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Procº nº 582/93 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório.
1. A., com sede em Leiria, requereu, no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, a suspensão da eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Leiria de 27 de Novembro de 1992 que, invocando o artigo 80º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho, decretou o prosseguimento do embargo decretado pela deliberação da mesma Câmara de 14 de Agosto de 1992 relativo a uma obra de construção civil da requerente.
Por Sentença de 4 de Fevereiro de 1993, o Mmº Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, depois de considerar que a deliberação da Câmara Municipal de Leiria de 27 de Novembro de 1992 era um acto administrativo susceptível de recurso contencioso, indeferiu o pedido de suspensão de eficácia deduzido pela requerente, com o fundamento de não se verificarem os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 76º da LPTA.
2. Inconformada com esta decisão, interpôs aquela sociedade comercial por quotas recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, invocando, nas alegações, inter alia, a inconstitucionalidade do artigo 76º, nº 1, da LPTA, na interpretação que lhe foi dada na sentença recorrida, por violação do direito
à tutela jurisdicional efectiva consagrado nos artigos 20º e 268º, nºs. 4 e 5, da Constituição.
Por Acórdão de 27 de Abril de 1993, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu não tomar conhecimento do recurso, por considerar verificada, nos termos dos artigos 493º, nº 2, 494º, nº 1, alínea g), e 495º do Código de Processo Civil, a excepção dilatória de litispendência.
3. Não se conformando com este aresto, interpôs a mencionada sociedade o presente recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo do artigo
70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), com fundamento na inconstitucionalidade das normas dos artigos 493º, nº 2, e 494º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Civil, com a interpretação que delas foi feita no acórdão recorrido, por violação do direito à tutela judicial efectiva consagrado nos artigos 20º e 268º da Lei Fundamental. No requerimento de interposição do recurso, sublinha a recorrente que 'a admissibilidade do presente recurso é manifesta, pois a recorrente apenas não suscitou anteriormente tal inconstitucionalidade, por não dispor de oportunidade processual para a suscitar'.
O recurso foi admitido, tendo a recorrente apresentado alegações neste Tribunal, as quais conclui do seguinte modo:
1. Com a autonomização, na segunda Revisão Constitucional de 1989, de um preceito especificamente dedicado a garantir o acesso à justiça administrativa, não apenas para o 'reconhecimento' - como se dispunha no texto anterior -, mas também para a tutela de direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268/5 CRP), a Constituição superou decididamente o quadro originário do recurso de anulação dos actos administrativos, consagrando um verdadeiro direito à tutela jurisdicional efectiva, pelo que:
a) abriu caminho a acções de tutela positiva dos direitos dos administrados perante a administração;
b) reconheceu o particular como legítimo titular de uma posição subjectiva de vantagem em ordem à satisfação ou conservação de um bem jurídico, digna da atribuição dos correspondentes poderes processuais para a sua efectiva realização.
2. Os arts. 493º/2 e 494º/1/g) do Código de Processo Civil, com a interpretação que lhes foi dada no acórdão recorrido, são materialmente inconstitucionais, por violação do direito à tutela judicial efectiva consagrado nos arts. 20º e 268º da Constituição.
Por sua vez, a Câmara Municipal de Leiria não alegou.
4. Corridos os vistos legais, cumpre, então, apreciar e decidir.
II - Fundamentos.
5. A primeira questão que importa analisar é a da admissibilidade do presente recurso, já que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional, tal como estatui o nº 3 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional. Vejamos então.
5.1. O acórdão recorrido entendeu que se verificava uma situação de litispendência e, em consequência disso, decidiu não tomar conhecimento do recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra.
O aresto aqui sob recurso fundamenta a excepção dilatória de litispendência do seguinte modo:
'No recurso nº 31691, que corre termos na 1ª Subsecção, foi proferido acórdão, em 11 de Março de 1993, que negou provimento ao recurso jurisdicional da recorrente, que interpusera recurso da sentença do TAC de Coimbra, a qual indeferira o pedido de suspensão de eficácia da deliberação da Câmara Municipal de Leiria, de 14 de Agosto de 1992 (v. supra, nº 4, alíneas l) a n) e p) e q)), que ordenara o embargo extensivo a toda a obra.
Nos termos do artigo 80º, nº 3, da LPTA, a recorrente solicitou também a declaração de ineficácia da deliberação de 27 de Novembro de 1992, que considerou como de execução da deliberação de 14.8.92, provisoriamente suspensa até ao trânsito em julgado da decisão do pedido, por não constituir a resolução fundamentada prevista no nº 1 daquele artigo 80º. No processo em referência, a Câmara Municipal de Leiria deduziu oposição ao pedido de declaração de ineficácia.
