Imprimir acórdão
Processo nº 666/95
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1.- Pelo acórdão nº 1164/96, de 19 de Novembro de 1996, deste Tribunal, negou-se provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, por M..., condenada pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº
15/93, de 22 de Janeiro, na 8ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa. Inconformada, recorrera a arguida, oportunamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, suscitando a questão de constitucionalidade das normas dos artigos 127º, 410º e
433º do Código de Processo Penal que, em sua tese, violam o disposto no artigo
32º da Constituição da República.
Como o Supremo Tribunal de Justiça tivesse negado provimento ao recurso, dirigiu-se a interessada ao Tribunal Constitucional, ao abrigo da disposição legal citada sem, no entanto, lograr vencimento.
2.- Pretende-se, agora, de acordo com a alínea a) do artigo
669º do Código de Processo Civil - aplicável ex vi do artigo 69º da Lei nº 28/82
- se esclareça o acórdão, nos termos que se passam a transcrever:
'A fls. 11 do Acórdão lê-se '...o sistema de revista ampliada instituído pelo Cod. Proc. Penal de 1987 deve considerar-se como um desses sistemas constitucionalmente compatíveis, pois que protege o arguido dos perigos de um erro de julgamento (designadamente de erro grosseiro na decisão da matéria de facto) assim o defendendo do risco de uma sentença injusta'.
Como pode um sistema de revista ampliado proteger a arguida dos perigos de erro de julgamento, designadamente erro grosseiro?
O art. 410 do CPP é bem claro ao afirmar que esse erro tem de resultar do texto decisório.
Ora, como pode o Tribunal superior verificar se houve erro no julgamento, se de facto a prova não foi registada, e mesmo quando registada, está vedado ao STJ o pronunciar-se sobre a mesma, mas tão só e somente sobre o texto decisório?
O Tribunal pode dar determinado facto como Provado ou não Provado, e indicar os meios de prova, sem incorrer em nulidade alguma, art 374-2 do CPP,
(aliás fá-lo sempre de forma tão sintética, que tal vício é difícil) e contudo conter uma injustiça que só pela audição das gravações ou consulta do processo se poderá constatar.
Pelo que se requer a V.Exas. a aclaração do Acórdão neste aspecto, pois no entendimento do legislador o conhecimento da matéria de facto está vedado ao tribunal superior.
Não esclarece o Tribunal no seu douto Aresto como pode o Tribunal e de acordo com a questão posta pela recorrente a fls. 5 e 6 das suas alegações reapreciar o 'caso' sobre o aspecto fáctico com a limitação do art 410-2 do CPP.
Isto é, o Tribunal superior não pode ao abrigo deste preceito manifestar convicção diversa do Tribunal 'a quo' face ao material probatório, mas tão é só corrigir qualquer vício cometido por aquele Tribunal nos termos do art 410 do Cód. P.P., apesar de face aos elementos probatórios entender que se verifica situação diversa, nomeadamente de Absolvição, malgrado o Tribunal 'a quo' tenha condenado.
Mais concretamente e no entendimento que salvo o devido respeito se propõe, o Tribunal está impedido de tomar qualquer decisão em contrário, em virtude de se não verificar nenhuma das situações previstas no art 410 do CPP,
pelo que se requer o Aclaramento desta questão nomeadamente como é que pode ser afastada a dependência de cada Tribunal perante os restantes?
A fls. 16 do Acórdão lê-se:
'O legislador impõe ao julgador, na verdade, que motive as suas decisões em matéria de facto - art 374-2 do CPP'.
Todavia essa motivação é de tal forma genérica e sintética que não permite a fiscalização ao Tribunal superior da forma como a prova foi apreciada e que fundamenta tal motivação, pelo que se requer a este Colendo. Tribunal, com a devida vénia, aclare o vertido neste sentido a fls. 16 do seu Acórdão.
Mais se requer que se digne esclarecer 'como é que a articulação do disposto no art 127 com o nº 2 do art 410 do CPP observável mercê do art 433 do CPP pressupõe um mecanismo articulado de controlo', se a sua aplicação põe em causa a presunção de Inocência da arguida e a independência de um tribunal perante os restantes.
Pois que, as regras da experiência são variáveis de pessoa para pessoa, não só tendo em conta a idade, sexo, vivência, carácter, e a personalidade, magistrados em início de carreira e de um Tribunal Superior como
é o Supremo.
Se o Supremo Tribunal não pode corrigir aquilo que ele próprio segundo a sua convicção considera erro na apreciação de prova, pois que não existe erro notório, temos que ser levados a concluir salvo o devido respeito que o STJ está subordinado à primeira instância.
E em consequência a presunção de Inocência do arguido é substituída pela 'presunção de legalidade da decisão do Tribunal de 1ª instância ao invés do preceituado no nº 2 do art 32 da CRP, que impõe que em caso de dúvida na questão de prova seja aplicada, o princípio In Dubio Pro Reo, também este totalmente vedado à cognição e apreciação do STJ.
O douto e Colendo Tribunal Constitucional não se pronunciou sobre o vertido a fls. 8 e 9 das alegações da Recorrente mais concretamente sobre a interpretação/valoração dos elementos de facto provados em audiência nomeadamente sobre a voluntariedade da conduta e a de praticar o crime.
Sobre o conteúdo do documento do JRS que afasta qualquer opinião subjectiva e se traduz num documento cuja genuinidade não foi posta em causa.
Também este Tribunal se não pronunciou sobre a questão do Dolo e da Culpa no caso concreto e em que o art 127 do CPP ao ser aplicado na aferição daqueles patenteiam de forma evidente a sua inconstitucionalidade.'
O Ministério Público, notificado, pronunciou-se no sentido da improcedência do pedido de aclaração, por falta de fundamento, mais não pretendendo a requerente, em desvio da normal finalidade do meio processual previsto na alínea a) do artigo 669º do CPC, senão que o Tribunal se repronuncie sobre a matéria, do mesmo passo removendo-lhe 'as dúvidas puramente subjectivas que a recorrente persiste em afirmar'.
3.- Decidindo.
Uma vez proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, só lhe sendo lícito rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la quanto a custas e multa (cfr. os nºs 1 e 2 do artigo 666º do CPC).
Ora, não pode a parte recorrer ao expediente previsto na alínea a) do artigo 669º para, desse modo, obter modificação do julgado.
Com efeito, através do mecanismo previsto neste preceito requere-se o esclarecimento de alguma obscuridade da sentença ou de ambiguidade que ela contenha.
Como observa Alberto dos Reis, no primeiro caso não se sabe o que o juiz quer dizer e no segundo hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. A ambiguidade constitui, aliás, uma forma especial de obscuridade, pois que se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 1981, vol. V, pág. 151; entre outros, os acórdãos deste Tribunal nºs. 1086/96 e 1107/96, ainda inéditos).
No presente incidente de aclaração, tendo em conta o exposto, ou se (re)colocam dúvidas na interpretação normativa adoptada, ou se desenvolvem novos argumentos que se têm por favoráveis à tese da recorrente, ou, inclusivamente, se alegam eventuais omissões de pronúncia, sempre na perspectiva da recorrente: a transcrição do requerido fez-se na íntegra para melhor e mais facilmente se comprovar que assim é.
No entanto, não está em causa nenhum aspecto pontual do acórdão que tenha sido considerado não intelegível ou, de qualquer forma, obscuro.
4.- Nestes termos, decide-se desatender o pedido de aclaração e condena-se a requerente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 8 (oito) unidades de conta.
Lisboa, 23 de Janeiro de 1997 Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz José Manuel Cardoso da Costa