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Processo n.º 44/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., notificado da decisão sumária n.º 91/2012 que decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso, por si interposto para este Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em que pretendia ver apreciada a “inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40.º, 52.º, 71.º e 210.º do Código Penal e 147.º do Código de Processo Penal, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade e garantias de defesa do arguido, consagrados pelos arts. 13.º, 18.º e 32.º, n.º 8 da CRP”, vem, agora, dela reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 3 da LTC, nos seguintes termos:
“…
A., com os demais elementos de identificação constantes nos autos do processo crime à margem referenciados, em que é recorrente,
- vem reclamar para a conferência da douta decisão sumária proferida pelo Exmo. Conselheiro-Relator em que decidiu não conhecer do objeto do recurso interposto pelo ora Reclamante, por considerar que a questão da inconstitucionalidade posta nos presentes autos não preencheu os requisitos exigidos para tal, bem como, o facto de considerar não se ter suscitado qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o Tribunal recorrido.
reclamação que deduz ao abrigo do estatuído no artigo 78º-A, nº 3 da LTC e com os seguintes
FUNDAMENTOS
A douta decisão reclamada prejudica os interesses processuais do rogante e foi proferida apenas pelo Exmo. Relator, pelo que assiste-lhe o direito que exerce de “requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão”, na literalidade do nº 3, do art. 700º do CPC).
E tal porque, com o devido respeito, o requerente discorda da argumentação expendida no douto despacho em referência por se considerar existir uma inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40º, 52º, 70º, 71º e 210º do CP e 147º do CPP por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade consagrados pelos arts. 13º, 18º e 32º da CRP, disposições normativas estas feridas de inconstitucionalidade que o arguido suscitou na interposição do recurso para este Venerando Tribunal.
PELO EXPOSTO,
o reclamante pretende que sobre a matéria da douta decisão sumária em mérito seja proferido acórdão, pelo que deve a mesma ser submetida à conferência, nos termos do disposto no artigo 78º-A, nº 3, da LCT (cfr. artigo 700º, nº 3, do CPC).
…”.
2. O Exm.º Magistrado do Ministério Público, junto deste Tribunal, veio apresentar resposta, a tal reclamação, do seguinte teor:
“…
1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 91/2012, não se tomou conhecimento do objeto do recurso porque, face ao requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade assentava num objeto inidóneo para conhecimento do qual o Tribunal não era competente e porque durante o processo e perante o Tribunal recorrido não fora suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
2º
Pedida a aclaração daquela decisão foi o requerimento indeferido.
3º
Vem agora o recorrente reclamar para a conferência da Decisão Sumária.
4º
Na reclamação, o recorrente não impugna os fundamentos da douta Decisão Sumária, antes se limita a afirmar que ela prejudica os seus interesses processuais, devendo a conferência pronunciar-se.
5º
Pelo exposto, e concordando nós, integralmente, com e sentido e a fundamente da decisão reclamada, deve indeferir-se a reclamação.
…”.
3. O, ora, reclamante, notificado que foi da decisão sumária em causa, veio inicialmente apresentar ‘pedido de aclaração e esclarecimento de ambiguidades’, com o seguinte teor:
“…
A., com os demais elementos de identificação constantes nos autos do processo crime á margem referenciados, em que é recorrente, havendo sido notificado da douta decisão sumária que antecede, que decide não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto,
- vem respeitosamente, no uso do disposto no nº 2 do art. 666º, al. a) e do art. 669º do CPC, rogar o esclarecimento de algumas duvidas que lhe suscita a douta decisão sumária invocada, credor no demais do preito de homenagem que se lhe presta.
Descontextualizando-se diz-se:
“Por outro lado, deve também referir-se que decorre dos referidos preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos nºs 352/94, 560/94 e 155/95, in Diário da República II Série, respetivamente, de 6 de setembro de 1994, de 10 de janeiro de 1995 e de 20 de junho de 1995).”
Por tal a asserção supra referida, e com o devido e muito respeito suscita dúvidas e ambiguidades na sua compreensão, talvez por limitação pessoal que confessa, requerendo, por tal, que Vossa Excelência esclareça as dúvidas existentes, aclarando e esclarecendo as ambiguidades que com o devido respeito enferma as afirmações que integram o parágrafo em questão.
…”.
