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Proc. nº 619/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. O Ministério Público intentou, em 13 de Outubro de 1983, no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, acção ordinária, nos termos do nº 4 do artigo 10º, do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, contra o Sindicato T..., pedindo a declaração judicial da extinção da associação sindical, porquanto, em assembleia geral extraordinária, realizada em 8 de Maio de 1983, foram aprovadas alterações aos estatutos que contêm disposições que violam normas imperativas, nomeadamente as contidas nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 175º do Código Civil.
O juiz da Comarca de Viseu, por sentença de 15 de Maio de 1996, recusou a aplicação das normas contidas no artigo 175º, nºs 2, 3 e 4, do Código Civil, quando aplicadas às associações sindicais, com fundamento em inconstitucionalidade, tendo, em consequência, absolvido o réu.
2. O Ministério Público interpôs recurso de constitucio-nalidade da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu de 15 de Maio de 1996, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº
1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade
à Constituição das normas contidas no artigo 175º, nºs 2, 3 e 4, do Código Civil, quando aplicadas às associações sindicais.
Só o recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
'1º - A lei ordinária apenas pode estabelecer limites à liberdade de organização interna dos sindicatos que sejam necessários para assegurar os princípios da organização e da gestão democráticas e que se mostrem adequados e proporcionados a garantir esses princípios.
2º - São inconstitucionais as normas constantes dos nºs
2, 3 e 4 do artigo 175º do Código Civil, enquanto interpretadas em termos de vincularem e serem aplicadas aos estatutos aprovados pelas associações sindicais, por violação ao princípio constitucional da liberdade sindical, expresso no artigo 55º da Lei Fundamental.'
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
4. Constituem objecto do presente recurso de constitu-cionalidade as normas contidas no artigo 175º, nºs 2, 3 e 4, do Código Civil, quando aplicadas
às associações sindicais.
Entre o momento em que a acção foi instaurada pelo Ministério Público (Outubro de 1983) e o momento em que foi proferida a decisão recorrida (Maio de 1996), o Tribunal Constitucional declarou com força obrigatória geral a inconsti-tucionalidade do artigo 46º do Decreto-Lei nº 215-B/75, de 30 de Abril, na medida em que, ao remeter para o artigo 16º do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, fazia aplicar às associações sindicais o disposto no artigo 175º, nºs 2, 3 e 4 (Acórdãos nºs
64/88 e 159/88, D.R., I Série, de 18 de Abril de 1988 e de 1 de Agosto de 1988, respectivamente).
No presente caso, a decisão recorrida recusou a aplicação das normas contidas no artigo 175º, nºs 2, 3 e 4, do Código Civil às associações sindicais, não estando aqui em causa a aplicação de uma qualquer norma remissiva.
Porém, os fundamentos e o objecto da decisão dos referidos Acórdãos são totalmente transponíveis para os presentes autos.
Com efeito, no Acórdão nº 64/88, ao proceder-se à delimitação do objecto do recurso, concluiu-se o seguinte:
'Resumindo tudo o que fica dito, a questão a que se tem de responder aqui é a seguinte: é ou não conforme à Constituição a norma contida no art. 46º do Decreto-Lei nº 215-B/75 (por efeito da remissão para o art. 175º-4 do Código Civil), segundo a qual as deliberações sobre a dissolução ou prorrogação das associações sindicais requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados?'
Por outro lado, no Acórdão nº 159/88 afirmou-se o seguinte:
'Por força da norma do artigo 46º do Decreto-Lei nº 215-B/75, e, por via desta, da do artigo 16º do Decreto-Lei nº 594/74, as associações sindicais reger-se-ão pelas normas dos artigos 157º e seguintes do
Código Civil, em tudo o que não for contrário a este diploma. À sombra desta disposição têm-se aplicado às associações sindicais as normas aqui questionadas dos nºs 2 e 3 do artigo 175º do Código Civil.
Os nºs 2 e 3 deste artigo dispõem que:
2 - Salvo o disposto nos números seguintes as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes.
3 - As deliberações sobre alterações dos esta-tutos exigem voto formal de três quartos do número de associados presentes.
É indubitável que estas normas, quando aplicadas a associações sindicais, são inconstitucionais, por constituirem manifesta restrição de liberdade, da autonomia e independência sindicais, contrariando frontal-mente o disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 56º da Constituição que expressamente garante aos trabalhadores no exercício da liberdade sindical, a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais.'
Como se constata, os referidos Acórdãos, não obstante terem considerado a conformidade à Constituição de uma norma remissiva não deixaram de apreciar a constitucionalidade das normas que formavam o cerne normativo da norma remissiva, declarando a sua inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Debruçaram-se, por isso, sobre a questão de constitucionalidade ora suscitada, tendo concluído que a norma constante do artigo 46º do Decreto-Lei nº
215-B/75, de 30 de Abril, na medida em que, ao remeter para o artigo 16º do Decreto-Lei nº 594/74, de 7 de Novembro, faz aplicar às associações sindicais as normas contidas nos nºs 2, 3 e 4 do artigo 175º do Código Civil, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 56º, nº 2, alínea c), da Constituição [actualmente, artigo
55º, nº 2, alínea c)].
Assim, dever-se-á aplicar a doutrina daqueles acórdãos, concluindo que as normas contidas no artigo 175º, nºs 2, 3 e 4, do Código Civil, quando interpretadas no sentido de serem aplicáveis às associações sindicais, violam o disposto no artigo 55º, nº 2, alínea c), da Constituição, remetendo-se a fundamentação de tal decisão para os Acórdãos nºs 64/88 e 159/88.
III Decisão
5. Ante o exposto, decide-se:
a) negar provimento ao recurso;
b) confirmar a decisão recorrida.
Lisboa, 23 de Janeiro de 1997 Maria Fernanda Palma Antero Alves Monteiro Diniz Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro Mendes Maria da Assunção Esteves Vitor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa