
Assim, a compatibilização entre a aplicação e utilização da medida cautelar de prisão preventiva e o respeito pelo direito fundamental à liberdade por forma a realizar o princípio de justiça que informa qualquer Estado de direito não pode deixar de assentar no respeito pelos princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, os quais se articulam com o princípio da presunção de inocência, na medida em que deste há-de decorrer a imposição de realização do julgamento em prazo razoável e de a medida (prisão) corresponder à finalidade e às circunstâncias factuais constantes do processo, pois uma medida desproporcionada ou irrazoável não seria propriamente cautelar, mas sempre teria um carácter punitivo quanto ao excesso.
7. - Voltando, agora, de novo, ao caso dos autos, vem questionada a interpretação feita da norma do artigo 214º, nº 1, alínea d), do CPP, segundo a qual as medidas de coacção se extinguem de imediato com o trânsito em julgado da decisão condenatória. O acórdão do STJ, em recurso, interpretou essa norma como dela derivando que ocorre o trânsito, embora sujeito a condição resolutiva, quando o STJ conhece do mérito do recurso interposto do acórdão do tribunal colectivo, quando dessa decisão haja sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
Sendo certo que, como consta do Acórdão nº 116/96 que decidiu a questão prévia suscitada nos autos, o acórdão do STJ que conheceu do mérito e condenou o ora recorrente em pena de prisão já transitou em julgado com o trânsito do Acórdão deste Tribunal nº 361/95 (in 'Diário da República', 2ª série, de 20 de Novembro de 1995), não é menos certo que quando o recorrente interpôs o presente recurso tal decisão condenatória não era ainda definitiva devido justamente à interposição do recurso de constitucionalidade. Daí que a questão prévia suscitada pelo Ministério Público tenha sido indeferida por 'não poder deixar de configurar-se, em abstracto, o interesse do recorrente - no caso de proceder o presente recurso - em demandar o Estado em acção de responsabilidade civil para obter o ressarcimento dos danos causados por uma situação de prisão ilegal, nos termos dos artºs 27º, nº5 da Constituição e 225º do Código de Processo Penal' (cfr. Acórdão nº 116/96, de 6 de Fevereiro de 1996, ainda inédito).
Seja como for, importa saber se a interpretação feita pelo STJ, na decisão proferida no presente procedimento de «habeas corpus', da norma do artigo 214º, nº1, alínea e), viola ou não os artigos 27º, nºs 2 e 3,
28º, nº 4, alínea a), 32º, nº2, 212º, nº 1, 223º, 225º, nº 1 e 280º, todos da Constituição.
Segundo o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso de constitucionalidade não tem a natureza de recurso ordinário nem respeita directamente à decisão que, conhecendo do mérito da causa, ordenou e manteve a prisão do ora recorrente, pois é um recurso restrito à matéria de constitucionalidade, não se traduzindo numa declaração de nulidade do acórdão recorrido, pelo que, interposto um tal recurso, 'o arguido deixa de se encontrar em prisão preventiva e passa a estar em situação análoga à de cumprimento de pena'; assim, porque não havia que inquirir se estavam esgotados os prazos de prisão preventiva na data da decisão, o pedido de «habeas corpus» foi indeferido.
A prisão preventiva, enquanto medida cautelar ou de coacção está sujeita à sua imediata extinção com o trânsito em julgado da sentença condenatória. Esta sentença é o meio constitucionalmente adequado através do qual é legítimo decidir-se a privação total ou parcial da liberdade de qualquer indivíduo desde que este tenha praticado um acto previamente punido pela lei com pena de prisão.
O efeito extintivo da prisão preventiva só ocorre com o trânsito em julgado da decisão condenatória, isto é, quando a sentença já não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, ou quando tiverem decorrido os prazos máximos da sua duração, legalmente previstos (Artº 215º, nº1, do C.P.P.).
Diferentemente do que se sustenta no acórdão recorrido, o recurso de constitucionalidade, no domínio da fiscalização concreta (art. 280º da Constituição; art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional), não pode qualificar-se como uma modalidade de recurso extraordinário. De facto, e nos termos da sua regulamentação constitucional e legal, ele tem de ser interposto no prazo legal, antes do trânsito em julgado da decisão recorrida. Por outro lado, sendo o Tribunal Constitucional, nos termos do art. 223º da Constituição,
'o tribunal ao qual compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional', daí decorre que o mesmo não é um 'corpo estranho', com uma diferente natureza, no conjunto dos tribunais das diferentes ordens, razão por que a própria Constituição tem o cuidado de ressalvar as suas competências quando se refere á posição hierárquica do Supremo Tribunal de Justiça na ordem dos tribunais judiciais: 'o Supremo Tribunal de Justiça é o
órgão superior da hierarquia dos tribunais judiciais, sem prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional' (art. 212º, nº 1). E o mesmo vale para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), na respectiva ordem, como decorre do artigo 214º, nº 1, da Constituição. Em comentário ao artigo 212º, nº
1, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira que 'o STJ não é a última instância de recurso em sede de juízo da questão de constitucionalidade (ou de questões de legalidade constitucionalmente equiparadas), já que as suas decisões (e as de qualquer outro tribunal judicial) são passíveis de recurso (por vezes, obrigatório) para o Tribunal Constitucional, no caso de julgarem no sentido da inconstitucionalidade (ou ilegalidade) de uma norma, bem como no caso de aplicarem qualquer norma anteriormente julgada inconstitucional (ou ilegal), pelo TC, ou norma cuja inconstitucionalidade (ou ilegalidade) haja sido suscitada no processo (cfr. arts. 207º e 280º). Daí a ressalva da parte final do nº 1 '(Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 810; para o STA, ver pág. 814).