4. Pedido esse de aclaração que mereceu, por parte do Exm.º Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, a seguintes resposta:
“…
1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 91/2012, não se tomou conhecimento do objeto do recurso porque, face ao requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade assentava num objeto inidóneo para conhecimento do qual o Tribunal não era competente e porque durante o processo e perante o Tribunal recorrido não fora suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
2º
A decisão é perfeitamente clara e insuscetível de dúvida objetiva que, aliás, o recorrente não identifica como lhe competia (artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil), limitando-se a dizer que tem dúvidas sem especificar quais e porquê.
3º
A parte da Decisão Sumária que o recorrente transcreve no pedido de aclaração é esclarecedora quanto à perfeita clareza da decisão.
4º
A pretensão do recorrente deve, pois, ser considerada manifestamente infundada.
…”.
5. Tal pedido de aclaração mereceu decisão do seguinte teor que, por já transcrito o teor do requerimento então formulado pelo ora reclamante e a resposta ao mesmo apresentada pelo Ministério Público, se cingirá tão só à transcrição da ‘fundamentação’ e ‘decisão’:
“…
Requerimento de fls.331 e 331v.
1. A., recorrente nos presentes autos, notificado que foi da Decisão Sumária n.º 91/2012, proferida nos presentes autos, veio suscitar o incidente de esclarecimento da mesma, nos seguintes termos:
(…)
3. Fundamentação:
Pretende o recorrente que se esclareçam dúvidas e ambiguidades que a decisão sumária, proferida nos autos, lhe suscita, tendo, para tanto, transcrito o excerto dessa decisão em que fundamentava o seu pedido.
Não há dúvida alguma que, ao abrigo do disposto no artigo 669.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC, pode qualquer das partes pedir o esclarecimento de qualquer obscuridade ou ambiguidade de que enferme a decisão sumária.
Ora, como afirma J. RODRIGUES BASTOS (cfr. Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3.ª ed., págs. 196 e 197), «… [a] obscuridade da sentença é a imperfeição desta que se traduz na sua ininteligibilidade; a ambiguidade verifica-se quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes. …».
Sucede que o requerente/recorrente, no caso sub judicio, não invoca, relativamente ao excerto da decisão sumária em causa, qualquer argumento de que possa concluir-se pela existência de obscuridade ou ambiguidade que importe esclarecer, já que se limita à mera transcrição daquele excerto, o que, desde logo, conduziria ao seu indeferimento.
Porém, sempre se dirá que da simples leitura do passo transcrito se não vislumbra que ele possa conter, mau grado a sua desinserção do contexto em que se inclui, qualquer obscuridade ou ambiguidade a necessitar de esclarecimento, já que o seu sentido se mostra claro e inequívoco.
Assim, impõe-se indeferir o presente esclarecimento.
3. Decisão:
Nos termos supra expostos, designadamente por nada haver a esclarecer, indefere-se o requerimento de esclarecimento formulado pelo recorrente.
…”.
Vistos os autos, cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. A decisão sumária de que ora se reclama tem o seguinte teor:
“…
1. A., melhor identificado nos autos, recorre para o Tribunal Constitucional ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, pretendendo ver apreciada a “inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40.º, 52.º, 71.º e 210.º do Código Penal e 147.º do Código de Processo Penal, por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, igualdade e garantias de defesa do arguido, consagrados pelos arts. 13.º, 18.º e 32.º, n.º 8 da CRP”.
2. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. No entanto, uma vez que o caso sub judico se integra no âmbito normativo delimitado pelo artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, e tendo em conta o disposto no artigo 76.º, n.º 3, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos termos seguintes.
3. O recorrente foi condenado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga na pena de 3 anos e 9 meses de prisão efetiva pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.
Inconformado, recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, perante o qual alegou do seguinte modo:
“(...)
1. Não pode o recorrente conformar-se com o subscrito no douto acórdão.
2. Considera o recorrente e com o devido respeito que o Tribunal a quo não fez uma apreciação correta da prova produzida em julgamento, concretamente da prova documental que se encontra junto aos autos e dos depoimentos prestados pelos ofendido e arguido.
3. O Tribunal a quo considerou somente as declarações prestadas pela testemunha B., considerando o depoimento do arguido não credível e sem atender à prova documental constante dos autos.
4. Senão vejamos:
a) O ofendido B. foi vítima de roubo de um computador perpetrado em 1 de fevereiro de 2009, nas circunstâncias descritas no ponto 1 dos factos dados como provados do douto acórdão.
b) Após os factos ilícitos de que foi objeto dirigiu-se à PSP para lavrar a respetiva participação do ocorrido, fazendo um relato sumário do acontecido.
c) No dia seguinte dirigiu-se de novo à PSP para visualizar ‘alguns clichés fotográficos de possíveis suspeitos, não conseguindo contudo identificar para além de qualquer dúvida o indivíduo que o assaltou.
d) No dia 3 de fevereiro, e de acordo com o depoimento que prestou em sede de audiência e julgamento, o ofendido foi informado por um familiar, por um tio e padrinho, agente da PSP, que o alegado suspeito de ter perpetrado o crime em causa teria o cano estacionado numa determinada zona da cidade e seria melhor este aí deslocar-se para o tentar identificar.
e) O ofendido e de acordo com as suas declarações deslocou-se para esse local acompanhado do pai, havendo visualizado o até esse momento suspeito como sendo o individuo que o assaltou.
(Depoimento prestado pela testemunha/ofendido, B. na sessão de audiência de julgamento realizada em 11.05.2010, CD1 20100112144947_282448_64211.html.)
5. Convém salientar que o tio e padrinho da testemunha em supra identificada, de nome C., agente da PSP, junta um documento designado por aditamento aos autos, fls. 11, em que relata uma versão completamente díspar e contraditória daquela que o ofendido declarou em sede de audiência e julgamento.
6. Nesse documento constante dos autos o tio e padrinho do ofendido informa que foi contactado por este (via telemóvel), informando-o que havia reconhecido o autor do roubo de que foi vítima num determinado local, havendo iniciado de imediato a perseguição ao mesmo.
7. Refere igualmente nesse aditamento que foi o ofendido que informou a matrícula e a marca do veículo do alegado suspeito.
8. Menciona ainda que intercetou o ora recorrente e o conduziu à esquadra da PSP de Braga onde havia sido participado o crime em causa.
9. Ora confrontadas as declarações prestadas em sede de audiência e julgamento e o documento a fls. 11, constatamos facilmente que os factos relatados são completamente distintos e contraditórios.
10. A descrição física a que procedeu o ofendido aquando da participação que realizou no dia dos factos, 1 de fevereiro, concretamente ser o arguido alto, magro e moreno, bem como andar vestido de preto,
11. E fundamentalmente, afirmamos nós, ser de etnia cigana,
12. Determinou que o tio e padrinho do ofendido concluísse que o recorrente havia sido o autor do roubo que o seu sobrinho e afilhado foi vítima.
13. Não fosse esta associação imediata que o tio e padrinho do ofendido, agente da PSP, houvesse feito,
14. E apesar da competência e qualidade que nós não duvidamos do OPC em causa, e imediatamente sugestionada por este ao sobrinho e ofendido,
15. Dificilmente e de forma tão imediata conseguiriam identificar o recorrente, imputando-lhe um crime que este não cometeu.
16. Quanto ao reconhecimento presencial, devemos salientar que foi suscitada a irregularidade/nulidade do mesmo, porquanto os dois intervenientes que não o recorrente não possuíam qualquer semelhança física com este, nem o vestuário correspondia à descrição que o ofendido havia prestado aquando da participação crime, (documento constante dos autos a fls.28)
17. Aliás o auto do reconhecimento pessoal a fls. 18 dos autos refere que o autor do crime é um indivíduo com cerca de 20/25 anos, sexo masculino, compleição física normal, com cerca de 1, 70m de altura, cabelo curto.
18. Ora do documento, informação de serviço, a fls. 43 é dada a informação que os indivíduos colocados em fila para reconhecimento do suspeito são de estatura normal, de compleição física magra e com o tom de pele moreno.
19. Antes de mais e ressalta de imediato a diferença quanto à compleição física dos intervenientes e do ora recorrente,
20. já que uns tinham uma compleição física normal e o recorrente é bastante magro, 21. para além dos traços fisionómicos e tom de pele serem bastante diferentes, elementos associados ao facto de nenhum dos intervenientes no autos de reconhecimento pessoal realizado estar vestido conforme a descrição que o ofendido fez do autor do crime de roubo de que foi vitima aquando da participação crime realizada em 1 de fevereiro.