O acórdão negou provimento ao recurso jurisdicional, nele se estatuindo como segue: 'O que necessariamente implica o indeferimento do pedido de declaração de ineficácia camarária de 27.11.92 que, com fundamento no disposto na parte final do artigo 80º da LPTA, manteve o embargo da obra.
Pois, verificada a correcção jurídica da decisão que não suspendeu a eficácia da deliberação que ordenou o embargo, não teria sentido declarar a ineficácia de um acto administrativo que, no fundo, lhe deu seguimento'.
Quer isto dizer que, naquele recurso, foi questionada a ineficácia da deliberação de 27.11.92 e este tribunal indeferiu o pedido da correspondente declaração.
Pretende a recorrente, no presente recurso, voltar a discutir tal deliberação, através de diferente e nova qualificação jurídica - um novo acto de embargo administrativo, definitivo e executório, em virtude de 'afectar a suspensão de eficácia em vigor', para além de assentar em diferentes pressupostos - e pedir a sua suspensão, sem deixar de a criticar, como fez no anterior recurso, por não ser 'uma resolução fundamentada' em que se reconheça a grave urgência para o interesse público na imediata execução, meios estes que não estava impedida de invocar no anterior recurso.
Perante isto, cabe decidir se estamos perante uma hipótese de caso julgado, como defendeu o Digno Magistrado do Ministério Público (v. supra nº 3). Dado que o acordão de 11 de Março de 1993 ainda não transitou, aquela excepção não se verifica. Tal não impede que se analise a hipótese de litispendência, que também pressupõe a repetição de uma causa, mas estando a anterior ainda em curso.
Para o efeito, há que recordar o disposto no artigo 498º do Código de Processo Civil (supletivamente aplicável por força do artigo 1º da LPTA), segundo o qual são requisitos comuns à litispendência e ao caso julgado, a identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico. Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas suas acções procede do mesmo facto jurídico. Que as partes (recorrente e recorrido) são as mesmas do ponto de vista da sua qualidade jurídica, é manifesto. Que, com o pedido de declaração de
ineficácia no primeiro recurso e com o pedido de suspensão de eficácia no presente se pretende obter o mesmo efeito jurídico não existem grandes dúvidas: esse efeito é a paralização da eficácia da deliberação de 17.11.92, através da declaração do acto qualificado como de execução, no primeiro caso, mediante a providência da suspensão de eficácia, no segundo. Com esta diferença: a declaração de ineficácia pode avaliar-se como medida de mais forte tutela dos interesses da recorrente do que a simples suspensão da eficácia do acto.
Mas a substância das coisas permanece inalterada do ponto de vista dos efeitos jurídicos pretendidos.
Concluir de outra maneira é render culto à prevalência de considerações formalistas sobre a substancial identidade dos actos, a partir de diferente qualificação jurídica, potenciadora de reapreciação, após o desenrolar de um processo em que se concluiu, como se disse, pelo indeferimento do pedido de declaração de ineficácia do mesmo acto.
Ora, como claramente se exprime o Código de Processo Civil, tanto a excepção de litispendência como a do caso julgado, têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (artigo 497º, nº 2).
Com o presente recurso, a recorrente pretende, de facto, que este Tribunal diga agora o contrário do que disse no recurso nº 31641, isto é, que decida autorizar a suspensão de eficácia do mesmo acto (a deliberação de 27 de Novembro de 1992) cuja declaração de ineficácia necessariamente negou, na medida em que negou provimento ao recurso jurisdicional.
É visível que a recorrente pretende, com base em diferente qualificação jurídica de um mesmo acto, conseguir agora o que não conseguiu no anterior recurso, onde teve oportunidade de explanar as suas razões e de invocar os meios pertinentes.
Acontece que o acórdão de 11 de Março verificou a 'correcção jurídica' da decisão que não suspendeu a eficácia da deliberação ordenadora do embargo e julgou sem sentido declarar a ineficácia de um acto administrativo (a deliberação de 27.11.92) que lhe deu seguimento, nesta parte coincidindo com a qualificação da própria recorrente que, como se disse, ao solicitar aquela declaração o considerou como de execução da deliberação impugnada, apontando-lhe o vício de não constituir a resolução fundamentada prevista no nº 1 do artigo
80º da LPTA.
Ora, no presente recurso, se bem que a esse vício tenha aludido, de passagem (no artigo 27º da petição), inflecte a sua argumentação no sentido de pôr em relevo a verificação dos requisitos do nº 1 do artigo 76º da mesma LPTA, como fundamento do pedido.
