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Processo n.º 263/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
Relatório
O arguido A. foi pronunciado pelo Tribunal de Instrução Criminal de Évora, por decisão proferida em 2 de dezembro de 2011, pela prática de 117 crimes de peculato e 90 crimes de peculato de uso, previsto e punido pelos artigos 1.º, 2.º, 3.º, n.º 1, alínea i), 20.º, n.º 1, e 29.º, alínea f), da Lei n.º 34/87, de 16 de julho.
O arguido recorreu desta decisão na parte em que indeferiu a arguição da nulidade da apreensão de correspondência e posterior perícia que sobre ela incidiu.
Foi proferido despacho em 17 de fevereiro de 2012 pelo Tribunal de Instrução Criminal de Évora de não admissão do recurso.
O arguido reclamou desta decisão para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora que, por despacho de 15 de março de 2012, indeferiu a reclamação.
O arguido recorreu então para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da interpretação do artigo 310.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Penal, na sua redação atual, no sentido de não permitir recurso do despacho de pronúncia quando ele indefira a arguição de nulidade de prova.
Foi proferida decisão sumária que julgou improcedente o recurso, com a seguinte fundamentação:
«A questão de constitucionalidade colocada pelo Recorrente já foi objeto de anteriores decisões do Tribunal Constitucional, quer relativamente a anteriores redações do artigo 310.º, do Código de Processo Penal, quer já sobre a mais recente redação deste preceito, as quais concluíram pela não inconstitucionalidade da solução da irrecorribilidade do despacho de pronúncia na parte em que decide sobre questões prévias ou incidentais, designadamente sobre a arguição de nulidade de provas. Assim o fizeram os Acórdãos n.º 216/99, 387/99, e já na atual redação do artigo 310.º, do Código de Processo Penal, os Acórdãos n.º 477/11 e 146/12 (acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Aderindo inteiramente aos fundamentos constantes destes arestos, deve o recurso ser julgado improcedente, proferindo-se decisão sumária nesse sentido, atenta a simplicidade da questão a dirimir, devido à existência de antecedentes jurisprudenciais, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.»
O Recorrente reclamou desta decisão com os seguintes fundamentos:
«A., recorrente nos autos acima e à margem identificados, notificado da decisão sumária proferida pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator que decidiu, nos termos do artigo 78.º, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional, de imediato julgar improcedente o recurso interposto,
Vem nos termos do n.º 3 do referido artigo, reclamar para a conferência, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
1. Decidiu o Exmo. Juiz Conselheiro Relator julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido estribando-se no facto de haver jurisprudência sobre a matéria que concluiu “pela não inconstitucionalidade da solução da irrecorribilidade do despacho de pronúncia na parte em que decide sobre questões prévias ou incidentais, designadamente sobre a arguição da nulidade de provas.”.
2. Com o devido respeito, que é muito, o que o recorrente suscitou em matéria de constitucionalidade aquando do seu requerimento de recurso para o Tribunal da Relação de Évora e posteriormente por intermédio de reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Évora, foi a questão de ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação do artigo 310.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, na sua redação atual, quando interpretada no sentido de não permitir recurso do despacho de pronúncia quando nele não se exclua prova proibida, conforme nulidade de valoração de prova proibida invocada pelo arguido no requerimento de abertura de instrução.
3. Salvo o devido respeito, a jurisprudência existente e citada sobre a matéria da irrecorribilidade do despacho de pronúncia na parte em que decide sobre questões prévias ou incidentais, refere-se apenas à nulidade de provas.
4. Porém, a questão suscitada pelo arguido vai além da mera nulidade da prova, entrando no regime de proibições de obtenção/valoração de uma prova proibida, regime com autonomia dogmática face à obtenção de provas permitidas, mas alcançadas sem observância das respetivas formalidades legais (“simples” nulidade).
5. Havendo que distinguir entre a proibição de prova, determinante da sua inutilidade processual, nos termos do art. 126º do Código de Processo Penal, e a nulidade da própria prova, por inobservância de um seu requisito formal, sujeita, ela sim, ao regime das nulidades processuais.
6. Salvo o devido respeito, não deve merecer acolhimento a equiparação que se possa fazer relativamente à “simples” nulidade de prova e a proibição de obtenção/valoração de uma prova proibida.
7. Mostra-se contrário às garantias de defesa do arguido em processo penal que, arguida uma proibição de prova no requerimento de abertura de instrução pelo arguido, peça processual que sucedeu à acusação, e sendo decidida tal questão apenas na decisão instrutória, por via de uma interpretação restritiva do artigo 310.º, n.º 1 e 2 do CPP, se considere irrecorrível o segmento decisório que versa sobre tal questão.
8. A ser assim, qualquer questão suscitada pelo arguido no requerimento de abertura de instrução e que não seja alvo de despacho autónomo no decurso da instrução, conduzirá automaticamente à insindicância recursiva de tal questão, mesmo quando a questão se revela em termos de poder inutilizar prova e inutilizar todos os atos posteriores.
9. Mas mais, a ser este o entendimento a seguir, o Juiz de Instrução, sempre relegaria para a decisão instrutória as questões mais controversas, garantindo que desta forma não seria questionada a sua decisão por via recurso.
10. O entendimento exarado pelo Tribunal de Instrução de Évora, pelo S. Presidente da Relação de Évora e pelo Exmo. Juiz Conselheiro Relator do artigo 310.º. n.º 1 e 2 do CPP, é inconstitucional na medida em que determina uma redução das garantias de defesa, nomeadamente do direito ao recurso, prejudicando a situação processual do arguido, garantias plasmadas no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
11. A pretensão do legislador aquando da última alteração legislativa, de “promover a aceleração das fases preliminares” (Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X-02, que originou a Lei n.º 48/2007), não pode ser conseguida à custa de uma compressão das garantias de defesa do arguido e tal circunstância visa, de sobremaneira, esvaziar de conteúdo prático a fase processual da instrução, ademais tal situação (de celeridade) é incoerente quando se prescreve que as decisões sobre nulidades de prova não formam caso julgado.
12. A ser assim, por estratégia processual, o arguido, - no que diz respeito a proibições de prova que, como é consabido, apenas com o trânsito em julgado da decisão se consideram sanadas, apenas arguiria as mesmas na última fase processual, eventualmente em julgamento, inutilizando-se, - pense-se nos casos em que toda a prova é proibida ou é afetada pelo chamado “efeito à distância” todos os atos processados pondo-se em causa a própria submissão do arguido a julgamento, o que com a fase de instrução se pretende.
13. Assim, arguindo-se nulidades por valoração de prova proibida as mesmas devem ser desde logo decididas e possibilitada “uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal”[1], o de direito ao recurso!
14. A interpretação efetuada pelo arguido do artigo 310.º do CPP, de que apenas será irrecorrível o despacho de pronúncia por intermédio do qual se exclua, por se entender proibida prova, mas não o despacho de pronúncia que não exclua essa mesma prova proibida, é a única que confere ao arguido a extensão das suas garantias processuais penais.
15. Com efeito, o facto de se admitir que, no que diz respeito à não exclusão de provas se não formar caso julgado formal, uma vez que nos termos do n.º 2, do artigo 310.º, não se retira a possibilidade ao tribunal de julgamento a possibilidade de excluir prova, não significa daqui necessariamente que é retirada a possibilidade de recurso imediato ao arguido.
16. Este n.º 2 é apenas uma norma confirmativa que, no que diz respeito a proibição de provas, confirma a autonomia técnica das proibições, tal como estabelecido no artigo 118.º, n.º 3, que estabelece de forma expressa, que “as disposições do presente título não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova”. “Ou seja, que as regras gerais sobre as nulidades processuais penais não se aplicam às proibições de prova”[2].
Termos em que deve a conferência ou o pleno da secção decidir que deve conhecer-se do objeto do recurso ordenando-se o respetivo prosseguimento, notificando-se assim o recorrente para apresentar alegações.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
A questão que o Recorrente pretende que o tribunal aprecie já foi objeto de julgamento pelo Tribunal Constitucional em múltiplos recursos, tendo sempre sido julgado não inconstitucional o preceito legal questionado.
Encontrando-se tal questão suficientemente debatida nos respetivos acórdãos, que se encontram mencionados na decisão reclamada, é suficiente a remissão para a sua fundamentação para que se compreendam as razões que justificam o julgamento proferido.
Entende, no entanto, o Recorrente que tendo questionado uma específica dimensão normativa do artigo 310.º do CPP, não deveria ter sido convocada a anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Contudo, não lhe assiste razão.
Com efeito, foi tendo em atenção a interpretação normativa arguida de inconstitucional pelo recorrente que se entendeu ser aplicável, no caso, a anterior jurisprudência deste Tribunal, a qual se aplica à questão da irrecorribilidade do despacho de pronúncia quando indefere a arguição de qualquer nulidade da prova, independentemente do fundamento de tal nulidade.
Assim, deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada por A..
Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 23 de maio de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.
[1] Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 265/94
[2] Correia, João Conde, “Contributo para a análise da inexistência e das nulidades processuais penais”, Studia luridica, 44, pp. 156 e ss.»
http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/acordaos/20120265.html ]