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Processo Penal de
1929.
Neste Tribunal, foi proferido o Acórdão nº 48/91, em 26 de Fevereiro de 1991, no qual, como nele se diz, se acolheu 'a orientação constante do [...] acórdão nº 340/90', publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1991, tirado em Plenário em 19 de Dezembro de 1990, no qual, embora com vozes discordantes (entre elas a do ora relator), se julgou
'inconstitucional a norma do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, na interpretação que lhe foi dada pelo Assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934' (acrescentou-se o sublinhado).
3. Baixando os autos ao Supremo Tribunal de Justiça na sequência da prolação do mencionado acórdão nº 48/91, aquele Supremo Tribunal, em cumprimento do decidido neste aresto, reformou o seu acórdão de 28 de Março de 1990, ordenando a baixa dos autos à Relação, 'para proferir novo acórdão, em que conheça da matéria de facto, consoante o decidido pelo Tribunal Constitucional, relativamente ao artigo 665º, na interpretação do Assento de 29 de Junho de 1934, pelo modo que mais lhe aprouver e por que venha a optar'.
A Relação de Coimbra, por acórdão de 19 de Maio de 1993, depois de fixar a matéria de facto que teve por provada - o que fez, 'não nos termos restritivos em que o entendeu o assento do STJ de 29 de Junho de 1934
[refere-se ao artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929], mas nos do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional nos presentes autos, [...] por se cogitar que o recurso das decisões do tribunal colectivo, tal como se acha recortado naquele diploma, maxime, no artigo 665º, representa uma válvula de segurança suficiente contra os riscos que sempre existem de uma errada decisão da questão penal em sede de matéria de facto' - condenou o arguido A. na pena
única de 12 anos de prisão e 300 dias de multa à taxa de 200$00 diários (em alternativa, 200 dias de prisão), declarando perdoados 3 anos de prisão ao abrigo da Lei nº 23/91, de 4 de Julho.
4. Deste acórdão da Relação (de 19 de Maio de 1993) recorreu o arguido A. para o Supremo Tribunal de Justiça.
Alegou a nulidade do acórdão, uma vez que nem ele, nem o seu defensor foram notificados para estarem presentes 'na reapreciação do facto'. E acrescentou que tal acórdão viola o princípio do duplo grau de jurisdição de facto e o disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República, 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Protocolo nº 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 9 de Março de 1995, negou provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido, sem prejuízo de, na 1ª instância, após a baixa dos autos, se deverem tomar em consideração as medidas de clemência constantes da Lei nº 15/94, de 11 de Maio.
O arguido A. veio, entretanto, arguir a nulidade deste acórdão de 9 de Março de 1995, com fundamento em que 'não esteve presente nem foi notificado para assistir ao julgamento da causa', sendo que 'a ausência do arguido recorrente determina a nulidade do acto e de todos os actos posteriores
- art. 98º do CPP 1929 e art. 119º, c) do actual CPP'. E acrescentou: 'os tribunais administram a justiça em nome do povo e para o povo/arguido/recorrente
- art. 205º, 1, da Constituição da República'.
No Supremo Tribunal de Justiça, o Conselheiro Relator, indeferiu esta arguição de nulidades, uma vez que - disse - o réu não tinha que ser notificado para o julgamento, pois que ao recurso se aplica ainda o Código de Processo Penal de 1929 (despacho de 12 de Junho de 1995, a fls. 2507).
O arguido A. interpôs, então, dois recursos para este Tribunal: um, do acórdão de 9 de Março de 1995, para apreciação da 'violação das garantias de defesa do arguido em processo penal consignadas no art. 32º da Constituição da República quando se entende que o art. 665º do antigo CPP não conduz à renovação da prova na 2ª instância' (cf. requerimento de 20 de Março de
1995, a folhas 2503); o outro, do despacho de 12 de Junho de 1995 (fls. 2507), para apreciação da constitucionalidade não se sabe de que norma, pois, convidado a vir dar cabal cumprimento ao artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, não forneceu indicação quanto a esse ponto (cf. requerimento de 29 de Junho de
1995, a fls. 2503, conjugado com a resposta de fls. 2518).
Neste Tribunal, o recorrente concluiu como segue as suas alegações:
1 - O acórdão recorrido não deu cumprimento à disposição legal estabelecida na Lei 28/82 - art 80-2 - de 15/Nov pois que, tendo o recorrente solicitado a reapreciação da declaração de culpabilidade, deveria o STJ ter ordenado à veneranda Relação de Coimbra em consonância com tal normativo que se procedesse
à repetição do julgamento em 2ª Instância, o que nunca sucedeu.
2 - Sendo inconstitucional o art 665 do CPP 1929 com ou sem a interpretação do assento de 29 de Junho de 1934 por manifesta violação do art 32 - da Lei Fundamental e o princípio do duplo grau de jurisdição de facto, deve ser determinado em obediência a este princípio e ao consignado no art 80-2 da Lei
28/82 que o acórdão recorrido deve ser revogado e reformulado em conformidade com o decidido em matéria de constitucionalidade. Pelo que, revogado o Acórdão recorrido se fará a mais lídima justiça.
