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Processo: n.º 508/91.
2ª Secção
Relator: Conselheiro Sousa e Brito.
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I — Relatório
1 — No 3.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, em processo comum
(singular), no qual figura como arguido A., pronunciado por um crime de abuso de
liberdade de imprensa, por difamação [artigos 164.º, n.º 1, 166.º, 167.º, n.º 1,
alínea a), e n.º 2, do Código Penal e artigos 26.º, n.º 2, alínea a), e 27.º do
Decreto-Lei n.º 85-C/75 de 26 de Fevereiro], sendo assistente B., patrocinado
pelo Advogado C., foi exarado em acta, em audiência de julgamento que teve lugar
em 17 de Maio de 1991, pelo senhor juiz do processo — constatada a falta do
assistente e seu patrono — despacho de adiamento, com base na falta do
mandatário do assistente, e atento o disposto no artigo 330.º, n.º 2, do Código
de Processo Penal, condenado o assistente faltoso em 2 UC/s, se não
justificasse, «no prazo legal», a respectiva falta.
Em 31 de Maio de 1991, face a requerimentos entrados no tribunal em 24 de Maio
de 1991, do assistente e respectivo patrono, juntando atestados médicos e
requerendo a justificação com base neles das faltas, proferiu o senhor juiz os
seguintes despachos:
O arguido encontra-se pronunciado por crime de difamação praticado através da
imprensa e que depende de acusação particular (fls. 171). No dia 17 de Maio de
1991 a audiência foi adiada por falta do representante do assistente que
pretende que a sua falta seja justificada, e para isso juntou atestado médico no
dia 24 de Maio de 1991 — confira-se carimbo de fls. 281.
O representante do assistente veio fazê-lo fora de prazo. Na verdade, o prazo
normal de justificação das faltas é de cinco dias, artigo 117.º, n.º 2, do
Código de Processo Penal, mas no caso vertente e por se tratar de crime de
imprensa qualquer prazo previsto no Código de Processo Penal é reduzido a
metade, artigo 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro, com
a redacção do Decreto-Lei n.º 377/88, de 24 de Outubro. Assim ocorrida a falta
no dia 17 de Maio de 1991, o prazo por justificação da falta terminou no dia 22
de Maio de 1991.
Face a todo o exposto julgo a falta do representante do assistente no dia 17 de
Maio de 1991 não justificada.
A falta do requerente ocorreu no dia 17 de Maio de 1991 e juntou atestado médico
no dia 24 de Maio de 1991 (fls. 281).
Por se tratar de crime cometido através da imprensa o prazo do Código de
Processo Penal é reduzido a metade pelo que o prazo terminou no dia 22 de Maio
de 1991, artigo 117.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e artigo 52.º, n.º 2,
do Decreto-Lei n.º 85-C de 1975, de 26 de Fevereiro, com a redacção do
Decreto-Lei n.º 377/88, de 24 de Outubro.
Face ao exposto e por extemporâneo não se julga justificada a falta de B. no dia
17 de Maio de 1991 e mantem-se a sua condenação de fls. 275 v.
Posteriormente, em 28 de Junho de 1991, proferiu o senhor juiz o seguinte
despacho:
O arguido encontra-se pronunciado pela prática de um crime de difamação
praticado através da imprensa p. e p. pelos artigos 164.º, n.º 1, 166.º, 167.º,
n.os 1, alínea a), e 2, do Código Penal e artigos 26.º, n.º 2, alínea c), e 27.º
do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro (fls. 171 dos autos) crime em que
o procedimento criminal depende de acusação particular, artigo 174.º do Código
Penal.
Na sessão de julgamento de 17 de Maio de 1991 o representante do assistente
faltou e a sua falta não foi justificada (fls. 275 e 278 v), o que vale como
desistência da acusação desde que não haja oposição do arguido artigo 330.º, n.º
2, do Código de Processo Penal, e que é o caso dos autos (fls. 307 e 308).
Face ao exposto julgo válida e relevante a desistência da queixa e o
procedimento criminal extinto, razão pela qual se homologa esta desistência
artigo 51.º, n.º 2, do Código de Processo Penal e determina-se o arquivamento
dos autos.
