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Processo n.º 267/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No processo n.º 3722/08.0TDLSB, do 4.º Juízo de Instrução Criminal de Lisboa, foi proferido em 13 de setembro de 2011 despacho de não pronúncia do arguido A..
O Assistente, B., recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por decisão sumária do Desembargador Relator, proferida em 16 de dezembro de 2011, rejeitou o recurso.
Após reclamação deduzida pelo Assistente, foi proferido Acórdão em 6 de março de 2012 que confirmou a decisão sumária.
O Assistente recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, b), da LTC, pedindo a fiscalização da constitucionalidade do entendimento lógico-normativo dos artigos 57.º, n.º 1, 289.º, n.º 1 e 379.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal, deles extraindo um preceito legal contrário ao artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, na metodologia de estimativa dos indícios da prática dos crimes em coautoria material, p.p. pelos artigos 378º e 382.º, do Código de Processo Penal, o problema da instrumentalização má-fé do processo disciplinar castrense contra a livre advocacia de defesa de um militar da GNR, por um outro ex-militar, mas agora advogado inscrito na Ordem dos Advogados, visado este de retaliação, no âmbito e alcance do procedimento que, em concreto, capeou as atuações dos arguidos submetidas ao crivo criminal.”
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas (hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Ora, o Recorrente não pretende que seja verificada a constitucionalidade de qualquer critério normativo de cariz geral e abstrato de que o tribunal recorrido se tenha servido, mas antes do juízo efetuado por esse tribunal de verificação da existência de indícios suficientes para a sujeição do arguido a julgamento, ou seja do sentido da própria decisão recorrida
Não tendo o objeto do recurso um cariz normativo não pode o Tribunal Constitucional dele conhecer, atentas as suas competências, pelo que deve ser proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.
O Recorrente reclamou desta decisão nos seguintes termos:
1. Consta no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, ao contrário do que ficou consignado no relatório da decisão sumária: «... vem ... interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos art.ºs 70.º/1/b e 71.º, 72.º/1/b/2 da Lei 28/82, 15/11, para julgamento da questão de constitucionalidade alegada (e transcrita no relatório da decisão recorrida nos pontos 2.7, 2.8 e 2.9) e que consiste em o Tribunal da Relação ter confirmado um entendimento lógico-normativo dos art.ºs 57.º/1, 289.º/1 e 379.º/1/c CPP, deles extraindo um preceito legal contrário ao art.º 20.º/4 CRP, posto entre parêntesis, na metodologia de estimativa dos indícios da prática dos crimes em coautoria material p.p. art.ºs 378.º e 382.º CP, o problema da instrumentalização de má fé do processo disciplinar castrense, contra a livre advocacia de defesa de um militar da GNR, por um outro ex militar, mas, agora, advogado inscrito na Ordem dos Advogados, visado, este, de retaliação, no âmbito e alcance do procedimento que, em concreto, capeou as atuações dos arguidos (submetidas ao crivo criminal).
2. Está, sem dúvida, enunciada e defendida, utilizando o expressivo despacho sumário (com que o recorrente não concorda, nem nunca concordará), uma pretensão de ser «verificada a constitucionalidade de [um] critério normativo de cariz geral e abstrato de que o tribunal recorrido [se serviu]».
3. Com efeito, a controvérsia situa-se em torno da ilicitude constitucional da invocação contra alguém de uma responsabilidade disciplinar militar, quando, como advogado e militar reformado, defende outro militar da GNR.
4. O recorrente argumenta que este pressuposto normativo (de presença e presidência necessária do juízo de indiciação) deve prevalecer contra o pressuposto normativo contrário, de que arrancou a confirmação pela 2ª Instância do despacho de não pronúncia, elidido, ou dito de outro modo, completamente rasurado, o problema da manipulação disciplinar.
5. Com efeito, os arguidos não foram pronunciados com o argumento de terem autorização legal formal para notificarem o advogado da abertura do pré existente processo disciplinar em causa, invadindo o seu escritório.
6. Não se trata, pois, desta maneira, «da crítica do juízo efetuado pelo tribunal, de verificação da existência de indícios suficientes para a sujeição do arguido a julgamento, ou seja, do sentido da própria decisão recorrida», mas, antes, do suposto negativo de que partiu para decidir, na finalização, pela não pronúncia (acrítico da natureza e fundamento inconstitucional da instauração, em si mesma, do processo disciplinar contra o visado).
7. Ocultar esta crise do ordenamento constitucional e que co-honesta, enfim, a irregularidade do comando disciplinar militar contra o institucionalismo da defesa dos próprios militares, «é nada ver das coisas, embora com os olhos abertos».
8. O recorrente, aliás, não se conformará com a passagem em branco deste atentado contra os direitos humanos dos militares e, por isso, ponderará muito seriamente recorrer, por fim, ao TEDH … onde a justiça portuguesa é cronicamente desfeiteada, por desatenção persistente.
O Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Fundamentação
O Recorrente alega que, contrariamente ao referido na decisão reclamada, não imputou a inconstitucionalidade à própria decisão recorrida, mas sim a um critério normativo de cariz geral e abstrato de que a decisão recorrida de socorreu na sua fundamentação.
No requerimento de interposição de recurso, o Recorrente limitou-se a dizer que pretendia que se fiscalizasse o facto do “… Tribunal da Relação ter confirmado um entendimento lógico-normativo dos art.ºs 57.º/1, 289.º/1 e 379.º/1/c CPP, deles extraindo um preceito legal contrário ao art.º 20.º/4 CRP, posto entre parêntesis, na metodologia de estimativa dos indícios da prática dos crimes em coautoria material p.p. art.ºs 378.º e 382.º CP, o problema da instrumentalização de má fé do processo disciplinar castrense, contra a livre advocacia de defesa de um militar da GNR, por um outro ex militar, mas, agora, advogado inscrito na Ordem dos Advogados, visado, este, de retaliação, no âmbito e alcance do procedimento que, em concreto, capeou as atuações dos arguidos (submetidas ao crivo criminal).”
Ora, desta confusa enunciação evidencia-se que o Recorrente não autonomizou qualquer critério normativo, adotado pela decisão recorrida, cuja constitucionalidade impugnasse. Do transcrito excerto apenas resulta que o que se quis verdadeiramente acusar de violar princípios constitucionais foi o sentido da própria decisão de não pronúncia, ao não se reconhecer a existência de indícios da prática de um crime.
Por isso deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto, indefere-se a reclamação deduzida por B..
Custas pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 23 de maio de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.