Acresce que a circunstância de a decisão do Tribunal Constitucional ter, no caso de o recurso de constitucionalidade ser procedente, uma mera eficácia revogatória (artº 8º, nºs 1 e 3, da Lei do Tribunal Constitucional) não implica a natureza 'extraordinária' daquele recurso. De facto, nem sempre as decisões dos Tribunais superiores se substituem às dos tribunais hierarquicamente subordinados, estando previstos casos no processo civil em que, sem haver anulação da decisão recorrida, se ordena que a mesma seja reformada pelo tribunal a quo (bastará recordar, como exemplo, o previsto nos arts. 729º, nº 3, e 730º, nº 1, do Código de Processo Civil).
E que é assim - que o recurso para o Tribunal Constitucional é um recurso não extraordinário que impede o trânsito em julgado da decisão do Supremo Tribunal de Justiça - confirma-o o legislador no Código de Processo Penal de 1987 prevendo, no nº 4 do art. 215º, que os prazos referidos nas alíneas c) e d) do nº 1, bem como os correspondentes prazos referidos nos nºs 2 e 3, 'são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional'. Resulta assim do que se dispõe no Código que os prazos de duração máxima da prisão preventiva referidos nas alíneas c) e d) do nº1, bem como os referidos nos nºs 2 e 3, são acrescentados de seis meses se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional ou se o processo penal tiver sido suspenso para julgamento em outro tribunal, de questão prejudicial.
Consequentemente, e em termos que nem a própria decisão chega a recusar, pelo menos nos seis meses subsequentes à interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, a prisão preventiva não só não cessa, como vê o respectivo prazo máximo aplicável ser dilatado nessa medida, não podendo por isso falar-se, em tal caso, de extinção imediata da medida de coacção.
De tudo o que fica exposto se concluirá que a norma do art. 214º, nº 1, alínea e) do Código de Processo Penal, na interpretação acolhida pelo acórdão recorrido nos termos indicados no Acórdão nº 116/96, transitado em julgado, viola o disposto não só nos arts. 223º, 225º, nº 1, e
280º, nºs. 1 e 6, da Constituição, conjugados com a parte final do nº 1 do art.
212º do mesmo diploma, mas ainda o nº 4 do art. 28º da Constituição, na medida em que, na tese do acórdão recorrido, sempre seria irrelevante que o Tribunal Constitucional decidisse ou não o recurso de constitucionalidade, quando haja arguidos presos, no prazo suplementar de seis meses concedido pelo nº 4 do art.
215º do Código Penal.
Tanto bastaria para concluir pela improcedência da posição assumida na decisão recorrida.
Mas tal posição também se não pode manter, se se atentar numa outra perspectiva da questão.
É que o princípio constitucional da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença condenatória é um direito e uma garantia fundamental do mesmo, não se compadecendo com qualquer interpretação mais ou menos gradualista de tal presunção, de tal modo que essa presunção se iria relativizando conforme a fase processual que se fosse atingindo, esbatendo-se até desaparecer com a decisão condenatória do STJ, mesmo que esta decisão estivesse ainda sujeita a ser reformulada em consequência de recurso para o Tribunal Constitucional.
Acresce que, a não se entender assim, então a prisão preventiva enquanto medida cautelar com as finalidades e as condições de aplicação referidas vê desvirtuados tais elementos, na medida em que passa a ser
'expiação antecipada da pena' ou mesmo já cumprimento da pena, o que é inadmissível face ao regime constitucional da prisão preventiva, pois representa uma perversão da função processual e do carácter excepcional e subsidiário da prisão preventiva.
Por outro lado, independentemente de qual seja, para efeitos de ordenação processual, a natureza do recurso de constitucionalidade, o certo é que interposto de decisão condenatória penal do STJ recurso para o Tribunal Constitucional, a decisão recorrida sempre pode vir a ser reformulada, podendo inclusivamente vir a ser necessário fazer a reapreciação global do caso
(v.g., no caso de vir a ser julgada inconstitucional uma norma incriminatória).
A prisão preventiva é uma restrição justificada pela gravidade dos factos praticados e pelo interesse da comunidade na sua perseguição. Assim, considerar o arguido em 'situação análoga à de cumprimento de pena' após decisão condenatória do STJ em que tenha havido recurso de constitucionalidade, é, afinal, assimilar institutos que têm natureza jurídica diversa, diferentes objectivos e diversa função, é fazer uma aplicação ou utilização inadequada, desnecessária e gravosamente restritiva do princípio da presunção de inocência, o que torna tal interpretação normativa dos artigos questionados violadora de tal princípio constitucional.
É, assim, também violadora do artigo 32º, nº 2, da Constituição, a interpretação da norma do artigo 214º, nº1, alínea e), do Código de Processo Penal, pela qual a decisão condenatória penal do Supremo Tribunal de Justiça, ao conhecer do mérito do recurso interposto de acórdão do tribunal colectivo ou de júri, transita em julgado, ainda que sujeita a condição resolutiva por dela ter sido interposto recurso de constitucionalidade.
III - DECISÃO:
Nos termos expostos, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao recurso por julgar inconstitucional a norma da alínea e) do nº 1 do artigo 214º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de que ocorre o trânsito em julgado, embora sujeito a condição resolutiva, logo que
é proferida decisão condenatória pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao conhecer do mérito do recurso interposto do tribunal colectivo ou de júri, quando dessa decisão haja sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional, admitido com efeito suspensivo, por violação das normas dos artigos 223º, 225º, nº 1, e
280º, nºs 1 e 6, conjugados com a parte final do nº 1 do artigo 212º, 28º, nº 4 e 32º, nº 2, todos da Constituição.
Lisboa, 20 de Novembro de 1996 Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa