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Proc. nº 328/96
Plenário
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam no plenário do Tribunal Constitucional:
I
1. O Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional veio,
'como representante do Ministério Público', requerer, ao abrigo dos arts. 281º, nº 3, da Constituição e 82º da Lei do Tribunal Constitucional, que o Tribunal Constitucional apreciasse e declarasse, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante da deliberação do Conselho Judiciário de Macau de 23 de Setembro de 1993, que cometeu ao juiz do respectivo Tribunal Administrativo, para além dos processos da sua específica competência, todos os processos sumários ou de transgressão ou equiparados, os de menores e os de execução de penas.
De harmonia com esse requerimento, a norma em causa 'foi explicitamente julgada inconstitucional, por violação do artigo 292º, nº 5, da Constituição, bem como do artigo 13º, nº 3, do Estatuto Orgânico de Macau, através dos Acórdãos nºs. 659/95, de 22 de Novembro, 38/96 e 39/96, de 23 de Janeiro'
(destes acórdãos apenas se acha publicado o segundo no Diário da República, II Série, nº 115, de 17 de Maio de 1996).
Juntou cópia desses acórdãos.
Ao mandar notificar o Presidente do referido Conselho Judiciário para responder ao pedido, o Presidente do Tribunal Constitucional suscitou no seu despacho a seguinte dúvida:
'Face à doutrina firmada pelo Tribunal no Acórdão nº 292/91, não será de excluir inteiramente a dúvida de saber se o presente pedido de declaração de inconstitucionalidade é admissível. Uma vez, porém, que se está aqui perante um pedido formulado ao abrigo do nº 3, e não do nº 1, do artigo 281º da Constituição da República, entendo deixar essa questão para final' (despacho de
18 de Junho de 1996, a fls. 83 dos autos).
2. Na resposta oferecida no presente processo pelo Presidente do Conselho Judiciário de Macau, a fls. 84 dos autos, dá-se conta da existência de uma deliberação deste mesmo órgão tomada em sessão extraordinária realizada em 30 de Novembro de 1995, já após a assinatura do Acórdão nº 659/95, (tirado em
22 desse mês e ano), deliberação essa constante de certidão junta com aquela resposta.
Através dessa deliberação - que se assume como uma interpretação autêntica da anterior deliberação julgada inconstitucional - estabelece-se o sentido da normação pretendida pelo órgão de que emanou do modo seguinte:
'a) - Reafirmar, na sua essência e em seus precisos termos, as deliberações de
23 de Setembro e 25 de Outubro de 1993 e 17 de Janeiro de 1994, com o sentido a seguir explicitado, que outro não teve e nem poderia ter tido:
- Conforme os arts. 21º-1 de DL 17/92-M, de 18 de Agosto, e em razão do excesso de serviço que vem assoberbando os juízes do Tribunal de Competência Genérica, o juiz que desempenha funções no Tribunal Administrativo continuará acumulando, com as específicas funções do seu cargo, funções no Tribunal de Competência Genérica, onde lhe serão distribuídos, preferentemente, os processos que já o vinham sendo, ou como melhor seja acordado entre aquele magistrado e o Presidente dos Tribunais de 1ª Instância.
b) - Como vinha sendo deliberado a acumulação cessará se e quando o Conselho Judiciário de Macau julgar removidas as circunstâncias que a determinaram' (a fls. 85).
3. Verifica-se, assim, que o Tribunal Constitucional terá de começar por apreciar se a entidade requerente tem legitimidade para intentar o presente processo de fiscalização abstracta, dadas as dúvidas sobre a verificação desse pressuposto processual manifestadas pelo Presidente do Tribunal Constitucional, e mesmo se o Tribunal Constitucional tem competência para apreciar esse pedido.
Na eventualidade de se considerar que a entidade requerente dispõe de legitimidade para o pedido e que o Tribunal Constitucional é competente para dele conhecer, importará então apreciar se a interpretação feita pelo Conselho Judiciário de Macau da deliberação julgada inconstitucional afecta a subsistência da respectiva norma e, no caso de se considerar que a mesma já não subsiste na sua primitiva formulação, terá então de se ver se tem ainda interesse conhecer do pedido.
II
4. Começar-se-á então pela questão prévia da legitimidade do Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional para requerer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nos termos do nº 3 do art. 281º da Constituição, de uma norma regulamentar emanada de um órgão administrativo de Macau, o Conselho Judiciário de Macau, norma essa que integra o ordenamento jurídico desse território sob administração portuguesa. Esse requerimento foi feito na sequência de três julgamentos de inconstitucionalidade dessa norma proferidos pelo Tribunal Constitucional em processos de fiscalização concreta.
5. Recorda-se que, nos termos dessa deliberação do Conselho Judiciário de Macau - órgão a quem incumbe parte da gestão e disciplina do quadro de juízes e agentes do Ministério Público do Território de Macau, nos termos do art. 28º da Lei nº 112/91, de 29 de Agosto, Lei de Bases de Organização Judiciária de Macau - foram cometidos ao juiz do Tribunal Administrativo do território, para além dos processos de sua específica competência, os processos criminais sumários ou de transgressões ou equiparados, os de menores e os de execução de penas.
6. Cabe perguntar se, face à doutrina fixada pelo Acórdão nº
292/91 do Tribunal Constitucional (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º volume, págs. 165 e segs; e também no Diário da República, II Série, nº 250, de 31 de Outubro de 1991), o Procurador-Geral Adjunto dispõe de legitimidade para o pedido, na linha das referidas dúvidas manifestadas pelo Presidente do Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional considerou por maioria, nesse acórdão, que o Procurador-Geral da República não dispunha de legitimidade para requerer a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas constantes de um diploma legislativo emanado do Governo de Macau, nos termos do nº 2 do art. 281º da Constituição. Escreveu-se nesse acórdão:
' Tudo isto leva a concluir que o legislador do Estatuto de Macau, não só encarou ex professo a questão do controlo abstracto sucessivo da constitucionalidade das normas editadas pelos órgãos legislativos desse território, mas estabeleceu para esse controlo um regime e um esquema específicos [anteriormente fizera-se referência aos arts. 11º, nº 1, alínea e), e 30º, nº 1, alínea a), 15º, nº 2, e 40º, nº 3, da versão de 1990 do Estatuto Orgânico]. De tal modo que, atento o que começou por pôr-se em relevo [...], não tem cabimento fazer apelo, nessa matéria, ao disposto no nº 2 do artigo 281º da Constituição da República.
Por outras palavras: o alcance das citadas normas do Estatuto de Macau não é o de fazer acrescer, à lista das entidades enumeradas nesse preceito constitucional, duas outras - o Governador e a Assembleia Legislativa de Macau - com legitimidade para requererem a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade (e legalidade) das normas emitidas no respectivo território; e antes, como se acabou de dizer, o de estabelecer a possibilidade de tal fiscalização e definir quem está legitimado para promovê-la' (nº 3).
No caso sub judicio, a norma regulamentar questionada não consta de diploma aprovado pelo Governador ou pela Assembleia Legislativa de Macau, mas antes de deliberação emanada de um órgão administrativo do território, o Conselho Judiciário de Macau. Por outro lado, a fiscalização abstracta de constitucionalidade não é requerida por nenhuma das entidades previstas no nº 2 do art. 281º da Constituição, antes se trata de um processo de 'generalização', requerido nos termos do nº 3 do art. 281º da Constituição e do art. 82º da Lei do Tribunal Constitucional.
Estas diferenças podem ser relevantes para os que perfilham a tese maioritária consubstanciada no acórdão nº 292/91, sendo certo que aqueles que perfilham a posição minoritária constante dos votos de vencido juntos ao mesmo acórdão tenderão a considerar que o Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional tem legitimidade para requerer o presente pedido, ao abrigo daquelas disposições do texto constitucional e do texto da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
7. Decisiva para a resolução da questão prévia da legitimidade para requerer o presente pedido de apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de normas regulamentares emanadas de um órgão administrativo do Território de Macau é a consideração de que a fiscalização abstracta sucessiva no nº 3 do art. 281º está indissoluvelmente ligada à fiscalização concreta, sendo indiscutível, por outro lado, a competência do Tribunal Constitucional para conhecer dos recursos de constitucionalidade atinentes a normas oriundas do Território de Macau (veja-se o Acórdão nº 284/89, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 13º volume, tomo II, págs. 859 e seguintes, onde, antes ainda da revisão do Estatuto Orgânico de Macau em 1990 e da publicação da Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau de 1991, se afirmava que o mesmo Estatuto Orgânico apontava directamente para que ao Tribunal Constitucional coubesse, em última instância e por via de recurso, a fiscalização em concreto da constitucionalidade material de normas jurídicas, quaisquer que elas sejam, emitidas pelos órgãos legislativos do território, do mesmo passo que se considerava que o nº 2 do art.
1º da Lei do Tribunal Constitucional, utilizado ao menos como elemento autónomo de interpretação, apontava para que a intervenção fiscalizadora do mesmo Tribunal se exercitasse sobre todo o espaço geográfico onde domina a ordem jurídica portuguesa, o que necessariamente incluía aquele território; a partir deste acórdão, multiplicaram-se os recursos de constitucionalidade interpostos de decisões proferidas pelos tribunais de Macau, no quadro do disposto nos arts.
41º, nº 1, e 75º do Estatuto Orgânico de Macau, na versão introduzida pela Lei nº 13/90, de 10 de Maio, e nos arts. 11º e 34º da Lei nº 112/91, de 29 de Agosto, tendo sido proferidos, entre outros, os acórdãos nºs. 245/90, 332/90,
123/92, 175/92, 75/95 e 417/95, além dos que fundam este pedido; os quatro primeiros acham-se publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º vol., págs. 725 e seguintes, 17º vol., págs. 287 e seguintes, 21º vol., págs. 457 e seguintes e págs. 703 e seguintes e os dois últimos no Diário da República, II Série, nº 135, de 12 de Junho de 1975 e nº 266, de 17 de Novembro do mesmo ano, respectivamente, versando a apreciação da constitucionalidade de normas emanadas de órgãos com competências legislativas ou regulamentares do próprio território de Macau, ou então de normas emanadas dos órgãos da República que aí vigoram).
8. Como se escreveu no Acórdão nº 1146/96, tirado em 12 de Novembro de 1996, ainda inédito, em que se apreciou igualmente a questão de legitimidade do Procurador-Geral Adjunto do Tribunal Constitucional para requerer uma fiscalização abstracta de normas, ao abrigo do art. 281º, nº 3, da Constituição:
' Apesar de a reanálise a que o Tribunal Constitucional procede da norma julgada anteriormente inconstitucional em três casos concretos se situar num plano diverso do controlo concreto da constitucionalidade, em termos de ser possível alcançar uma solução diversa da adoptada nas decisões concretas (cfr. sobre este ponto, o Acórdão nº 1/92, publicado no Diário da República, I Série-A, nº 43, de
20 de Fevereiro de 1992), o certo é que as três decisões de julgamento de inconstitucionalidade determinam o objecto do «processo de repetição do julgado», não podendo neste ser declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade de uma norma diferente da que foi julgada inconstitucional nos três casos concretos.
Tudo isto significa que o vulgarmente designado «processo de generalização» de inconstitucionalidade apresenta uma ligação estreita ao processo de fiscalização concreta de constitucionalidade, atendendo não só ao seu pressuposto específico, antes referido, como ainda às entidades que, de modo exclusivo, têm legitimidade para desencadear aquele tipo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade (ou qualquer dos Juízes do Tribunal Constitucional ou o representante do Ministério Público junto desse órgão jurisdicional - cfr. o artigo 82º da Lei do Tribunal Constitucional).
Assim sendo, a legitimidade do Procurador-Geral Adjunto em funções no Tribunal Constitucional para desencadear, de harmonia com os artigos 281º, nº 3, da Constituição e 82º da Lei do Tribunal Constitucional, um processo de fiscalização abstracta de constitucionalidade tendo por objecto normas do ordenamento jurídico de Macau, tenham estas ou não origem nos órgãos próprios deste território, há-de considerar-se como que um prolongamento ou uma decorrência natural da admissibilidade da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas do ordenamento jurídico da Macau pelo Tribunal Constitucional, admitida, como se viu, implicitamente, no Estatuto Orgânico de Macau e, explicitamente, na Lei de Bases da Organização Judiciária de Macau - admissibilidade essa que não foi posta em causa pelas recentes alterações ao Estatuto Orgânico de Macau, operadas pela Lei nº 23-A/96, de 29 de Julho, sobretudo pelo novo artigo 2º que veio reconhecer ao Território de Macau também
«autonomia judiciária», e pelo artigo 31º, nº 3, alínea j), que passou a considerar da competência concorrencial da Assembleia Legislativa e do Governador legislar sobre «bases do sistema judiciário de Macau»' (nº 9).
Em sentido idêntico ao passo transcrito se pronunciam Gomes Canotilho e Vital Moreira, autores que defendem a posição acolhida no Acórdão nº 292/91, os quais afirmam que o 'facto de não ser aplicável o nº 2 do art. 281º da CRP não implica necessariamente a inaplicabilidade do seu nº 3, pois o mecanismo aí previsto é essencialmente diverso da impugnação directa nos termos do nº 2, apresentando-se como decorrência natural da fiscalização concreta e nem sequer precisando da iniciativa de um órgão exterior ao TC (cfr. Lei do Tribunal Constitucional, art. 82º, preceito que sintomaticamente vem incluído no capítulo dedicado à fiscalização concreta). A intervenção do Ministério Público nesse processo - que não tem de ser do próprio PGR, diferentemente do que ocorre no pedido de fiscalização abstracta propriamente dita - é essencialmente distinta do pedido de declaração de inconstitucionalidade ao abrigo do nº 2 do art. 281º. E seria pouco razoável que o TC se visse forçado a repetir vezes sem conta o mesmo juízo de inconstitucionalidade a respeito de uma certa norma local de Macau em sede de fiscalização concreta e não pudesse expurgar a norma, mediante uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral' (A Fiscalização de Constitucionalidade das Normas de Macau, separata da Revista do Ministério Público, nº 48, págs. 37-38, nota 44).
9. Conclui-se, assim, que o Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional dispõe de legitimidade para apresentar o requerimento onde se pede a apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da deliberação do Conselho Judiciário de Macau de 23 de Setembro de 1993, atrás indicada.
10. Igualmente se pode afirmar, sem margem para dúvida, a competência do Tribunal Constitucional para conhecer do pedido, visto que o Estatuto Orgânico de Macau, enquanto legislação 'constitucional' do território, admite implicitamente tal competência, uma vez que o disposto no art. 281º, nº
3, da Constituição e 82º da Lei do Tribunal Constitucional são um prolongamento ou decorrência natural, da fiscalização concreta de constitucionalidade cometida por aquele Estatuto ao Tribunal Constitucional.
11. Não há, assim, obstáculo, nos planos da competência do Tribunal e da legitimidade da entidade requerente do pedido, para conhecer do respectivo objecto.
III
12. Resta, porém, averiguar se, face ao documento junto com a resposta do Presidente do Conselho Judiciário de Macau, a norma que constitui objecto do pedido ainda vigora, com o sentido interpretativo fixado pelo Tribunal Constitucional, naquele Território. No caso de se concluir que cessou tal vigência, terá então de responder-se à questão de saber se ainda se reveste de utilidade o conhecimento dessa questão de constitucionalidade.
13. O juízo de inconstitucionalidade que esteve na base dos acórdãos invocados pelo requerente baseou-se no entendimento perfilhado pelo Tribunal Constitucional de que a norma constante da deliberação do Conselho Judiciário de Macau viera 'alterar regras de distribuição de competência em razão de matéria constantes da legislação vigente no território sobre organização judiciária' (Acórdão nº 659/95), ou, como se escreveu nos Acórdãos nºs. 38/96 e 39/96, intuía-se da deliberação em apreciação que essa atribuíção de processos de natureza penal era feita à jurisdição administrativa e não ao juiz do Tribunal Administrativo a exercer funções em acumulação, resultando 'a manutenção dos processos nas secções do tribunal de jurisdição comum apenas da circunstância de o quadro de funcionários do Tribunal Administrativo ser exíguo'. Por isso, se concluiu nesses acórdãos que o que a deliberação em causa viera fazer fora mexer, 'de forma totalmente inovatória relativamente às leis existentes, ... nas regras de divisão funcional de processos entre os diversos juizes e entre os diversos tribunais' (nº 7), abrangendo mesmo os processos pendentes.
Deste entendimento se apartou o Conselheiro Bravo Serra, o qual, na sua declaração de voto junta aos dois últimos acórdãos, sustentou que 'a deliberação do CJM de 23 de Setembro de 1993 não veio afectar qualquer regra processual e judiciária tocante à normal distribuição de processos sumários, de transgressão, de menores e de execução de penas por entre os diversos juízes do Tribunal de Competência Genérica de Macau', continuando os processos a ser normalmente distribuídos por entre esses juízos, razão por que se estaria perante uma mera acumulação de funções do juiz do Tribunal Administrativo, o qual desempenharia funções como magistrado judicial no Tribunal de Competência Genérica, sendo, por isso, 'co-titular' deste último tribunal.
14. Ora, como resulta da nova deliberação do Conselho Judiciário de Macau adoptada na sessão extraordinária de 30 de Novembro de 1995, a deliberação de 23 de Setembro de 1993 (e as subsequentes sobre a mesma matéria) foi interpretada pelo próprio órgão seu autor como determinando uma acumulação de funções do juiz do Tribunal Administrativo de Macau, de forma a abranger o exercício de funções no Tribunal de Competência Genérica 'onde lhe serão distribuídos, preferentemente, os processos que já o vinham sendo, ou como melhor seja acordado entre aquele Magistrado e o Presidente dos Tribunais de 1ª Instância' (cfr. fls. 85 dos presentes autos). A mesma deliberação esclareceu que tal acumulação de funções cessaria 'se e quando o Conselho Judiciário de Macau julgar removidas as circunstâncias que o determinaram'.
15. Parece evidente que a norma apreciada em fiscalização concreta, na interpretação fixada pelo Tribunal Constitucional, deixou de vigorar em Macau, por força de nova deliberação de 30 de Novembro de
1995, não importando agora saber se se trata de verdadeira interpretação autêntica da deliberação de 1993 ou de norma inovatória de natureza concreta introduzida sob a capa de um processo de interpretação daquele tipo.
A revogação ou alteração da norma objecto de um processo de fiscalização abstracta não impede, por si só, a apreciação desta pelo Tribunal Constitucional e a sua eventual declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. Ponto é que tal declaração se revista ainda de utilidade. Neste sentido se podem citar numerosos acórdãos do Tribunal Constitucional, nomeadamente, entre os mais recentes, os nºs. 57/95 e 786/96, publicados no Diário da República, II Série, nº 87, de 12 de Abril de 1995, e nº 192, de 20 de Agosto de 1996, respectivamente, onde se indicam anteriores arestos sobre a mesma matéria.
No caso sub judicio, entende-se que não tem qualquer interesse a apreciação da referida questão de constitucionalidade. De facto, ou a questão já foi suscitada oficiosamente pelo próprio juiz, ou por qualquer parte ou pelo Ministério Público, antes da 'interpretação autêntica' através da deliberação de
30 de Novembro 1995, e chegará, em princípio, ao Tribunal Constitucional pela via de fiscalização concreta (como sucedeu com os processos onde foram tirados os acórdãos referidos no pedido), ou então já não pode ser suscitada essa questão por estar transitada em julgado a decisão a julgar competente o juiz do Tribunal Administrativo e, nesse caso, a eventual declaração de inconstitucionalidade não poderia afectar as partes desses processos (cfr. art.
282º, nº 3, da Constituição).
16. Conclui-se, assim, no sentido de que não deverá conhecer-se do objecto do pedido.
IV
17. Nestes termos e pelas razões expostas decide o Tribunal Constitucional não conhecer do pedido de apreciação e declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante da deliberação de 23 de Setembro de 1993, que cometeu ao juiz do respectivo Tribunal Administrativo, para além dos processos da sua específica competência, todos os processos sumários ou de transgressões ou equiparados, os de menores e os de execução de penas, dada a falta de utilidade desse conhecimento por, entretanto, ter cessado a vigência da norma impugnada.
Lisboa, 13 de Novembro de 1996 Armindo Ribeiro Mendes José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves (com a declaração de que sobre a legitimidade do requerente e a competência do Tribunal Constitucional valem aqui tão-só as razões da minha declaração de voto no acórdão nº 292/91). Maria Fernanda Palma (com declaração de voto quanto à questão da legitimidade e competência).
Votei, globalmente, a decisão constante do Acórdão, embora divirja, parcialmente, quanto à fundamentação da mesma, no que respeita à questão da legitimidade da entidade requerente e da competência do Tribunal.
Na realidade, ao concordar, no essencial, com as declarações dos vencidos, no Acórdão nº 292/92, discordando da tese fixada naquele Acórdão, não poderei deixar de admitir que tal como a fiscalização abstracta prevista no artigo 281º, nº 2, da Constituição, pode operar, nesses termos, relativamente a normas editadas por órgãos do Território de Macau, também a fiscalização abstracta há-de poder operar nos termos do artigo 281º, nº 2, da Constituição, relativamente às mesmas normas, sem quaisquer restrições. Não subscreverei, consequentemente, qualquer natureza específica e híbrida do instituto da generalização, o qual é verdadeira fiscalização abstracta pelo seu fundamento e pelos seus efeitos. Luis Nunes de Almeida (vencido quanto à questão da legitimidade da entidade requerente e da competência do Tribunal, nos termos e com os fundamentos constantes da declaração de voto junta) Declaração de voto
Votei vencido quanto à questão da legitimidade da entidade requerente e da competência do Tribunal, por entender que a doutrina fixada no Acordão nº
292/91 implica que não seja admissível a fiscalização abstracta sucessiva de normas editadas por orgãos do Território de Macau, salvo nos casos previstos no respectivo Estatuto Orgânico.
Com efeito, entendeu-se então que o referido Estatuto encarara 'ex professo a questão do controlo abstracto sucessivo das normas editadas pelos orgãos daquele território', estabelecendo para esse controlo 'um regime e um esquema específicos', pelo que a possibilidade de fiscalização abstracta sucessiva quanto a tais normas decorre apenas do preceituado no mesmo Estatuto Orgânico, e não do estabelecido no artigo 281º da Constituição da República.
Ora, parece-me claro que tanto existe fiscalização abstracta sucessiva nos casos previstos no artigo 281º, nº 2, como nos contemplados no artigo 281º, nº 3. Com efeito, nestes últimos casos, tal como nos primeiros, a decisão do Tribunal Constitucional não é produzida num processo em curso perante outros tribunais e pode desembocar numa declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tendo, pois, essa decisão eficácia erga omnes e não inter partes.
Consequentemente, entendendo-se - como se entende - que, relativamente a normas oriundas do Território de Macau, não pode operar, nos casos do artigo
281º, nº 2, a fiscalização abstracta sucessiva, por não ser requerida pelas entidades previstas no Estatuto Orgânico, também não há-de necessariamente poder operar nos casos do artigo 281º, nº 3. É que, se a fiscalização abstracta sucessiva daquelas normas só pode ocorrer nos casos e termos estabelecidos no Estatuto Orgânico de Macau, a verdade é que neste Estatuto não se encontra qualquer referência a um pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, requerido pelo Ministério Público, na sequência de três julgamentos de inconstitucionalidade, nos casos concretos.
A tese que obteve vencimento vem, assim, permitir que o Tribunal Constitucional aja como legislador negativo em situações não expressamente previstas, e a requerimento de entidade também não expressamente autorizada para o efeito, quando tal se me afigura inadmissível, por entender que tais competências não são susceptíveis de atribuição por analogia ou mera opção do legislador ordinário. Messias Bento (vencido quanto à questão da legitimidade do requerente e da competência do Tribunal, nos termos da declaração de voto do Exmº Conselheiro Luís Nunes de Almeida). Bravo Serra (vencido, quanto à questão da legitimidade da entidade requerente e da competência do Tribunal, nos termos da declaração de voto do Exmº Conselheiro Luís Nunes de Almeida). Vítor Nunes de Almeida (vencido, quanto à questão da legitimidade da entidade requerente e da competência do Tribunal, pelo fundamento da declaração de voto do Conselheiro Luís Nunes de Almeida). José Manuel Cardoso da Costa