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Proc. nº 110/90 Cons. Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A. recorreu para o Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, pedindo a anulação de um despacho da Delegação Aduaneira do -----------------, com base em erro de classificação pautal, praticado na liquidação dos direitos e demais imposições aduaneiras, devidas pelas importações tituladas pelos documentos únicos (DUs) nº 80.133, de 17 de Setembro de 1987, nº 56.039, de 31 de Maio de 1988, e nº 69.863, de 6 de Julho de 1988.
O Mº Juiz, na sentença proferida, julgou-se o único competente em razão da matéria para, em 1ª instância, conhecer do recurso E, a propósito da questão da competência, julgou inconstitucionais as normas a seguir indicadas,
às quais, por isso, disse recusar aplicação:
a). O artigo 42º, nº 1, c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Decreto-Lei nº 129/84, de 29 de Abril), por violação do artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição;
b). os artigos 6º, nº 2, e 126º do Decreto-Lei nº 256-A/82, de 28 de Junho, por violação também da alínea q) do nº 1 do dito artigo 168º;
c). o artigo 41º, nº 1, do Decreto-Lei nº 507/85, de 31 de Dezembro, na parte em que alude a processo técnico e às decisões do tribunal competente, igualmente por violação do dito artigo 168º, nº 1, alínea q);
d). os artigos 185º a 190º, 291º a 293º, 329º e 414º a 417º da Reforma Aduaneira, aprovada pelo Decreto-Lei nº 46.311, de 27 de Abril de 1965, por violação dos artigos 2º, 113º, 114º, nº 1, 205º, nºs 1 e 2, 206º, 211º e
214º, nº 3, da Constituição;
e). o artigo 209º, nº 1, do Contencioso Aduaneiro, aprovado pelo Decreto-Lei nº 31.664, de 22 de Novembro de 1941, por violação das disposições constitucionais por último citadas.
2. É desta sentença que vem o presente recurso, interposto pelo Magistrado do Ministério Público, restrito às questões de constitucionalidade nela decididas.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal suscitou, nas alegações, a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso, seja porque se entenda não existir interesse processual nisso, uma vez que - disse - a decisão recorrida, na parte em que se reconheceu competência ao tribunal fiscal aduaneiro, sempre se manterá 'quer se julguem inconstitucionais quer se julguem não inconstitucionais as normas que constituem objecto do recurso, relativas à competência do tribunal técnico-aduaneiro'; seja porque se deva considerar irrecorrível a decisão proferida, 'já que não houve verdadeira recusa de aplicação das normas que nela foram consideradas inconstitucionais, apenas como obiter dictum ou como argumento ad ostentationem'.
Esta questão prévia foi, no entanto, desatendida pelo acórdão nº
76/91. Nele, considerou o Tribunal que 'o julgamento da questão de inconstitucionalidade, constante da sentença recorrida, aparece nela como fundamento da decisão sobre a competência para o recurso - decisão que, assim, assentou também naquele julgamento', e isso é 'quanto basta para que se deva conhecer do objecto do recurso'.
3. O Procurador-Geral Adjunto veio, entretanto, dizer que, face à publicação do Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, 'pelo menos na parte relativa às normas revogadas', terá deixado de existir 'utilidade processual no conhecimento do objecto do [...] recurso'.
É que - disse - 'dispondo o nº 2 do [...] artigo 28º [desse decreto-lei] que só os processos pendentes (pendentes nos tribunais técnico-aduaneiros, entenda-se) à data da entrada em vigor do diploma se continuariam a reger pelas normas ora revogadas, e sendo certo que o presente processo não estava nessas condições (uma vez que foi directamente apresentado no tribunal fiscal aduaneiro), afigura-se que, mesmo que viessem a ser julgadas, pelo Tribunal Constitucional, não inconstitucionais tais normas, elas jamais poderiam ser aplicadas ao presente caso'.
Notificada do teor do requerimento apresentado pelo Ministério Público, para responder, querendo, veio a recorrida dizer que se mantém 'o interesse no conhecimento do recurso obrigatório interposto'.