Tal não significa, porém, que não haja identidade de causa de pedir, porque a pretensão deduzida num e noutro recurso procede do mesmo facto jurídico
(a deliberação de 27.11.92), embora revestido de diferentes roupagens jurídicas. Quanto a este ponto, é pertinente a observação, retirada da lição de Alberto dos Reis (v. supra, nº 3).
Estamos, pelo exposto, perante uma situação de litispendência bem apoiada nos factos descritos. E, como tal, obsta ao conhecimento do pedido, sendo de conhecimento oficioso (Código de Processo Civil, artigo 493º, nº 2,
494º, nº 1, alínea g) e artigo 495º)'.
5.2. O recurso de constitucionalidade previsto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional exige, entre outros pressupostos específicos, a suscitação
'durante o processo' da inconstitucionalidade de uma ou várias normas jurídicas.
Constitui jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal que aquele pressuposto deve ser entendido não em sentido meramente formal, tal que a inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instância, mas num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ser feita em momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz, o qual ocorre, em princípio, com a prolação da sentença. Noutros termos, a questão de inconstitucionalidade considera-se suscitada durante o processo sempre que seja invocada em momento em que o tribunal a quo ainda dela possa conhecer (neste sentido, cfr., inter alia, os Acórdãos nºs. 90/85, 94/88, 318/90, 41/92 e 310/94, publicados no Diário da República, II Série, de 11 de Junho de 1985, 22 de Agosto de 1988, 15 de Março de 1991, 20 de Maio de 1992 e 28 de Agosto de 1994, respectivamente).
Ainda segundo jurisprudência uniforme deste Tribunal, um pedido de aclaração de uma decisão judicial e muito menos o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional já não constituem momentos adequados para suscitar a questão de inconstitucionalidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. Só assim não será de entender, como também o tem afirmado o Tribunal Constitucional, em casos excepcionais, em que se demonstre que o recorrente não teve, de todo em todo, a possibilidade processual de suscitar a questão de inconstitucionalidade, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo.
No caso sub judicio, a recorrente suscitou, como se viu, pela primeira vez, a questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 493º, nº 2, e 494º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Civil, no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, argumentando, em defesa da admissibilidade do recurso, com a circunstância de não ter tido antes oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade.
Estar-se-á, in casu, perante uma situação excepcional ou anómala, na qual a recorrente não dispôs, antes da prolação Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Abril de 1993, de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade?
O Tribunal entende que, no caso dos autos, se está perante uma situação excepcional que justifica uma restrição à orientação da jurisprudência do Tribunal Constitucional, devendo concluir-se que a recorrente está dispensada do ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade 'durante o processo'. É que, por um lado, não podem ser considerados patentes e manifestos os pressupostos da litispendência, em termos de ser legítimo afirmar que a recorrente não poderia razoavelmente deixar de contar com a aplicação pelo acórdão recorrido das normas dos artigos 493º, nº 2, e 494º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Civil. Por outro lado, na data em que a recorrente interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra para o Supremo Tribunal Administrativo (17 de Fevereiro de 1993), ainda não tinha sido proferido o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de Março de 1993, que negou provimento ao primeiro recurso jurisdicional da recorrente, e no qual o acórdão recorrido se alicerça para fundamentar a situação de litispendência.
6. As normas indicadas no requerimento de interposição do recurso e que constituem o seu objecto são as dos artigos 493º, nº 2, e 494º, nº 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil.
O seu conteúdo é o seguinte:
Artigo 493º
' 1. [...]
2. As excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal.
3. [...]'
Artigo 494º
'1. São dilatórias, entre outras, as excepções seguintes:
[...]
g) A litispendência'.
Na tese da recorrente, as normas acabadas de transcrever, com a interpretação que delas foi feita pelo acórdão recorrido, são inconstitucionais, por violação do direito à tutela judicial efectiva, consagrado no artigo 268º, nºs. 4 e 5, da Constituição. Assistirá razão à recorrente?
O Tribunal entende que não, pelas razões que de seguida, sucintamente, se indicam.
6.1. O acórdão recorrido decidiu não tomar conhecimento do recurso jurisdicional, por entender que se verificava a excepção dilatória da litispendência. Não cabe na competência do Tribunal Constitucional controlar o mérito da decisão recorrida, através da reapreciação dos pressupostos da existência da litispendência, mas tão-só averiguar se as normas ou a interpretação ou sentido com que elas foram tomadas no caso em análise são, ou não, contrárias a alguma norma ou princípio constitucional.
Tendo em conta esta perspectiva, pode afirmar-se, desde já, que o instituto da litispendência não configura qualquer obstáculo que ponha em causa ou dificulte o acesso aos tribunais, in casu, à justiça administrativa.