Sem efeito o dia designado para julgamento.
Ao abrigo do artigo 515.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal e
artigo 184.º, alínea l), do Código das Custas Judiciais condeno o assistente B.
em 14 000$00 de taxa de justiça. Envie boletim ao C.R.C.C. …
2 — Destes dois despachos interpuseram, assistente e patrono, recursos para o
Tribunal da Relação de Lisboa invocando a inconstitucionalidade da norma do n.º
2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 85-C/75 (adiante designado por Lei de
Imprensa), na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 377/88, de 24 de
Outubro.
Através do acórdão de fls. 355-361, a Relação de Lisboa, rejeitando a suscitada
inconstitucionalidade, negou provimento aos recursos.
3 — Desta decisão interpuseram, de novo assistente e patrono, recurso para o
Tribunal Constitucional, indicando (quando notificados neste tribunal nos termos
do n.º 5 do artigo 75.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro) como
inconstitucional o n.º 2 do artigo 52.º da Lei de Imprensa, rematando as suas
alegações, com as seguintes conclusões:
1.ª Feita a opção para um novo Código de Processo Penal, e
perspectivado que foi o novo figurino da nossa lei penal adjectiva, constatou-se
que se impunha, além da feitura de um novo código, a revisão da legislação
daquele dependente ou com aquele conexionada. Por isso,
2.ª Se lê no n.º 2 do artigo 6.º da Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro
(Autorização Legislativa em Matéria de Processo Penal): «Serão igualmente
tomadas, nos termos do número anterior, as providências necessárias à introdução
das adaptações exigidas pela entrada em vigor do novo regime processual penal em
legislação deste dependente ou com este conexionada, designadamente a
respeitante a custas e, na parte aplicável, à Lei de Imprensa».
3.ª Para tal desiderato, no que toca à Lei de Imprensa, foi aprovada
a Lei n.º 88/84, de 4 de Agosto (Autorização ao Governo Para Rever o Processo
Judicial Para Crimes de Imprensa).
4.ª O sentido daquela lei de autorização legislativa (n.º 2 do
artigo 168.º da CRP) foi definido, genericamente, no seu artigo 2.º onde se lê:
«A revisão implicará a modificação ou revogação das disposições que não se
mostrem ajustadas aos princípios e soluções do novo Código de Processo Penal,
sem prejuízo da manutenção daqueles que visem garantir o interesse da celeridade
processual, próprio da regulamentação do exercício da acção penal pelos crimes
de imprensa» e, particularmente, no seu artigo 4.º onde se lê: «A revisão
implicará ainda a introdução destinada a regular o exercício do direito a
esclarecimento nos crimes contra a honra a que se refere o artigo 170.º do
Código Penal».
5.ª A lei autorizada, o Decreto-Lei n.º 317/88, de 24 de Outubro,
deu nova redacção ao n.º 2 do artigo 52.º da Lei de Imprensa, nos termos
seguintes: «A natureza urgente dos processos por crimes de imprensa implica a
redução a metade de qualquer prazo previsto no Código de Processo Penal, salvo
se este for de 24 horas, sem prejuízo de execução imediata de ordem, despacho ou
diligência quando a lei ou a autoridade competente assim o determinarem.
6.ª Esta inovação está, inequivocamente, fora dos limites contidos
no «sentido» e «alcance» (n.º 2 do artigo 168.º da CRP) da lei de autorização.
7.ª Viola todas as regras da hermenêutica jurídica — uma por uma! —
qualquer interpretação da lei de autorização legislativa que pretenda que o
Governo estava habilitado, como legislador autorizado pela Assembleia da
República, a introduzir aquela inovação consubstanciada pela actual redacção do
n.º 2 do artigo 52.º da Lei de Imprensa!
8.ª Tal tipo de interpretação, «tão abrangente e holística», viola
sem margem para dúvidas, o princípio constitucional do controlo da legalidade
dos decretos-lei autorizados que se efectiva pelo imperativo constitucional de
invocarem, expressamente, a lei de autorização legislativa ao abrigo da qual são
aprovados.
9.ª O legislador invadiu, ilicitamente, a esfera de competência de
reserva relativa da Assembleia da República, em matéria de processo criminal.
10.ª Mostra-se violado o disposto no n.º 2, com referência à parte
final da alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º, no n.º 3 do artigo 201.º e no
artigo 206.º, todos da CRP e, ainda, o disposto nos n.os 1, 2 e 3 do artigo 9.º
do Código Civil, preceito legal este último que constitui uma norma sobre normas
que vale para todo o Direito, qualquer que seja o ramo em causa.
Apresentou também alegações o arguido, defendendo a constitucionalidade do
artigo 52.º, n.º 2, da Lei de Imprensa e pugnando, consequentemente, pela
confirmação da Acórdão recorrido.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, formula alegação no sentido de ser negado
provimento ao recurso.
Corridos os vistos cumpre decidir.
II — Fundamentação
4 — Respondendo ao convite formulado pelo tribunal, para que indicassem a norma
ou o princípio constitucional que entendiam violado, esclareceram os
recorrentes, a fls. 371, estar em causa a inconstitucionalidade do n.º 2 do
artigo 52.º da Lei de Imprensa, na sua redacção actual (a introduzida pelo
Decreto-Lei n.º 377/88, de 24 de Outubro), acrescentando decorrer tal
inconstitucionalidade da circunstância de a Lei n.º 88/88, de 4 de Agosto (a lei
de autorização legislativa em que se fundou o Decreto-Lei n.º 377/88), não ter
habilitado o Governo a alterar, nos termos em que alterou, o n.º 2, do artigo
52.º da Lei de Imprensa. A norma constitucional violada seria, na óptica dos
recorrentes, o trecho final da alínea c) do n.º 1 do artigo 168.º da
Constituição.
Restringem portanto os recorrentes a indagação que propõem a este tribunal a um
problema, que é de inconstitucionalidade orgânica, decorrente da ultrapassagem
pelo decreto-lei autorizado dos limites da lei de autorização com a consequente
invasão, sem título, de matéria — o processo criminal — da reserva relativa de
competência da Assembleia da República.
5 — A questão colocada ao tribunal não é assim de desconformidade do
encurtamento dos prazos processuais resultante da redacção introduzida no
questionado artigo 52.º, pelo Decreto-Lei n.º 377/88, a qualquer norma ou
princípio constitucional.
A este respeito, vem consensualmente entendendo este tribunal (vejam-se, por
exemplo, os Acórdãos n.os 434/87 e 186/92, respectivamente nos Diários da
República, II Série, de 23 de Janeiro de 1988 e 18 de Setembro de 1992) que os
diversos mecanismos de aceleração processual ensaiados pelo legislador
relativamente aos crimes de abuso de liberdade de imprensa, designadamente o
encurtamento dos prazos, têm justificação constitucional bastante.
Refere a propósito o tribunal:
Atento o eco, que os crimes cometidos através da imprensa têm na comunidade,
impõem-se com efeito, que se proceda ao julgamento dos seus responsáveis, no
mais curto prazo possível.
Vale isto por dizer que, nos processos por crimes de liberdade de imprensa,
confluem razões de urgência, que conferem fundamento material ao encurtamento
dos prazos fixados na lei geral para a prática de actos processuais (de todos os
actos processuais, que não apenas daqueles que hajam de ser praticados pelos
arguidos).
(Acórdão n.º 186/92)
Damos assim por assente que a redução a três dias do prazo de cinco estabelecido
no artigo 105.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, para justificação das
faltas a julgamento (neste caso do Assistente e seu Patrono), redução decorrente
do n.º 2 do artigo 52.º da Lei de Imprensa, não ofende materialmente o texto
constitucional.
Subsiste assim — e passamos a apreciá-la — a questão da invocada
inconstitucionalidade orgânica desse encurtamento operado pelo Decreto-Lei n.º
377/88.
6 — Com a autorização legislativa concedida pela Assembleia da República ao
Governo, para aprovar o Código de Processo Penal vigente (Lei n.º 43/86 de 26 de
Setembro), ficou o Executivo habilitado, igualmente, a adoptar, dentro de
determinadas condições, «... as providências necessárias à introdução das
adaptações exigidas pela entrada em vigor do novo regime processual penal em
legislação deste dependente ou com este conexionada, designadamente a
respeitante a custas e, na parte aplicável, à Lei de Imprensa» (artigo 6.º, n.º
2).