Ponderou, para tanto, que 'não é pelo facto de certas normas serem revogadas que privam de interesse no seu conhecimento por inconstitucionalidade material'. E acrescentou: 'o que está em causa neste recurso não é tanto saber a natureza jurídica dos tribunais técnico-aduaneiros,
[...] mas saber a natureza da função por eles exercida'. 'Ora - disse -, o aludido Decreto-Lei nº 281/91 vem reforçar a tese de que esses tribunais técnico-aduaneiros exercem função jurisdicional e não função administrativa', pois, 'o novo órgão [o Conselho Técnico- Aduaneiro] conhece contestações dos particulares aos actos da Administração Aduaneira' e 'dirime litígios entre os cidadãos e o Estado', razão por que o dito Decreto-Lei nº 281/91 é inconstitucional.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir. E decidir, antes de mais, se sim ou não existe interesse jurídico processualmente relevante no conhecimento do objecto do recurso.
II. Fundamentos:
5. Não obstante a sentença recorrida ter julgado inconstitucionais outras normas legais, a verdade é que, como flui do relato inicial, ela só desaplicou, efectivamente, as que atribuem competência aos tribunais técnico-aduaneiros para, em 1ª instância, conhecerem das 'contestações que se suscitarem entre os funcionários técnico-aduaneiros e os donos ou consignatários, das mercadorias acerca da classificação ou valor das mercadorias, taras, aplicação de taxas pautais [...]'.
Só, pois, da questão da constitucionalidade dessas normas efectivamente desaplicadas (ou seja: das normas que atribuem essa competência aos tribunais técnico-aduaneiros) haveria que conhecer neste recurso.
6. Entretanto, porém, foi publicado o Decreto-Lei nº 281/91, de 9 de Agosto, que criou na Direcção-Geral das Alfândegas o Conselho Técnico-Aduaneiro (artigo 1º) - Conselho a quem passou a competir 'decidir sobre as contestações de carácter técnico suscitadas no acto da verificação das mercadorias ou posteriormente ao seu desalfandegamento, relacionadas com a classificação pautal, origem ou valor das mercadorias' (artigo 6º).
As matérias que eram da competência dos tribunais técnico-aduaneiros passaram pois, a sê-lo da competência do Conselho Técnico-Aduaneiro.
Continuaram, no entanto, a reger-se pela legislação que lhes era aplicável, até ao trânsito em julgado da decisão que lhes ponha termo - maxime pelas normas do livro II do Contencioso Aduaneiro, onde se inclui o artigo 209º, e pelas dos artigos 185º a 190º, 192º, 291º a 293º, 414º a 417º, 424º e 425º da Reforma Aduaneira, todas agora revogadas (cf. artigo 28º, nº 1) - os processos que, à data da entrada em vigor do referido Decreto-Lei nº 281/91, se achavam pendentes nos tribunais técnico-aduaneiros, salvo se ainda não tivessem sido apreciados em sessão do tribunal técnico-aduaneiro de 1ª instância (cf. artigo
28º, nº 2).
7. Significa isto que, tal como diz o Ministério Público, nos presentes autos - que nunca foram objecto de qualquer decisão do tribunal técnico-aduaneiro de 1ª instância, nem aí estão pendentes - não são mais aplicáveis as normas que a sentença recorrida efectivamente desaplicou, com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Vale por dizer que deixou de haver interesse processual na decisão da questão de constitucionalidade que constitui objecto do recurso. Este tornou-se, por isso, supervenientemente inútil.
Contrariamente ao que sustenta a recorrida, esse interesse não pode ir buscar-se ao facto de o Decreto-Lei nº 281/91 ser, eventualmente, inconstitucional. Não pode, porque, se tal suceder, essa questão de constitucionalidade não pode ser aqui decidida.
III. Decisão:
Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar extinto o recurso.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 1992
Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Bravo Serra Mário de Brito Fernando Alves Correia José Manuel Cardoso da Costa
[ documento impresso do Tribunal Constitucional no endereço URL: http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19920067.html ]