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Processo n.º 147/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 11 de janeiro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 129/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
O recorrente pretende ver apreciada a “norma do nº4 do art. 411 do C.P.P. na interpretação feita no douto acórdão recorrido de que o prazo de 30 dias de apresentação do recurso do despacho de não pronúncia da arguida proferido em instrução criminal, mesmo estando feita a transcrição nos autos por decisão do Tribunal e por perito do Tribunal da prova gravada na instrução, exige para o recorrente poder apresentar o recurso em tal prazo de 30 dias, que o recorrente demonstre nos autos que ouviu a cassete que contém a gravação da prova, demonstrando ter pedido a cassete ao Tribunal, e que analisou a gravação da prova constante da cassete, e que seja pela audição e análise da cassete que sejam feitas pelo recorrente as indicações referidas no nº4 do art. 412 do C.P.P., ainda que o recorrente que requereu nas conclusões da motivação a reapreciação da prova gravada e se serviu na elaboração da motivação do recurso da transcrição existente da prova, porquanto apenas daquele modo tem o recurso por objeto a reapreciação da prova gravada e apenas assim possa o recurso ser apresentado no prazo de 30 dias”.
Este enunciado é significativo de que não estamos perante uma norma, face às particularidades do caso que são especificadas. Com efeito, “a interpretação normativa sindicável pelo Tribunal Constitucional pressupõe uma vocação de generalidade e abstração na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente – de modo a autonomizá-lo claramente da pura atividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto” (Lopes do Rego, “O objeto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, n.º 3, p. 7).
Como o presente recurso não tem natureza normativa, não pode tomar-se conhecimento do objeto do mesmo, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC).»
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«1 – Ressalvado o devido respeito o que foi sujeito à fiscalização da constitucionalidade não foi a decisão do Tribunal da Relação em si mesma considerada, mas da norma do art. 411 nº4 do C.P.P. na interpretação com que ela foi tomada e aplicada na decisão recorrida
2 – O que interessa é o sentido da norma do art. 411 nº4 do C.P.P. com que a aplicou o Tribunal da Relação do Porto
3 – Na averiguação e determinação do que seja “norma”, não se pode partir só da ideia clássica que liga a esse conceito as características da “generalidade” e “abstração”, mas um conceito funcional de norma (cfr. acs. 26/85, 80/86, 157/88, 63/91, e 659/95)
4 – Destarte, o douto acórdão da Relação, na interpretação feita ao nº4 do art. 411 do C.P.P., traçou a necessidade de uma conduta em termos gerais e abstratos como pressuposto do prazo de 30 dias para a apresentação do recurso ou seja:
- estando a prova gravada em cassete, deve o recorrente fazer prova de que requereu ao Tribunal cópia da cassete, e de que a ouviu e a analisou;
- de que foi com base nessa audição e análise feita da cassete, que satisfez os pontos exigidos no nº4 do art.412 do C.P.P. sendo para tal irrelevante socorrer-se de apontamentos da prova que tirou na audiência ou que se socorra da transcrição já feita nos autos mandada fazer pelo Tribunal.
Ora é com este condicionamento que estabelece, para o recurso poder ser apresentado em 30 dias, que, e embora lhe subjaza a apreciação de um caso concreto e singular, como sendo exigência da referida norma, estabelecendo outrossim a necessidade de uma conduta em termos gerais e abstratos, para quem pretenda apresentar tempestivamente o recurso no prazo de 30 dias, não bastando para tal, socorrer-se da transcrição já feita nos autos ou até de apontamentos que tenha tirado da prova na audiência, e ainda que conste nas conclusões da motivação o pedido da reapreciação da prova gravada e, outrossim, observe o nº4 do art. 412 do C.P.P.com base na transcrição da prova já existente nos autos.
Sem dúvida que o douto acórdão da Relação se debruçou sobre o caso concreto, mas traça um paradigma, um modelo numa estatuição geral e abstrata a que se deve acomodar quem pretenda apresentar o recurso no prazo de 30 dias, isto é que deve proceder do modo “fattispecie” que figurou.
5 – No objeto do recurso de constitucionalidade por lapso faltaram as palavras
“... e por esta transcrição já feita nos autos observou o nº4 do art. 412 do C.P.P. ...” lapso cuja retificação requer, tendo o objeto do recurso a seguinte redação:
“2- Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do nº4 do art. 411 do C.P.P. na interpretação feita no douto acórdão recorrido de que o prazo de 30 dias de apresentação do recurso do despacho de não pronúncia da arguida proferido em instrução criminal, mesmo estando feita a transcrição nos autos por decisão do Tribunal e por perito do Tribunal da prova gravada na instrução, exige para o recorrente poder apresentar o recurso em tal prazo de 30 dias, que o recorrente demonstre nos autos que ouviu a cassete que contém a gravação da prova, demonstrando ter pedido a cassete ao Tribunal, e que analisou a gravação da prova constante da cassete, e que seja pela audição e análise da cassete que sejam feitas pelo recorrente as indicações referidas no nº4 do art. 412 do C.P.P., ainda que o recorrente que requereu nas conclusões da motivação a reapreciação da prova gravada e se serviu na elaboração da motivação do recurso da transcrição existente da prova e por esta transcrição já feita nos autos observou o nº4 do art. 412 do C.P.P., porquanto apenas daquele modo tem o recurso por objeto a reapreciação da prova gravada e apenas assim possa o recurso ser apresentado no prazo de 30 dias”».