A versão do artigo 52.º da Lei de Imprensa que, então, vigorava (a introduzida
pelo Decreto-Lei n.º 181/76, de 9 de Março), estabelecia, sob a epígrafe de
«celeridade processual» e no que aqui nos interessa:
1 — Os processos por crime de imprensa terão natureza urgente, ainda que não
haja réus presos, não havendo lugar a instrução contraditória.
2 — Oa prazos para os despachos, promoções, termos e mandatos são os previstos
na legislação processual penal para processos com réus presos.
3 — .....................................................
Este sistema, na vigência do Código de Processo Penal de 1929, no que concerne a
prazos de justificação de faltas não implicava qualquer particularidade, não
distinguindo o Código, nesta matéria, os processos de réus presos dos outros
(cfr. artigo 91.º, § 2.º, do Código de Processo Penal de 1929).
Estabelecia ainda — e continuamos no regime adjectivo de 1929 —, a Lei de
Imprensa no artigo 49.º, um regime de recursos que, relativamente a prazos,
determinava:
1 — .....................................................
2 — O prazo para recebimento ou rejeição do recurso e para a prática dos actos
de secretaria é de vinte e quatro horas, sendo de três dias o do oficial de
diligências para realizar notificações, se outro lhe não for determinado por
despacho.
3 — Nos tribunais superiores os prazos serão reduzidos a metade dos
estabelecidos na lei geral, mas nenhum será inferior a quarenta e oito horas,
quando naquela não estejam especialmente previstos prazos de menor duração.
Como característica fundamental apontava já este regime a redução dos prazos
processuais, relativamente ao processamento de todos os outros tipos de crime.
Operava-se essa redução por remição para o «processo de réus presos», na
hipótese do artigo 52.º e por encurtamento expresso, chamemos-lhe assim, para a
fase de recurso, a hipótese prevista no artigo 49.º
O regime geral do processamento pelo tipo de crimes aqui em causa
caracterizava-se, assim, já anteriormente às alterações introduzidas pelo
Decreto-Lei n.º 377/88, de 24 de Outubro, pela redução dos prazos processuais
respectivos.
Era, pois, este, em traços gerais, o regime sobre o qual a autorização
legislativa do Código de Processo Penal instava o Governo a actuar.
Essa actuação começou por revestir a forma de uma Proposta de lei (a n.º 20/V,
publicada no Diário da Assembleia da República, II Série, de 17 de Dezembro de
1987), onde, sob a referência de a mesma se destinar à introdução das
«adaptações exigidas pela entrada em vigor do novo Código de Processo Penal», se
consigna na exposição de motivos:
Manter-se-á o princípio da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal e
legislação complementar para o exercício da acção penal pelos crimes de
imprensa, sem prejuízo de algumas normas especiais que, neste domínio,
tradicionalmente vêm sendo consagradas na legislação portuguesa e que ponderosas
razões de política criminal justificam. Limitam-se, porém, ao mínimo essas
normas especiais, já que o novo Código dá satisfação, em grande parte, aos
interesses que as têm determinado.
Entre as normas especiais que devem manter-se contam-se as que visam assegurar o
interesse da celeridade processual, em termos mais acentuados do que no processo
penal comum.
Devem ser modificadas ou revogadas as disposições da Lei de Imprensa que se
afiguram inúteis ou redundantes face à regulamentação do novo Código de Processo
Penal, …
Passando ao plano das alterações concretas a introduzir na lei, refere a
Proposta:
As modificações relativas aos artigos 52.º e 68.º justificam-se essencialmente
por razões de adaptação à terminologia da nova lei processual penal e por ter
sido excluído desta o processo de ausentes. Sem prejuízo de se estabelecer o
encurtamento dos prazos normais da lei geral, assim se honrando o particular
interesse da celeridade processual, em termos que se afigurem razoáveis.
A esta exposição segue-se o texto propriamente dito da lei de autorização
proposta, texto que, adiante-se, passou integralmente para o diploma aprovado
pelo Parlamento.