6.2. É, hoje, reconhecida pela doutrina a consagração de um direito
à tutela judicial efectiva, constitucionalmente garantido como direito fundamental dos cidadãos, em especial perante a justiça administrativa, quando sejam titulares de posições jurídicas subjectivas, nos termos do disposto nos artigos 20º e 268º, nºs. 4 e 5, da Lei Fundamental (cfr. M. Fernanda dos Santos Maçãs, A Suspensão Judicial da Eficácia dos Actos Administrativos e a Garantia Constitucional da Tutela Judicial Efectiva, Boletim da Faculdade de Direito, Studia Jurídica 22, Coimbra, Coimbra Editora, 1996, p. 272-276. Cfr. ainda J.J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra, Almedina, 1993, p.
658, e J.C. Vieira de Andrade, Direito Administrativo e Fiscal, Lições ao 3º Ano do Curso de 1993-1994, Faculdade de Direito de Coimbra, p. 76 ss.).
Foi com a Revisão Constitucional de 1989 que o legislador constituinte veio reforçar o direito à tutela judicial efectiva, ao garantir, ao lado do direito ao recurso contencioso (artigo 268º, nº 4), 'aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos' (cfr. o artigo 268º, nº 5, da Constituição). Este último preceito constitucional, introduzido pela Lei Constitucional nº 1/89, traduziu-se, como salientam J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, no reconhecimento ao cidadão de uma protecção jurisdicional administrativa sem lacunas - princípio da plenitude da garantia jurisdicional administrativa -, permitindo-lhe o acesso à justiça para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos, sem se condicionar essa acção à adopção de meios específicos de impugnação ('recurso contencioso') ou à existência de um 'acto administrativo' (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 941, 942).
A garantia recebida no novo preceito constitucional abrange os mecanismos que sejam adequados à defesa e protecção dos direitos subjectivos e interesses legítimos dos cidadãos que sejam lesados por um qualquer acto ilegal da Administração. A tutela judicial não pode ser negada ou limitada a certas formas concretas de actuação da Administração, antes deve ser uma protecção plena, sem lacunas (cfr. M. Fernanda dos Santos Maçãs, ob. cit., p. 274). Compete, no entanto, ao legislador ordinário a disciplina dos aspectos fundamentais do direito constitucional ao recurso contencioso (artigo 268º, nº
4) e do direito constitucional de acesso à justiça administrativa (artigo 268º, nº 5).
Na modelação daqueles direitos, goza o legislador ordinário de uma ampla margem de liberdade, disciplinando aspectos como o do seu âmbito, legitimidade, prazos, poderes de cognição do tribunal, processo de execução das sentenças, etc.. A garantia constitucional do direito à tutela judicial efectiva não implica, como sublinha J.C. Vieira de Andrade (cfr. ob. cit., p.
76), porém, 'que seja livre o acesso aos tribunais, tendo de aceitar-se, por razões de ordem pública, de justiça, de segurança e de eficiência, que a lei limite e discipline as formas pelas quais se processa o recurso dos interessados
(mesmo dos administrados titulares desse direito processual funda- mental) à justiça administrativa'.
Ao legislador é apenas vedada a criação de obstáculos que dificultem ou prejudiquem, sem fundamento e de forma desproporcionada, o direito de acesso dos particulares aos tribunais em geral e à justiça administrativa em particular. Ora, não é isso o que sucede com a excepção dilatória da litispendência. Ao invés, com a introdução desta figura jurídica, pretendeu o legislador tornar o processo jurisdicional mais eficiente. A litispendência, como excepção dilatória, pressupõe a repetição da acção em dois processos diferentes e com ela pretende evitar-se que um dos tribunais, ou o mesmo tribunal, venha a contradizer ou a reproduzir (em qualquer dos casos inutilmente e com risco de grave dano para o prestígio da justiça) a decisão do outro (ou a sua anterior decisão). Cfr. J.M. Antunes Varela/Miguel Bezerra/J. Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 301. A litispendência, que, como excepção dilatória, origina a absol- vição do réu da instância, no segundo processo, contribui, de modo positivo, para a realização mais célebre e eficiente da justiça e, simultaneamente, para a dignificação de todos os intervenientes processuais e dos próprios tribunais. Há, assim, que concluir que as normas dos artigos 493º, nº 2, e 494º, nº 1, alínea g), do Código de Processo Civil não violam o direito à tutela judicial efectiva, condensado nos artigos 20º e 268º, nºs. 4 e 5, da Lei Fundamental, não sendo, por isso, inconstitucionais.
III - Decisão.
7. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar o acórdão recorrido, na parte impugnada.
Lisboa, 6 de Novembro de 1996 Fernando Alves Correia Messias Bento Bravo Serra José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida