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Processo 600-A/2011
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., notificada que foi do despacho que julgou improcedente o suscitado incidente processual de justo impedimento, veio do mesmo reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 3 da LTC, pedindo que se considere que “ ...houve justo impedimento, ...” e se admita “... o requerimento junto com o mesmo, ...”.
2. Para fundamentar tal pedido, a requerente alegou o seguinte:
“ (…)
A. e o seu mandatário, notificados do despacho proferido pelo Exmº Juiz Conselheiro Relator, vêm reclamar do mesmo para a conferência, nos termos do disposto no art. 78/A-3 da Lei do T.C., nos termos seguintes:
1 - Contrariamente ao que consta daquele despacho, o médico não tem de dizer qual a doença que afeta o paciente, porque a deontologia hipocrática e a lei o proíbe de certa maneira.
2 - E o requerente do justo impedimento não esperava, nem era crível que pudesse esperar que Juízes do Tribunal Constitucional lhe exigissem a revelação do segredo médico, atinente à sua própria intimidade, reservada segundo a Constituição.
3 - Em todo o caso, se o Meritíssimo Conselheiro estava com dúvidas, está na competência do Tribunal poderem ser ordenadas oficiosamente diligências de certificação, no limite, para submeter o visado, i. é, o Advogado que requereu justo impedimento, a uma Junta Médica.
4 - E, na verdade, uma Junta Médica, perante o atestado e consulta do médico assistente ou por acesso a outra documentação hospitalar que diz respeito, infelizmente, a sucessivos e frequentes internamentos do Advogado, em risco de vida, logo diria que a doença é verdadeira, impossibilitante durante aquele período e congruente o atestado médico posto em causa pela decisão singular.
5 - Por fim, o argumento de negligência do Advogado, por não ter meios de fortuna para se cercar, em certo período, de pessoal no escritório e de meios telemáticos, é não só ridículo como ofensivo, num Tribunal Constitucional que vela para que não haja discriminações em razão do estatuto económico de qualquer cidadão, como o Advogado, por ser Advogado, não deixa de o ser.
6 - O despacho reclamado violou, flagrantemente, o disposto nos artºs. 13/1 e 2, 18/1, 20/1 e 5 e 26/1 e 2 da CRP .
(...)”.
3. O Ministério Público, notificado da reclamação deduzida, pronunciou-se nos seguintes termos:
“ (...)
1. No âmbito dos presentes autos, foram já proferidos, relativamente à recorrente, A., as seguintes decisões por este Tribunal Constitucional:
- Decisão Sumária 548/11, de 10 de outubro de 2011 (cfr. fls. 3-4 dos autos), que decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto pela mesma recorrente;
- Acórdão 555/11, de 16 de novembro de 2011 (cfr. fls. 5-8 dos autos), que indeferiu a reclamação para a conferência apresentada pela interessada;
- Acórdão 652/11, de 21 de dezembro (cfr. fls. 9-19 dos autos), que indeferiu o pedido de reforma do Acórdão 555/11, apresentado pela recorrente.
2. Posteriormente, alegando “justo impedimento”, porque “esteve doente e impossibilitado de exercer as suas atividades profissionais entre 10/01/2012 e 30/01/2012”, veio o digno mandatário da recorrente solicitar fosse deferido o “justo impedimento” e apresentar uma arguição de nulidade (cfr. fls. 25 dos autos).
3. Este Ministério Público pronunciou-se, então, sobre um tal requerimento, dizendo (cfr. fls. 29 verso dos autos):
“Pelo caráter vago do atestado médico apresentado e uma vez que as afirmações do mandatário de fls. 25, não nos parecem minimamente convincentes, entendo que não deve considerar-se ter existido justo impedimento”.
4. ...
5. Vem, agora, a Recorrente reclamar do referido despacho para a conferência, “nos termos do disposto no art. 78/A – 3 da Lei do T.C.” (cfr fls. 49-50 dos autos).
No entanto, tal disposição legal não parece permitir fundamentar um tal pedido, sendo certo que a recorrente pretenderá, antes, referir-se ao art. 78º-B, nº 2 da mesma LTC.
Crê-se, pois, que, com base nesta última disposição, poderá o requerimento da interessada ser apreciado pela conferência.