Neste (a Lei n.º 88/88, de 4 de Agosto, aprovada em 23 de Junho de 1988), nos
exactos termos constantes da Proposta, indica-se:
Artigo 2.º
A revisão implicará a modificação ou a revogação das disposições que não se
mostrem ajustadas aos princípios e soluções do novo Código de Processo Penal,
sem prejuízo da manutenção daquelas que visem garantir o interesse da celeridade
processual, próprio da regulamentação do exercício da acção penal pelos crimes
de imprensa.
Artigo 3.º
Em harmonia com os critérios referidos no artigo anterior, serão revogados os
artigos 38.º, 39.º, 43.º e 49.º do Decreto-Lei n.º 85-C/75, de 26 de Fevereiro,
bem como o artigo único da Lei n.º 13/87, de 21 de Março, e será dada nova
redacção aos artigos 36.º, 37.º, 51.º, 52.º e 68.º daquele primeiro diploma.
Utilizando esta autorização editou o Governo o Decreto-Lei n.º 377/88, de 24 de
Outubro (transcrevendo no seu preâmbulo a exposição de motivos da Proposta n.º
20/V), que deu ao artigo 52.º, n.º 2, a redacção que os recorrentes têm por
organicamente inconstitucional.
A norma em causa apresenta a seguinte formulação:
Artigo 52.º
(Celeridade processual)
2 — A natureza urgente dos processos por crimes de imprensa implica a redução a
metade de qualquer prazo previsto no Código de Processo Penal, salvo se este for
de 24 horas, sem prejuízo da execução imediata de ordem, despacho ou diligência
quando a lei ou a autoridade competente assim o determinarem.
7 — A inconstitucionalidade invocada pelos recorrentes resultaria da não
previsão na autorização da Assembleia da República, ou seja no texto da Lei n.º
88/88, de qualquer redução de prazos relativamente aos estabelecidos no processo
penal comum.
Não oferece dúvida — e citamos o Acórdão n.º 163/93, largamente referido pelos
recorrentes — que, «Literalmente interpretada … a lei delegante não se mostra, a
este respeito, inequívoca». Não contendo, como não contém, a expressa
referência à introdução no texto do artigo 52.º (cuja alteração autoriza) de uma
disposição de encurtamento de prazos, sempre se poderá encarar esse encurtamento
como situado fora da previsão do legislador delegante.
Se estava ou não fora dessa previsão é o que importa averiguar.
Como ponto de partida convém definir alguns pressupostos básicos respeitantes ao
relacionamento entre uma lei de autorização e a correspondente lei autorizada.
Apresentam as leis de autorização características peculiares. Estabelecendo
balizas de um poder delegado, expressam «uma relação de confiança entre a
Assembleia da República (delegante) e o Governo (delegado)» caracterizada por
aquilo que este Tribunal chama definição do «quadro de alteração do ordenamento
vigente ao qual se há-de subordinar a legislação autorizada», ou, «parâmetro
aferidor do uso dos poderes delegados» (as citações correspondem ao Acórdão n.º
107/88, Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1988: v. também Acórdão
n.º 64/91, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 406, p. 117).
Não colocando, o relacionamento entre a lei de autorização e a lei autorizada,
problemas interpretativos substancialmente diversos dos suscitados por quaisquer
outras normas, não deixa de ser verdade que, na procura do conteúdo da
autorização, como primeiro passo na apreciação do comportamento do legislador
autorizado, o recurso ao chamado argumento interpretativo genético, que é de
alguma forma o argumento histórico, assume (pode frequentemente assumir)
especial importância.
Não se trata aqui, de modo algum, de substituir a determinação do sentido de uma
norma pele determinação da vontade do legislador. Trata-se, apenas, de
determinar o que cabe no quadro dos princípios básicos estabelecidos na lei de
autorização e, assim, determinar aquilo que podia ser feito pelo legislador
autorizado.
8 — Na situação que nos ocupa encontramos na génese da lei de autorização
importantes elementos interpretativos que não podem deixar de ser ponderados.