22. Pelo exposto, consideramos e com o devido respeito o reconhecimento pessoal realizado como ilegal, não podendo por tal ser utilizado como meio de prova,
23. pois, trata-se de um meio de prova proibido em virtude da intromissão ilegal no direito à privacidade da pessoa submetida ao reconhecimento (art. 32° n.º 8 da CRP) não podendo por isso ser utilizado e a prova obtida é nula. art. 126° n.º 3 do CPP.
24. Verifica-se assim em nosso entender uma inequívoca postergação clara do princípio in dúbio pró reo.
25. Ao considerar que o arguido participou nos factos, o Tribunal a quo excedeu os limites impostos pelo art. 127º do CPP.
26. O Tribunal a quo não tinha, assim, suporte probatório para considerar assentes os factos dados como provados no que concerne ao recorrente, para, em consequência, condenar o mesmo pela prática de um crime de roubo qualificado.
27. Com efeito, em Direito Penal, a prova para condenação deve ser plena, do mesmo passo que a dúvida determina a absolvição, sendo este o efeito necessário da presunção de inocência.
28. Sob pena de comprometer o embasamento das diligências adota das e seus resultados, cumpre afirmar que, não se questionando a verosimilhança das ilações retiradas de uma apreciação crítica das provas, tem-se como inadequada, face aos factos apurados, a medida da pena concretamente aplicada.
29. O dever de fundamentação de uma decisão só se cumpre quando esta contiver os elementos, que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse num sentido e não noutro.
30. A fundamentação de uma decisão tem de permitir avaliar o porquê dessa decisão. Assumindo que aquela se encontra preenchida, questionam-se as suas derivações.
31. Afigura-se-nos que os elementos recolhidos no decurso das diligências adotadas, a análise e ponderação da matéria probatória carreada e a interpretação conjugada dos elementos disponíveis nos autos não habilitam a que a sanção privativa de liberdade com que o recorrente foi cominado seja na pena de três anos e nove meses de prisão efetiva.
32. No caso sub Júdice e com o devido respeito não foram convenientemente valoradas pelo Tribunal a quo as circunstâncias que determinaram a pena aplicada,
33. Concretamente a restituição ao ofendido do bem objeto de roubo, a inserção familiar do recorrente, a juventude do mesmo, a constituição do agregado familiar, mulher e três filhos menores que de si dependem.
34. Não se olvida a livre apreciação da prova inerente ao ato de julgar e sua independência.
35. Sem prejuízo da consideração do bem jurídico tutelado, o pendor ressocializador das penas não pode ser ignorado. O critério geral previsto no art. 40º nº 1 do CP, em que as finalidades da punição são a proteção dos bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), determina-o.
36. Não se vislumbram razões que reportem o desprendimento do arguido de valores ético jurídicos.
37. Pelo exposto, tem-se como excessiva a pena de prisão efetiva de três anos e nove meses.
38. Visto que, no caso em apreço, o respeito pelas disposições penais aplicáveis não impõe tamanha privação.
39. A teoria da retribuição não ecoa.
40. Pelas expostas razões e reafirmando as elevadas qualidades de inteligência, cultura jurídica, sensatez e suficiente experiência da vida, a limitação resultante da incontornável subjetividade da justiça e o sequente aceite de que ninguém é perfeito,
41. impõe-nos a conclusão que se lamenta dum desrespeito da concordância prática dos valores em causa, valores imperativamente atendíveis por nenhuma sanção poder ser aplicada afora da teleologia especifica do conjunto de meios que é o processo penal,
42. convergente com a regeneração pessoal e social do delinquente, recentemente condenado num outro processo-crime pelo mesmo coletivo, o que afetou a ponderação de meio e fim ínsita no principio da proporcionalidade.
43. Ora tal não foi respeitado desequilibrando-se desrazoávelmente o princípio jurídico-constitucional da proporcionalidade entre prova e pena, que um outro igualmente ponderoso da igualdade de todos perante a lei também impõe,
44, pela circunstância que mereceu a justificação que no douto acórdão contém da personalidade do recorrente e do justificativo racional que esta oferecia para as condutas delituosas imputadas.
45. São os inputs referidos por Max Weber que não inquinam pela compreensão que merecem mas afetam pela injustiça que possibilitam é contra esta que se protesta, nesta vertente da violação dos aludidos princípios jurídico-constitucionais da proporcional idade e da igualdade de todos perante a lei.
46. A jusante, díspar interpretação redunda em deficiente aplicação com violação dos artigos 40º, 52º, 70º, 71º nº l e nº 2, 210º nº l e 2, al. b), do Código Penal, art. 147º, do Código Processo Penal, bem como, a violação do estatuído nos artºs. 13º, 18º e 32º nº 8, da Constituição da República Portuguesa.
(...)”.
4. O Tribunal da Relação negou provimento ao recurso por acórdão de 20 de junho de 2011 (fls. 274 a 295), dele recorrendo o arguido, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, para que fosse sindicada a “inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40.º, 52.º, 71.º e 210.º do Código Penal e 147.º do Código de Processo Penal”.
5. Estabelecem os artigos 280.º, n.º 1, al. b), da CRP, e 70.º, n.º1, al. b), da LTC, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Segundo a jurisprudência constante e uniforme deste Tribunal, só podem constituir objeto desse recurso constitucional normas jurídicas que tenham constituído ratio decidendi da decisão (cf., por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 18/96, publicado no DR II Série, de 15 de maio de 1996; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, p. 821, e JOSÉ MANUEL M. CARDOSO DA COSTA, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e atualizada, 2007, págs. 40 e segs).
O recurso de constitucionalidade, tal como foi gizado pelo legislador constitucional – com natureza instrumental e relativamente a normas jurídicas –, tem em vista o controlo da conformidade com a Constituição (as normas e princípios constitucionais) das normas jurídicas que tenham sido convocadas como suporte normativo da concreta decisão proferida, não sendo, admissíveis os recursos que, ao jeito da Verfassungsbeschwerde alemã ou do recurso de amparo espanhol, sindiquem, sub species constitutionis, a concreta aplicação do direito efetuada pelos demais tribunais, em termos de se assacar ao ato judicial de “aplicação” a violação (direta) dos parâmetros jurídico-constitucionais.
Assim sendo, estão arredados do objeto do recurso os outros atos admitidos na ordem jurídica, embora estes façam, porventura, aplicação direta de normas e princípios constitucionais, como acontece com as decisões judiciais (sentenças e despachos), os atos administrativos e os atos políticos.
Deste modo, não pode, no recurso de constitucionalidade, sindicar-se a correção jurídica da sentença, seja no que se refere à determinação, no plano do direito infraconstitucional, da norma aplicada ao caso, seja no que importa à operação de subsunção das circunstâncias do caso ao quadro normativo elegido e ao resultado de uma tal atividade cognitivo-decisória, seja mesmo no que concerne à aplicação que a mesma faça diretamente das normas de direito infraconstitucional e das normas e princípios constitucionais. Não obstante o recurso de constitucionalidade respeitar a uma decisão judicial e a decisão naquele proferida no sentido da inconstitucionalidade ou da constitucionalidade da(s) norma(s) jurídica(s), nele sindicadas, poder afetar a manutenção da decisão, porquanto um juízo, nele tirado, sobre a questão de constitucionalidade em sentido desconforme com o efetuado na decisão proferida pelo tribunal recorrido obrigará à reforma desta, o certo é que o objeto do recurso é tão só a norma jurídica que constitua a ratio decidendi da decisão. Nesse recurso, apenas cabe ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre se a norma jurídica concretamente aplicada é ou não constitucionalmente válida.
Por outro lado, deve também referir-se que decorre dos referidos preceitos que a questão de inconstitucionalidade tenha de ser suscitada em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo, de modo que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre tal matéria e que desse ónus de suscitar adequadamente a questão de inconstitucionalidade em termos do tribunal a quo ficar obrigado ao seu conhecimento decorre a exigência de se dever confrontar a norma sindicanda com os parâmetros constitucionais que se têm por violados, só assim se possibilitando uma razoável intervenção dos tribunais no domínio da fiscalização da constitucionalidade dos atos normativos.
É evidente a razão de ser deste entendimento: o que se visa é que o tribunal recorrido seja colocado perante a questão da validade da norma que convoca como fundamento da decisão recorrida e que o Tribunal Constitucional, que conhece da questão por via de recurso, não assuma uma posição de substituição à instância recorrida, de conhecimento da questão de constitucionalidade fora da via de recurso (cf., por exemplo, os Acórdãos nºs 352/94, 560/94 e 155/95, in Diário da República II Série, respetivamente, de 6 de setembro de 1994, de 10 de janeiro de 1995 e de 20 de junho de 1995).