O Procurador-Geral Adjunto aqui em exercício formulou as seguintes conclusões:
1º O recorrente não suscitou, na alegação apresentada perante o Supremo Tribunal de Justiça, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se a imputar directamente ao acórdão recorrido a pretendida violação das garantias de defesa.
2º É inconstitucional a norma contida no artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, mesmo sem a sobreposição interpretativa restritiva do Assento de 29 de Junho de 1934, por violação do princípio constitucional das garantias de defesa do arguido, face a uma decisão condenatória em pena privativa de liberdade, consagrado no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
3º Na verdade, não sendo fundamentadas nem motivadas as respostas do tribunal colectivo à matéria de facto, não assegura suficientemente a garantia do arguido ao duplo grau de jurisdição a mera verificação pelo tribunal 'a quo' da coerência e concludência internas da decisão de facto, operada exclusivamente em função dos elementos constantes do processo e das próprias respostas do colectivo (não fundamentadas e baseadas em depoimentos não registados, prestados oralmente perante aquele tribunal).
4º A garantia do duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto deve comportar necessariamente, num sistema em que a decisão de facto não era fundamentada e em que as provas produzidas oralmente perante o colectivo não eram gravadas ou registadas, a possibilidade de - a requerimento do arguido e em consequência de fundada invocação de erro na apreciação de certos meios de prova, susceptível de ter inquinado determinada resposta ou respostas do colectivo - serem renovadas perante o próprio tribunal de 2ª instância os meios de prova pertinentes, indispensáveis à conformidade da decisão de facto com a prova produzida em audiência.
5º A garantia do duplo grau de jurisdição quanto à matéria do facto não envolve a sistemática e automática repetição perante a Relação de toda a prova produzida perante o colectivo, a simples e infundamentado requerimento do arguido, cumprindo-lhe apontar com clareza quais os pontos de facto incorrectamente julgados e quais os concretos meios probatórias que pretende ver renovados.
6º Compete aos tribunais judiciais, ao julgarem os recursos perante si interpostos, apreciar se o arguido terá cumprido o ónus atrás referido, indicando com a clareza e inteligibilidade exigíveis quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente apreciados pelo colectivo e quais os meios probatórios cuja renovação pretende.
7º Nestes termos, se proceder a questão prévia suscitada, não deverá conhecer-se do presente recurso; ou, na improcedência daquela, deverá julgar-se o mesmo procedente, determinando-se a reforma da decisão recorrida, em termos de ser jurisprudencialmente suprida a lacuna decorrente da inconstitucionalização da norma constante do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929 (mesmo sem a sobreposição do Assento de 29 de Junho de 1934).
Tendo o Ministério Público nas suas alegações suscitado a questão prévia do não conhecimento do recurso, foi ouvido o recorrente que, em resposta, disse manter tudo quanto alegou em sede de recurso.
6. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
7. O recurso do despacho de 12 de Junho de 1995 (fls.
2507):
O recurso vem interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o que pressupõe, entre o mais, que se esteja perante uma decisão de outro tribunal que tenha aplicado uma norma jurídica cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
Pois bem: in casu, recorre-se de um despacho do relator, e não de uma decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o recorrente podia tê-la provocado, bastando-lhe requerer que sobre aquele despacho recaísse acórdão da conferência (cf. artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, onde se regula a reclamação para a conferência, aplicável ex vi do que se preceitua no artigo 1º, § único, do Código de Processo Penal de 1929, que era a lei processual aplicável no recurso para aquele Supremo Tribunal).
Acresce que, antes da prolação do referido despacho, o recorrente não suscitou a inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica; e, convidado a vir dar cumprimento ao artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, não o fez.
De facto, limitou-se a dizer que a sua ausência no julgamento do recurso, para o qual não foi notificado, constitui nulidade, nos termos do artigo 98º do Código de Processo Penal de 1929 e do artigo 119º, alínea c), do actual Código de Processo Penal; e que 'os tribunais administram a justiça em nome do povo e para o povo/arguido/recorrente - art. 205º, nº 1, da Constituição da República'.
Não se acham, pois, verificados os pressupostos deste recurso, por isso que o Tribunal não possa dele conhecer.
8. Recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de
9 de Março de 1995:
8.1. Quanto a este recurso, interposto também ao abrigo da alínea b) do nº1 do citado artigo 70º, pode questionar-se, como faz o Ministério Público, se estão preenchidos os pressupostos para que o Tribunal dele deva conhecer.
É que a questão de constitucionalidade que nele se pretende ver decidida não foi suscitada nas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça em termos processualmente adequados.
De facto, o recorrente, nas conclusões da alegação, limitou-se a dizer: 'o recorrente está atónito com a decisão recorrida porquanto não foi notificado para estar presente na 'reapreciação do facto' nem o seu defensor o que determina a nulidade do acórdão recorrido; o acórdão recorrido violou o princípio do duplo grau de jurisdição de facto e o disposto nos artigos
32 - 1 da Constituição da República Portuguesa, no art. 14º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Protocolo nº 7 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem' - com o que, verdadeiramente, não suscitou uma questão de inconstitucionalidade normativa - única para cujo conhecimento este Tribunal tem competência -, antes imputou o vício ao próprio acórdão de que então recorria.
Simplesmente, o Supremo Tribunal de Justiça - decerto porque anteriormente o recorrente havia questionado a constitucionalidade do artigo 665º do Código de Processo Penal - deu-se conta de que tinha uma questão de inconstitucionalidade normativa para resolver, identificou-a e decidiu-a.
Escreveu-se, na verdade, no acórdão recorrido que 'não é o artigo em si mesmo [refere-se ao artigo 665º do Código de Processo Penal de
1929] que é inconstitucional mas antes a interpretação restritiva e redutora dos poderes das Relações no julgamento da matéria de facto feita pelo Assento'
[refere-se ao assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Junho de 1934].
Por isso - acrescentou-se -, não tem que haver renovação da prova no julgamento a efectuar pelas Relações.
É que - precisou-se -, 'os direitos do réu, no domínio daquele Código, ficam acautelados em termos de não haver violação dos princípios constitucionais ainda que não tenha havido renovação da prova nos tribunais das Relações. E ficam acautelados desde que a prova seja reapreciada no tribunal de recurso aplicando integralmente o citado artigo 665º, isto é, sem os limites que aquele assento lhe veio impor, pois essa interpretação restritiva do artigo em causa é que atingia as garantias de defesa dos acusados no processo criminal e justamente por isso é que o artigo 665º foi declarado inconstitucional [...] na interpretação que o Assento deu a esse artigo'.
Ora, isto é quanto basta, como já noutra ocasião este Tribunal decidiu (cf. Acórdão nº 359/94, publicado no Diário da República, II série, de 3 de Setembro de 1994), para que o Tribunal deva conhecer do recurso.
8.2. No recurso visa-se, pois - nos dizeres do próprio recorrente -, a apreciação da 'violação das garantias de defesa do arguido em processo penal consignadas nos artigo 32º da Constituição da República quando se entenda que o artigo 665º do antigo Código de Processo Penal não conduz à renovação da prova na 2ª instância' (cf. requerimento de fls. 2503).
Objecto do recurso é, assim, no entender da maioria do Tribunal, a norma do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, sem a sobreposição interpretativa do assento do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Junho de 1934. A norma do dito artigo 665º, 'na sua singeleza', 'em si própria'
(são expressões do acórdão nº 190/94, publicado no Diário da República, II série, de 12 de Dezembro de 1995), é que (na interpretação que o Tribunal faz do requerimento de recurso) viola, segundo o recorrente, as 'garantias de defesa do arguido em processo penal, consignadas no artigo 32º da Constituição da República'.
O Tribunal entende que, com a afirmação de que há violação das garantias de defesa, 'quando se entenda que o artigo 665º do antigo Código de Processo Penal não conduz à renovação da prova na 2ª instância', o que o recorrente pretende não é identificar o objecto do recurso, mas indicar a razão por que, em seu entender, tal normativo é inconstitucional.
Vejamos então.
8.3. Este Tribunal, em Plenário, no citado Acórdão nº
190/94, já examinou a norma do mencionado 'artigo 665º, na redacção oriunda do Decreto nº 20.147, desacompanhada da interpretação que o assento de 1934 lhe emprestou', tendo concluído, embora com vozes discordantes, que a mesma viola as garantias de defesa do arguido em processo penal, constantes do artigo 32º, nº
1, da Constituição da República. Também em Plenário, no Acórdão nº 430/94
(publicado no Diário da República, II série, de 10 de Janeiro de 1995), o Tribunal, igualmente por maioria, reiterou esta jurisprudência e concluiu pela
'inconstitucionalidade da norma [...] do artigo 665º do Código de Processo Penal de 1929, [...] sem sobreposição do assento do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Junho de 1934, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição da República' (cf. também o Acórdão nº 680/95, de 29 de Novembro, também tirado por maioria, por publicar, que aplicou o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou nos acórdãos acabados de citar).
É esta jurisprudência que aqui se reitera.
III. Decisão:
Isto posto, decide-se:
(a). não tomar conhecimento do recurso interposto do despacho de 12 de Junho de
1995;
(b). em aplicação do juízo de inconstitucionalidade constante dos citados Acórdãos nºs 190/94 e 430/94, conceder provimento ao recurso interposto do acórdão de 9 de Março de 1995, que, por isso, se revoga, a fim de ser reformado em conformidade com aquele juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 16 de Outubro de 1996 Messias Bento (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Guilherme da Fonseca Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Fernando Alves Correia (vencido, nos mesmos termos do Exmo. Conselheiro Relator) Bravo Serra (vencido, nos termos e pelos fundamentos da declaração de voto do Exmo. Relator, Consº Messias Bento) Vítor Nunes de Almeida (vencido, nos termos e pelos fundamentos da declaração de voto do Exmo. Consº Messias Bento) Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa (vencido, quanto ao mesmo ponto que o Exmo. Conselheiro Relator, nos termos da respectiva declaração de voto)