À Assembleia da República foi apresentada pelo Governo uma Proposta de Lei,
contendo o texto do diploma proposto, antecedido da já referida exposição de
motivos, que transitaria como Preâmbulo para o Decreto-Lei autorizado.
Nessa exposição (estamos a encará-la inserida na Proposta de Lei) indicam-se os
princípios gerais aos quais era entendido deviam subordinar-se as alterações à
Lei de Imprensa. Num plano mais concreto, indicavam-se ainda as modificações,
revogações e acrescentos que os referidos princípios justificavam. No que
concerne ao artigo 52.º, dizia-se que a sua modificação se justificava no
essencial por razões de adaptação à terminologia da nova lei processual penal,
acrescentando-se — e é este o aspecto que nos interessa reter — que essas
adaptações ocorreriam sem prejuízo do estabelecimento de um encurtamento dos
prazos normais da lei geral, sublinhando-se que assim se honraria em termos
razoáveis, «o particular interesse da celeridade processual».
O texto legal justificado por esta exposição (o texto proposto da lei da
autorização) é precisamente aquele que o Parlamento aprovou e dele não consta,
como já se disse, qualquer referência a encurtamento de prazos.
Porém, sendo inequívoco o anúncio de que a modificação do artigo 52.º incluiria
o encurtamento geral de prazos, há que assumir a conclusão de que o Parlamento
sabia que aquele texto, redigido naqueles precisos termos, fixava um quadro de
alterações que pressupunha a redução de prazos.
Aprovado precisamente esse texto, é seguro que podemos concluir que o
encurtamento levado a cabo pela lei autorizada não estava fora do quadro geral
de alterações aprovado pela Assembleia da República ou, por outras palavras, que
as expectativas do Parlamento quanto à lei autorizada não foram iludidas.
É certo que a autorização legislativa se refere à «manutenção daquelas
[disposições] que visem garantir o interesse da celeridade processual, próprio
da regulamentação do exercício de acção penal pelos crimes de imprensa»,
limitando assim a competência legislativa atribuída. Essa limitação deve
entender-se, porém, como relativa à substância das disposições, sem prejuízo da
sua adaptação à terminologia e técnica da nova legislação processual penal.
Assim sendo, a substância das disposições assim visadas que eram os n.os 2 e 3
do artigo 49.º e os n.os 1 e 2 do artigo 52.º do Decreto-Lei n.º 181/76, atrás
transcritos, mantém-se inalterada na actual redacção do artigo 52.º
Na prática o que se teve em vista foi a manutenção de regime idêntico ao dos
réus presos (v. artigo 52.º, n.º 1), para o efeito de os processos correrem em
férias, e a manutenção da redução a metade dos prazos nos tribunais superiores.
É certo que por não haver instrução contraditória nos processos por crime de
imprensa (artigo 52.º, n.º 1, da Lei de Imprensa na versão do Decreto-Lei n.º
181/86), não havia lugar à genérica redução a metade prevista no artigo 334.º do
Código de Processo Penal de 1929 para os réus presos. Mas a ideia de que a
tramitação do processo de réu preso continha a redução a metade dos prazos não
deixava de se revelar dessa maneira, tal como se revelava por aproximação
através de redução a três dias, prevista no artigo 350.º do Código de Processo
Penal de 1929, para a dedução de acusação, relativamente ao prazo geral de cinco
dias do artigo 94.º do novo Código. Deste modo, o actual alargamento a toda a
tramitação processual de redução a metade dos prazos corresponde a uma ideia
sistemática do direito anterior.
A conjugação de todos estes dados conduz-nos à conclusão final de que o Governo
não legislou, no que toca a essa redução de prazos, para além daquilo a que
estava autorizado.
Improcede, assim (tal como concluiu este Tribunal no Acórdão n.º 163/93), a
inconstitucionalidade orgânica invocada.
III — Decisão
Termos em que se decide negar provimento aos recursos confirmando-se,
consequentemente, o Acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de
constitucionalidade.
Lisboa, 27 de Junho de 1995. — José de Sousa e Brito — Messias Bento — Guilherme
da Fonseca — Fernando Alves Correia — Luís Nunes de Almeida.
(1) Acórdão publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Novembro de
1995.