5.1. In casu, perscrutados os autos, nenhum dos assinalados requisitos pode considerar-se satisfeito.
Desde logo e começando pelo primeiro pressuposto delimitador da competência cognitiva deste Tribunal, cumpre referir que o presente recurso de constitucionalidade assenta num objeto inidóneo, para o conhecimento do qual o Tribunal Constitucional não se encontra habilitado ex constitutionis.
De facto, como se explicitou, ainda que o recorrente tenha recorrido para sindicar a inconstitucionalidade decorrente da aplicação de um conjunto de normas legais pelo Tribunal a quo, a verdade é que as questões relativas à aplicação do direito ordinário não são aqui passíveis de recurso.
A violação direta das normas e princípios constitucionais pela decisão judicial, atenta a circunstância de não vigorar entre nós o meio constitucional do recurso de amparo, apenas pode ser conhecida no plano dos recursos de instância previstos na respetiva ordem de tribunais, sendo assim necessário distinguir, para efeitos de definição do objeto do recurso de constitucionalidade, as situações em que se controverte a concreta decisão, considerada como resultado de um momento de aplicação dos preceitos legais – a isso se reconduzindo as situações em que “embora sob a capa formal da invocação da inconstitucionalidade de certo preceito legal tal como foi aplicado pela decisão recorrida - o que realmente se pretende controverter é a concreta e casuística valoração pelo julgador das múltiplas e específicas circunstâncias do caso sub judicio (…); [designadamente] a adequação e correção do juízo de valoração das provas e fixação da matéria de facto provada na sentença (...) ou a estrita qualificação jurídica dos factos relevantes para a aplicação do direito […];” (cf. CARLOS LOPES DO REGO, «O objeto idóneo dos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional», in Jurisprudência Constitucional, n.º 3, p. 8) –, daquelas em que está essencialmente em causa o momento normativo da concreta realização do direito, traçado pela determinação do critério jurídico à luz do qual deve ser valorado o problema, escapando, como se disse, ao controlo do Tribunal a qualificação e a valoração da matéria de facto que com aquele momento converge no juízo decisório.
Por esse motivo, não pode o Tribunal tomar conhecimento da inconstitucionalidade decorrente da aplicação das normas ao caso concreto.
5.2. Em segundo lugar, refira-se ainda que o recorrente também não suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa perante o Tribunal recorrido, como ressalta das conclusões do recurso que interpôs para o Tribunal da Relação – maxime na conclusão 46.ª: “(...) díspar interpretação redunda em deficiente aplicação com violação dos artigos 40.º, 52.º, 70.º n.º 1 e 2, 210.º, n.º 1 e 2, al. b), do Código Penal, artigo 147.º, do Código de Processo Penal, bem como, a violação do estatuído nos arts. 13.º 18.º e 32.º, n.º 8, da Constituição da República Portuguesa” –, onde é notório que a inconstitucionalidade foi claramente reportada à decisão e à sua alegada ilegalidade.
6. Termos em que, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
…”.
6. Ora, como resulta do teor da reclamação apresentada, o reclamante limita-se, em essência e síntese, a afirmar que a decisão reclamada «… prejudica os interesses processuais do rogante …» e, bem assim, que « … discorda da argumentação expendida no douto despacho em referência por se considerar existir uma inconstitucionalidade material decorrente da aplicação dos artigos 40.º, 52.º, 70.º, 71.º e 210.º do CP e 147.º do CPP por violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e igualdade consagrados pelos arts. 13.º, 18.º e 32.º da CRP, …», sem que aduza qualquer fundamento ou formule qualquer juízo crítico que pudessem colocar em crise a decisão reclamada.
Acresce que da leitura da decisão reclamada se não vislumbra o que quer que seja que possa abalar os fundamentos nela vertidos e que justificam o decidido.
Assim, impõe-se naturalmente concluir pela manifesta improcedência da reclamação, mantendo-se na íntegra a decisão reclamada.
III. Decisão
7. Nos termos supra expostos, decide-se indeferir a presente reclamação, mantendo-se, consequentemente, a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 25 (vinte e cinco) UCs.
Lisboa, 30 de maio de 2012.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.