6. O despacho do Ilustre Conselheiro Relator, agora reclamado, apresenta-se devidamente fundamentado e compreensível, não oferecendo, pois, dúvidas sobre as razões, aliás irrepreensíveis, que determinaram a decisão proferida.
E, em sentido idêntico, se pronunciou, igualmente, em momento anterior, este Ministério Público.
7. Invoca, no entanto, a interessada, há que reconhecer que com alguma razão, que relativamente os atestados médicos juntos aos autos, “o médico não tem de dizer qual a doença que afeta o paciente, porque a deontologia hipocrática e a lei o proíbe de certa maneira”.
Nessa medida, “o requerente do justo impedimento não esperava, nem era crível que pudesse esperar que Juízes do Tribunal Constitucional lhe exigissem a revelação do segredo médico, atinente à sua própria intimidade, reservada segundo a Constituição.”
8. E acrescentou ainda, a ora reclamante:
“3 - Em todo o caso, se o Meritíssimo Conselheiro estava com dúvidas, está na competência do Tribunal poderem ser ordenadas oficiosamente diligências de certificação, no limite, para submeter o visado, i.é, o Advogado que requereu justo impedimento, a uma Junta Médica.
4 – E, na verdade, uma Junta Médica, perante o atestado e consulta do médico assistente ou por acesso a outra documentação hospitalar que diz respeito, infelizmente, a sucessivos e frequentes internamentos do Advogado, em risco de vida, logo diria que a doença é verdadeira, impossibilitante durante aquele período e congruente o atestado médico posto em causa pela decisão singular.”
9. Ora, na altura em que este Ministério Público considerou não estarem reunidas informações suficientes, para se poder considerar estar-se perante uma verdadeira situação de «justo impedimento», desconhecia os elementos – novos atestados médicos - entretanto juntos aos autos (cfr. fls. 34-40 dos autos), por decisão avisada, aliás, do Ilustre Conselheiro Relator (cfr. fls. 32 dos autos).
Tais elementos comprovam que, de facto, o Ilustre Mandatário da Recorrente teve sucessivos períodos de doença, devidamente comprovados por atestado médico, períodos de doença, esses, que poderiam ser impeditivos do exercício da sua normal atividade processual.
Nada permite concluir, por outro lado, que tais períodos, até pelo tipo de doença verificada, que se continua a desconhecer qual seja, não pudessem ser imprevisíveis, como tal não permitindo uma gestão atempada de intervenções processuais futuras, precauções a que alude o despacho ora reclamado.
10. Nessa medida, muito embora se reconheça inteira procedência na argumentação aduzida pelo Ilustre Conselheiro Relator, no referido despacho, argumentação, essa, que se crê igualmente ponderosa, não repugnaria a este Ministério Público que, no caso concreto em apreciação, sobretudo atendendo ao facto de a Recorrente ser a principal prejudicada pela decisão proferida, a conferência admita a reclamação apresentada e aprecie, de fundo, a arguição de nulidade anteriormente entregue.
Com tal procedimento, não haveria dúvidas que a decisão final seria sempre de mérito e não baseada em não conhecimento, por questão meramente processual.
11. Por todo o exposto ao longo da presente resposta, muito embora se reconheça, como se disse, ser ponderosa a argumentação aduzida no despacho reclamado, não se opõe, este Ministério Público, que a arguição de nulidade, anteriormente apresentada pela Recorrente, seja agora apreciada e decidida pela conferência.
(...).
4. O despacho que constitui objeto da presente reclamação, proferido em 7 de março de 2012, é do seguinte teor:
“ (...)
1. A. vem, através do requerimento em epígrafe, remetido por ‘fax’ em 31.01.12 e entrado na secretaria deste Tribunal em 01.02.12, suscitar o incidente de justo impedimento nos termos e com os fundamentos seguintes:
«…
1 – O mandatário da recorrente esteve doente e impossibilitado de exercer as suas atividades profissionais entre 10/01/2012 e 30/01/2012.
2 – O advogado signatário vive sozinho, não tem funcionários, naquele período não tinha telemóvel e não pode contactar, nem o mandante nem colega ou alguém de confiança que se deslocasse ao escritório e respondesse à notificação.
3 – Nestes termos, requer seja deferido e justo impedimento arguido e admitido o requerimento junto.
…»
Juntou um atestado médico e indicou como testemunha um tal B..
Mais apresentou, na mesma data e termos, um requerimento, com ele pretendendo «… arguir a nulidade do acórdão n.º 652/2011…», proferido nos autos em 21.12.2011.
2. O Exmo. Representante do Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado do teor de tal requerimento, sobre ele se pronunciou nos seguintes termos:
«Pelo caráter vago do atestado médico e uma vez que as afirmações do mandatário de fls. 25, não nos parecem minimamente convincentes, entendo que não deve considerar-se ter existido justo impedimento».
...
3. Os autos revelam, com interesse para a decisão do presente incidente processual, os seguintes factos:
3.1 – Em 19.10.2011, foi proferida pelo relator decisão sumária, nos autos principais, na qual se decidiu « … não tomar conhecimento do objeto do presente recurso de constitucionalidade»;
3.2 – Em 16.11.2011, foi proferido acórdão, em conferência e na 2ª Secção, em que se decidiu «… indeferir a presente reclamação», ou seja, indeferiu-se a reclamação apresentada da decisão sumária;
3.3 – Em 21.12.2011, foi proferido novo acórdão, em conferência e na 2ª Secção, no qual se decidiu «… indeferir o pedido de reforma de acórdão»;
3.4 – Em 13.01.2012, o acórdão referido transitou em julgado, tendo os autos principais sido remetidos à Secção Central para elaboração da conta de custas;
3.5 – Em 26.01.12, foi elaborada a conta de custas nº 53/2012, conta esta de que foi expedido aviso de notificação para a, ora, requerente, em 31 de janeiro de 2012, para que procedesse ao seu pagamento ou à sua reclamação.
3.6 – Em 31.01.2012, é remetido por ‘fax’ o requerimento de ‘justo impedimento supra mencionado, acompanhado de um requerimento em que se anuncia «… arguir a nulidade do acórdão nº 652/2011.
3.7 – Em 15 de fevereiro de 2012, proferiu-se despacho em que se conclui da seguinte forma «… nos termos do disposto nos artigos 264.º, n.º 2 e 514.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 69.º da LTC, extraia-se e junte-se certidão de fls. 82, 83, 88, 94 e 95 do referido processo n.º 861-A/10, pendente na 2.ª Secção do Tribunal».
3.8 – De tal certidão resulta que foi suscitado, por requerimentos de 25.10.2011 e 24.11.2011, justo impedimento com fundamento em doença do mesmo Exmo. Advogado, tendo então junto um atestado médico e arrolado a mesma testemunha (A.), sendo que, quanto ao primeiro, o período abrangido era de 06.10.2011 a 21.10.2011, quanto ao segundo, o período abrangido pela doença era de 11.11.2011 a 22.11.2011.
3.9 – Para além da doença, invocava-se, no requerimento de 25.10.2011, que «… não tem neste momento empregado de escritório, vive sozinho e não pode contactar colega», e, no de 24.11.2011, que «… O mandatário não tem, neste momento, empregado de escritório e, por se encontrar acamado e por falta de dados que se encontravam no escritório, não pode contactar naquele período com terceiros, incluindo os mandantes».
3.10 – Nos atestados médicos juntos não se refere minimamente o género de doença que afetou o Ilustre Mandatário da requerente, neles se deixando apenas referidos os períodos de doença e a afirmação de que a mesma era impossibilitante do exercício de atividades profissionais.
4. Dispõe-se no artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC, que «Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato».
No dizer de J. Rodrigues Bastos (cfr. Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, 3.ª edição, página 215, nota 1 ao artigo 146.º), « … [o] impedimento é justo quando não permitir, em absoluto, que o ato seja praticado a tempo, o que exclui a simples dificuldade de o levar a cabo, por maior que ela seja; acresce que só tem essa dificuldade o acontecimento que não for imputável à parte ou ao seu representante. …», continuando, de seguida «… [o] n.º 1 do preceito sofreu algumas modificações de redação com o confessado propósito de “permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa que se afastem da excessiva regidificação que muitas decisões, proferidas com base na definição constante da lei em vigor inquestionavelmente revelam” (Do preâmbulo do Dec. Lei n.º 339-A/95). …O que será necessário é que o juiz, em cada caso concreto, averigue se o motivo invocado tem os requisitos legais: se era imprevisível, se não era imputável à parte ou aos seu representantes, e, finalmente, se obstava de modo absoluto, à prática em tempo, do ato judicial de que se tratava. …».
No caso sub judice, não pode olvidar-se que o acórdão, de que se pretendia arguir nulidade, transitou em 13.01.2012, e o período de doença invocado, a fazer fé no que reza o estado médico junto, iniciou-se em 10.01.2012, o que não tendo o condão de, por si só, afastar uma situação de ‘justo impedimento’, não deixa de ter algum relevo ao nível da diligência por parte do mandatário em causa, porquanto, tratando-se, de pessoa avisada em matéria profissional e forense, não desconhecia, com toda a certeza, a natureza do prazo perentório em curso e, consequentemente, a tomada das providências que se lhe impunham, pois a notificação do acórdão, que pretendia colocar em crise, já lhe havia sido notificado há uns dias, e o requerimento a formular, atenta a matéria constante do mesmo, já que junto de imediato com a arguição do ‘justo impedimento’, se revela de grau de dificuldade não impeditivo de uma atuação pronta.
Acresce que, como indiciam os autos, o Ilustre Mandatário, a fazer fé nos atestados médicos juntos nos sucessivos incidentes de ‘justo impedimento’ suscitados no âmbito do processo n.º 861-A/10, é pessoa atreita a períodos de doença não muito curtos, pois esteve doente entre - 06.10.2011 e 21.10.2011, 11.11.2011 e 22.11.2011, 10.01.2012 e 30.01.2012 -, o que lhe exigia, como profissional responsável que é, a tomada de cautelas, sob pena de falta de diligência, que obstassem à sucessiva prática inatempada de atos processuais.
Mas se isso não bastasse, ter-se-ia, que perante a revelação de tais dificuldades, que vêm, pelo menos, de 06.10.2010, o Ilustre Mandatário, como é exigível a um profissional minimamente atento e diligente, tanto mais que exerce uma profissão em área altamente sensível a nível de prazos para a prática de atos processuais, como não poderá desconhecer, nunca se muniu dos meios logísticos mínimos que lhe permitissem uma prática minimamente diligente na sua atividade forense, designadamente que lhe permitissem estabelecer contacto com as partes ou outros profissionais forenses que pudessem colmatar quaisquer impossibilidades de contacto e/ou ação processual.
De tudo se deve concluir que, tendo em conta a total omissão de indicação nos atestatos médicos, juntos nos sistemáticos incidentes de ‘justo impedimento’ que suscita, do tipo de doença de que padece (ou, padecia) e que permita aquilitar do grau de imprevisibilidade e, consequente, impossibilidade de o mesmo contactar com terceiros (incluindo, a parte), e, bem assim, o grau de negligência revelado pelo facto de se não munir dos meios logísticos (pessoal e telemático) mínimos, exegíveis à sua atividade forense, que lhe permitam acautelar a ocorrência de situações como as reveladas nos autos, não pode considerar-se que se esteja, no caso concreto, perante uma situação de ‘justo impedimento’.
Assim:
a) – indefere-se o invocado ‘justo impedimento’;
b) – não se autoriza a prática do ato pretendido, por há muito se haver esgotado o prazo para tal, ordenando-se, consequentemente, o desentranhamento do requerimento de fls. 27 e 28, ficando cópia do mesmo nos autos e apenso por linha.
Apreciando e decidindo.
II. Fundamentação
4. A presente reclamação é processualmente admissível, porquanto, de acordo com o disposto no artigo 78.º - B, n.º 2 da LTC, ‘Das decisões dos relatores pode reclamar-se para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A, ...’, pelo que ao seu conhecimento não obsta o simples facto de a reclamante apenas ter indicado este último normativo.
Conclui-se, assim, pela inexistência de qualquer impedimento de natureza processual que obste ao conhecimento da presente reclamação, pelo que dela se passa a conhecer.
Vejamos.
5. A requerente e seu mandatário vêm reclamar para a conferência do despacho, proferido pelo Relator, que indeferiu o incidente de ‘justo impedimento’ por eles suscitado com o objetivo de ver admitida a prática, manifestamente fora de prazo, de ato processual consistente na apresentação de ‘reclamação do Acórdão 652/11, de 21 de dezembro’, que indeferira o pedido de reforma do Acórdão 555/11, o qual, por sua vez, havia indeferido a reclamação sobre a Decisão Sumária 548/11.