4. Notificados os recorridos, respondeu apenas o Ministério Público, nos seguintes termos:
«5º
Ora, a argumentação invocada pelo ora reclamante acaba por não afastar, inteiramente, o bem fundado da Decisão Sumária reclamada, que assinala, no entender deste Ministério Público com razão, a excessiva particularização dos factos atinentes à questão de inconstitucionalidade suscitada nos autos, que põe em causa a enunciação da respetiva dimensão normativa.
6º
É, com efeito, jurisprudência assente deste Tribunal Constitucional, que o recurso de constitucionalidade deve integrar uma dimensão normativa, não servindo, apenas, para colocar em causa a bondade da decisão impugnada.
(…)
7º
Por outro lado, este Tribunal Constitucional também tem, reiteradamente, afirmado, que o recorrente tem o ónus de enunciar, de forma clara e percetível, o exato sentido normativo do preceito que considera inconstitucional.
(…)
8º
Não obstante tal jurisprudência, poder-se-á, contudo, no limite, entender que, apesar das suas deficiências, o requerimento de interposição de recurso do ora reclamante é, ainda, suficientemente compreensível, na sua formulação, para permitir intuir a dimensão normativa da questão de constitucionalidade que o mesmo reclamante pretendia suscitar.
9º
Mesmo, porém, que assim se entenda, não se crê que a argumentação do interessado mereça acolhimento.
Na verdade, é igualmente jurisprudência constante, deste Tribunal Constitucional, que a admissibilidade do recurso, formulado ao abrigo da alínea b), do nº 1, do art. 70º da LTC, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: ter havido previamente lugar ao esgotamento dos recursos ordinários, tratar-se de uma questão de inconstitucionalidade normativa, a questão de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (cfr. n.º 2 do artigo 72.º da LTC), e a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente (cfr. a este propósito, por exemplo, os Acórdãos 269/94, 352/94, 367/94, 560/94, 155/95, 192/00, 199/98, 618/98, 710/04).
Faltando um destes requisitos, designadamente o último, o recurso não pode ser conhecido.
10º
Ora, não parece haver coincidência entre a ratio decidendi do Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto e a questão de inconstitucionalidade suscitada pelo ora reclamante, como se comprova pela necessidade que este tem de invocar, ad nauseam, as circunstâncias do caso concreto, em vez de se cingir à questão jurídica essencial.
11º
Atente-se, com efeito, na fundamentação do Acórdão recorrido, do Tribunal da Relação do Porto, nesta matéria (cfr.fls. 396-400 dos autos).
(…)
12º
Ora, uma tal ratio decidendi é muito diferente daquela que o ora reclamante apresentou no seu requerimento de interposição de recurso.
Com efeito, o que o Tribunal da Relação do Porto considera é que, pelos vistos, o prazo de 30 dias, utilizado pelo recorrente para interpor o seu recurso, não era necessário, uma vez que não houve lugar a “reapreciação da prova gravada”, como exigido pelo art. 411º, nº 4 do CPP.
Nessa medida, o prazo de interposição de recurso era, apenas, de 20 dias, prazo, esse, que o interessado ultrapassou.
12º
Por todo o exposto, crê-se que a reclamação para a conferência, em apreciação, não merece provimento, não havendo razões para alterar o sentido da Decisão Sumária 129/12, que determinou a sua apresentação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Na decisão reclamada concluiu-se pelo não conhecimento do objeto do recurso com fundamento na natureza não normativa do objeto do mesmo, na medida em que o que pretende ser uma especificação de determinada interpretação normativa mais não é do que a particularização do sucedido no processo que deu origem ao presente recurso, faltando-lhe a necessária vocação de generalidade e abstração.
Os argumentos do reclamante não contrariam, porém, a decisão sumária prolatada.
Por um lado, como realça Lopes do Rego, “ao contrário do que ocorre com a delimitação do conceito funcional e formal de norma, em que (…) a jurisprudência constitucional prescinde das notas de generalidade e de abstração – a interpretação normativa sindicável pelo Tribunal Constitucional pressupõe uma vocação de generalidade e abstração na enunciação do critério normativo que lhe está subjacente – de modo a autonomizá-lo claramente da pura atividade subsuntiva, ligada irremediavelmente a particularidades específicas do caso concreto” (“O objeto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”, Jurisprudência Constitucional, n.º 3, p. 7, citado na decisão sumária).
Por outro lado, o reclamante não contraria em nada o entendimento de que o enunciado indicado no requerimento de interposição de recurso está, irremediavelmente, ligado a particularidades específicas do caso concreto, a comportamentos do recorrente e à peça processual por si elaborada (audição da cassete que contém a gravação da prova, pedido da cassete ao Tribunal e análise da gravação da prova constante da cassete; requerimento de reapreciação da prova gravada nas conclusões da motivação, elaborada com base na transcrição da prova existente).
Em face de tudo o que ficou dito, não se vislumbra razão bastante para inverter o juízo firmado na decisão sumária reclamada, que assim deve ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 9 de maio de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.