A reclamação conclui que, no caso sub judicio, deve ser alterado o despacho reclamado e, consequentemente, considerar-se que houve ‘justo impedimento’, porquanto “ ... contrariamente ao que consta daquele despacho, o médico não tem de dizer qual a doença que afeta o paciente, porque a deontologia hipocrática e a lei o proíbe de certa maneira. ...” (i) e, bem assim, porque “ ... o argumento de negligência, por não ter meios de fortuna para se cercar, em certo período, de pessoal no escritório e de meios telemáticos, é não só ridículo como ofensivo, ...” (ii).
Diga-se, desde já, que o vertido na reclamação sub judicio apenas pode resultar de uma leitura pouco serena e menos cuidada do despacho reclamado, como adiante se concluirá.
Recorde-se que, de acordo com o disposto no artigo 146.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, « [c]onsidera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato», sendo que, no seu n.º 2 se dispõe que « [a] parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o ato fora de prazo, se julgar verificado o impedimento …».
Sucede que, no despacho reclamado, como da sua leitura minimamente atenta se pode concluir, nada mais se faz que não seja verificar se a prova aduzida permite que se conclua pela existência de justo impedimento e por forma a justificar o consentimento da prática do ato processual pretendido – reclamação do Acórdão 652/11 com fundamento em nulidade – em momento temporal muito para além do limite legalmente estabelecido; na realidade, nessa operação, « … [o] que será necessário é que o juiz, em cada caso concreto, averigue se o motivo invocado tem os requisitos legais: se era imprevisível, se não era imputável à parte ou aos seus representantes, e, finalmente, se obstava de modo absoluto, à prática em tempo, do ato judicial de que se tratava. …» (cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, 3.ª edição, página 215, nota 1 ao artigo 146.º).
6. A reclamante invocou, então, como facto impeditivo da prática atempada do ato processual supra enunciado, a doença do seu mandatário, concretamente que «… este esteve doente e impossibilitado de exercer as suas atividades profissionais entre 10/01/2012 e 30/01/2012. …», tendo junto para prova desse facto um atestado médico, documento este cuja junção, atento o facto impeditivo invocado, naturalmente se impunha e cuja análise, enquanto meio probatório, devia ser concretizada pelo julgador, tendo em vista a averiguação da existência ou não dos requisitos inerentes à verificação do invocado ‘justo impedimento’.
Ora, no que concerne à apreciação do atestado médico junto ( e de outros), refere-se no despacho reclamado tão só que « … o período de doença invocado, a fazer fé no que reza o atestado médico junto, iniciou-se em 10.01.2012, …» e, mais adiante, «… tendo em conta a total omissão de indicação nos atestados médicos, juntos nos sistemáticos incidentes de ‘justo impedimento que suscita, do tipo de doença de que padece (ou, padecia) e que permita aquilatar do grau de imprevisibilidade e consequente impossibilidade de o mesmo contactar com terceiros (incluindo, a parte) …», afirmações que têm como subjacente a valoração positiva das declarações constantes do atestado médico, como seja, o facto de o mandatário da reclamante ter sido afetado de doença, no período aí referido, impossibilitante do exercício das suas atividades profissionais (cfr. artigo 376.º n.º 1 do Código Civil) e nada mais, contrariamente ao pretendido pela reclamante que nele pretende ler o que lá não está, como seja, que nele conste qualquer afirmação de que possa extrair-se a conclusão de que ‘o médico tem de dizer qual a doença que afeta o paciente’.
É certo que, no despacho reclamado, se deixou afirmado que, como já supra se deixou transcrito, «… tendo em conta a total omissão de indicação nos atestados médicos, juntos nos sistemáticos incidentes de ‘justo impedimento que suscita, do tipo de doença de que padece (ou, padecia) e que permita aquilatar do grau de imprevisibilidade e consequente impossibilidade de o mesmo contactar com terceiros (incluindo, a parte) …»; porém, tal afirmação não pode ser desinserida do contexto em que foi proferida, como seja o da apreciação e valoração dos diversos meios probatórios existentes nos autos e tendo em vista a averiguação da existência ou não dos requisitos que justificassem a verificação de uma situação de ‘justo impedimento’, designadamente que se estivesse perante situação com a qual se não pudesse minimamente contar e, bem assim, fosse impeditiva do estabelecimento de contacto com outras pessoas, incluindo a própria reclamante. Ter-se-á, assim, que dessa afirmação se não pode extrair qualquer exigibilidade ou obrigatoriedade de indicação do tipo de doença em atestado médico, mas tão só que dele se não pode concluir outra coisa que não seja o que dele consta declarado, isto é, que o mandatário da reclamante esteve doente e impossibilitado de exercer a sua atividade profissional num determinado período, mas já não que tal período de doença não pudesse ser previsível e menos ainda que aquela fosse impeditiva de estabelecimento de qualquer contacto com terceiros (note-se que o mandatário havia já sido notificado do acórdão de que se pretendia arguir a nulidade, pois o período de doença invocado iniciou-se em 10.01.2012, segundo o atestado médico, e o acórdão tem nota de trânsito em 13.01.2012). Aliás, isso mesmo entendeu a reclamante, em face do teor do atestado médico junto, porquanto logo cuidou de alegar, sob o n.º 2 do seu requerimento de ‘justo impedimento’, que «[o] advogado signatário vive sozinho, não tem funcionários, naquele período não tinha telemóvel e não pode contactar, nem o mandante nem colega ou alguém de confiança que se deslocasse ao escritório e respondesse à notificação».
Haver-se-á, assim, de concluir que, no despacho reclamado, nada consta que consinta a afirmação de que seja exigível ou obrigatória a menção, em atestado médico, do tipo ou natureza de doença de que se encontre afetado o paciente, mas tão só que tal documento, enquanto meio probatório, valerá com o conteúdo declaratório dele constante, no caso sub judicio, diga-se, que o mandatário constituído se encontrava doente e impossibilitado de exercer a sua atividade profissional no período nele mencionado e nada mais; por isso, contrariamente ao pretendido pela reclamante, no despacho reclamado nada consta que possa conduzir a qualquer violação da ‘deontologia hipocrática’, sendo que só uma leitura apressada e menos cuidada do mesmo consentiria tamanha afirmação.
7. No que tange à pretensa ‘discriminação em função de estatuto económico’ de quem exerce o mandato forense (o advogado), dir-se-á, igualmente, que não assiste razão à reclamante.
Tanto quanto se depreende do teor da reclamação, pretendem a reclamante e o seu mandatário judicial que, ao exigir-se que este deva rodear-se das condições mínimas – técnicas e logísticas – com vista a um exercício minimamente acautelado do exercício do mandato forense, se está a proceder a um tratamento discriminatório em função de ‘estatuto económico’ de cidadão que, no caso, é advogado.
Note-se, desde já, que entre as razões justificativas da verificação de ‘justo impedimento’, para a prática atempada de ato processual, o ‘estatuto económico’ de mandatário judicial, que exerça o patrocínio forense na causa, não releva por si só, designadamente quando se revele insuficiente à manutenção dos ‘meios mínimos’ a um exercício capaz de profissão forense (no caso, de advogado), a não ser que se estivesse perante um depauperamento económico inusitado e resultante de factos que, sendo contemporâneos do pretendido ‘justo impedimento’, não fossem razoavelmente previsíveis e imputáveis ao atingido, situação esta que, diga-se, não foi minimamente invocada.
Na presente reclamação, misturam-se ou confundem-se regras inerentes ao ‘acesso ao direito’ com as relativas à ‘liberdade de escolha de profissão’, como se depreende das normas constitucionais invocadas pela reclamante, daí se extraindo uma pretensa discriminação em função de ‘estatuto económico’ de advogado; aliás, tal conclusão afigura-se, no mínimo, estranha, na medida em que tal ‘estatuto’ não é minimamente apreensível em função do que consta dos autos, porquanto do requerimento de ‘justo impedimento’, no que a tal respeito poderia relevar, apenas se mostra invocado que « …[o] advogado signatário vive sozinho, não tem funcionários, naquele período não tinha telemóvel …», sem que se refira quais as razões de tal, podendo, portanto, as mesmas serem económicas ou outras.
Porém, dúvida alguma existe sobre que o ‘acesso ao direito’, previsto no artigo 20.º, n.º 1 da CRP, nada tem a ver, pelo menos diretamente, com o ‘estatuto económico’ de quem, tendo optado livremente pelo exercício da profissão de advogado, patrocina os interesses ou direitos da parte e que se encontrem legalmente protegidos. O que a referida norma constitucional afirma é que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, acesso esse que não pode ser impedido por insuficiência de meios económicos, referindo-se naturalmente às ‘partes processuais’ que já não a quem exerça o patrocínio forense (advogado) em seu favor.
Ora, o que na decisão reclamada se afirma, apreciando as razões invocadas como integradoras de ‘justo impedimento’ e inerentes à conduta do Ilustre Advogado da reclamante, é que este, quer pela exigência da atividade profissional que exerce – advocacia -, quer pelas demais circunstâncias que de há muito o afetam e dele cognoscíveis, devia munir-se, sob pena de negligência, dos meios logísticos mínimos que lhe permitissem exercer a profissão por forma a afastar factos previsíveis cujos efeitos se podiam refletir negativamente no exercício normal do patrocínio forense conferido, tendo em vista o acautelamento capaz dos interesses confiados no âmbito de tal patrocínio.
Efetivamente, o advogado subscritor da reclamação, tendo escolhido livremente o exercício de tal atividade profissional, fica ipso facto obrigado à manutenção das condições estabelecidas legalmente para tal exercício – cfr. artigos 86.º, alínea h) do EOA e 43.º, n.º 1 alínea c) do Regulamento de Inscrição de Advogados («Manter um domicílio profissional dotado de uma estrutura que assegure o cumprimento dos seus deveres deontológicos, nos termos de regulamento a aprovar pelo conselho geral») – , já que com elas se visa um exercício capaz de tal atividade, por tanto o exigir, desde logo, a confiança do público em geral.
De tal obrigação não resulta qualquer discriminação ou ofensa desproporcionada e desnecessária de qualquer direito fundamental, porquanto, sem embargo do direito que a todos assiste de escolher livremente a sua profissão, devem, como resulta do disposto no artigo 47.º, n.º 1 da CRP, ser salvaguardadas as restrições legais impostas pelo interesse coletivo ou inerentes à sua própria capacidade. Aliás, como afirmam J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4.ª ed., págs. 656 e 657), « [a] liberdade de escolha de profissão está sob reserva de lei restritiva (n.º 1, in fine). É um dos casos expressamente previstos de restrições legais de «direitos, liberdades e garantias» (cfr. art. 18º-2 e 3). … Assim, a liberdade de escolha propriamente dita só comporta, em geral, as restrições decorrentes da colisão com outros direitos fundamentais; … ; o exercício da profissão pode estar sujeito a limites ainda mais intensos, principalmente quando da regulamentação do exercício não resultam quaisquer efeitos sobre a liberdade de escolha. … os limites relativos aos pressupostos subjetivos (qualificação pessoal, capacidade, habilitações) são admissíveis, desde que, como é óbvio, sejam teleologicamente vinculados (interesse público) e não violem o princípio da proibição do excesso (necessidade, exigibilidade e proporcionalidade) …».
Do exposto resulta que na decisão reclamada tão só se ponderaram os argumentos invocados com vista ao peticionado ‘justo impedimento’, analisando e apreciando a invocada conduta do advogado à luz, é certo, das exigências legais inerentes ao exercício de patrocínio forense e das circunstâncias fácticas resultantes dos autos, não podendo daí extrair-se que haja discriminação em razão de estatuto económico de advogado, tanto mais que, como se deixou já afirmado supra, os factos invocados não permitem, de forma segura, concluir o que quer que seja quanto ao mesmo.
Assim, face ao exposto, conclui-se pela improcedência da presente reclamação, sendo sempre certo que nela se não refere qualquer fundamento que, tendo sido invocado, não haja sido ponderado na decisão reclamada e possa determinar a alteração desta.
III. Decisão
8. Nos termos supra expostos, julga-se improcedente a presente reclamação, mantendo-se a decisão reclamada.
Custas pela reclamante com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs, sem prejuízo de apoio judiciário que se mostre concedido.
Lisboa, 23 de maio de 2012.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.