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Procº nº 542/96.
2ª Secção. Realtor:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Coimbra e em que figuram, como recorrente, G... e, como recorridos, D... e marido, concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada pelo relator, ora de fls. 141 a 147, que aqui se dá por integralmente reproduzida, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se a recorrente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em sete unidades de conta. Lisboa, 6 de Novembro de 1996 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Luis Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa
EXPOSIÇÃO PRÉVIA
Procº nº 542/96.
2ª Secção.
1. D... e marido intentaram, contra G... e pelo Tribunal de comarca de Vale de Cambra, acção sumária visando ser decretado o despejo de um prédio sito no lugar ..., concelho de Vale de Cambra, prédio esse inscrito na matriz predial urbana sob o nº ... e dado de arrendamento à ré por J..., o qual, juntamente com sua mulher veio a efectuar doação do imóvel aos autores.
Seguindo a acção seus termos, veio, em 1 de Fevereiro de
1995, a ser proferida sentença por via da qual se julgou tal acção procedente.
Não se conformando com o decidido, apelou a ré para o Tribunal da Relação do Porto, sendo que, na respectiva alegação, não suscitou, reportadamente a algum normativo, qualquer questão de inconstitucionalidade.
Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 23 de Outubro de 1995, negou provimento ao recurso.
Notificada do mesmo, veio a ré requerer a aclaração e rectificação daquele aresto, tendo, no respectivo requerimento, dito, a dado passo:-
'..................................................
9º.
Dispõe o artº. 65º nº. 1 da Constituição da República Portuguesa que:
* 'Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar'.
10º.
E o artº. 64º nº. 1 do mesmo diploma legal refere que:
*'Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover'.
11º.
O direito à habitação e à saúde, são direitos constitucionalmente consagrados e excluídos da disponibilidade das partes,
12º.
E no caso dos Autos tais direitos estão incindivelmente dependentes um do outro,
13º.
De tal modo que, pela defesa do direito à saúde ficou prejudicado o direito à habitação,
14º.
E, tivesse a Recorrente dado o primado ao direito à habitação veria então prejudicado o direito à saúde.
15º.
O Douto Acórdão proferido por este Tribunal da Reação, ao postergar aqueles direitos, violou um direito constitucionalmente consagrado,
16º.
E, portanto, está ferido de inconstitucionalidade,
17º.
O que implica a rectificação do Douto Acórdão no sentido da apreciação dos indicados direitos à habitação e à saúde, a que aliás a Recorrente fez 'jus' atenta a prova produzida.
..................................................'
Tendo a Relação do Porto, por acórdão de 15 de Janeiro de 1996, indeferido as requeridas aclaração e rectificação, fez a ré juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:-
'G..., Recorrente nos Autos à margem cotados, inconformada como Douto Acórdão proferido de fls. 118 a 123, e a douta decisão de fls. 132 a 134 que desatendeu a reclamação deduzida a fls., violando o disposto nos artºs. 65º nº.
1 e 64º nº. 1, ambos da Constituição da República Portuguesa, vem deles interpor o competente Recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos dos artºs. 70º nº. 1 al's. b), c) e f), 71º nºs. 1 al' b) e 2, 73º, 74º nº. 3, 75º nº. 1, 75º-A nºs. 1 e 2 e 79º, todos da Lei 28/82 de 15/11/82, com as alterações introduzidas pela Lei 85/89 de 7/09/89.
A decisão em apreço foi proferida no Douto Acórdão de fls. 118 a 123 e na Decisão de fls. 132 a 134 que se pronunciou sobre a Reclamação deduzida... Arestos esses proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto, que violaram os artºs. 65º nº. 1 e 64 nº. 1, ambos da C.R. Portuguesa - Artº. 75º-A, nº
2/primeira parte da Lei 28/82 de 15/11, com a alteração introduzida pela Lei nº.
85/89 de 7/09/ /89.
A Recorrente suscitou a questão de Inconstitucionalidade e da ilegalidade da decisão recorrida na sua Reclamação de fls. - Pedido de Aclaração e Rectificação do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de fls. - Artº. 75º-A, nº 2/ parte final, da Lei 28/82 de 15/11, com a alteração introduzida pela Lei nº. 85/89 de 7/09/89'.
O Desembargador Relator do Tribunal da Relação do Porto, por despacho de 26 de Fevereiro de 1996, admitiu o recurso interposto por intermédio do requerimento que acima se transcreveu.
2. Não obstante tal despacho, e porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. artº 76º, nº 3, da Lei nº 28/82, de 15 de Setembro), entende-se que o recurso não deveria ter sido admitido. E daí a feitura, ex vi do disposto no nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, da presente exposição.
Na verdade, e como ressalta da enunciação fáctica acima levada a efeito, antes da prolação do acórdão prolatado pela Relação do Porto em
23 de Outubro de 1995 nunca a ré, ora recorrente, suscitou, referentemente a qualquer norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, uma questão por intermédio da qual desejasse pôr em causa a respectiva conformidade com a Lei Fundamental.
Ora, como é sabido, os recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade e estribados na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e, bem assim, na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição, incide sobre normas jurídicas e não sobre quaisquer outros actos do poder público do Estado, designadamente as sentenças judiciais qua tale.
Acontece que, conforme facilmente se extrai do teor do requerimento de interposição do presente recurso, acima transcrito, o que, com a vertente forma de impugnação, a recorrente pretende é sindicar a conformidade constitucional da(s) decisão(sões) tirada(s) no Tribunal da Relação do Porto, pois que - diz - a(s) mesma(s) teria(m) violado determinados preceitos constitucionais.
A isto acresce que, sendo um dos pressupostos do recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do aludido artº 70º, o de, antes da decisão que se pretende impugnar, ser suscitada a desconformidade constitucional de uma determinada norma que sirva - rectius, venha a servir - de suporte ou, se se quiser, que seja a razão jurídica (ou uma das razões jurídicas) do decidido - rectius, do que venha a ser decidido - então, in casu, haverá que concluir que tal pressuposto não foi observado pela recorrente que, como se disse, nunca, antes da prolação do acórdão que se debruçou sobre o mérito da apelação, suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade.
Este pressuposto, por outro lado, e como tem sido jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, justifica-se pela circunstância de, sendo o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade um recurso, o que o mesmo é dizer, uma reapreciação de decisões tomadas por outros tribunais no que à compatibilidade normativa com o Diploma Básico concerne, então a questão de constitucionalidade há-de ser equacionada pelo recorrente antes da decisão a tomar pelo tribunal a quo, para que, dessa arte, ele saiba do levantamento dessa questão e que, consequentemente, sobre ela se possa - e deva - pronunciar; e como, em regra, o seu poder jurisdicional se esgota com a prolação dessa decisão, não se deverá, em princípio, considerar como suscitada «durante o processo» uma questão de inconstitucionalidade que o foi unicamente no requerimento de arguição de nulidades ou de solicitação de aclaração ou rectificação.
O mesmo é de dizer no tocante aos recursos com fundamento na alínea f) do nº 1 do artº 70º, sendo que, para além disso, é patente que se não vê, minimamente que seja, que a decisão recorrida tivesse aplicado norma constante de acto legislativo que, anteriormente a essa decisão, fosse considerado pela recorrente como violadora de lei de valor reforçado, de norma constante de diploma regional, considerada pela recorrente como violadora de estatuto de região autónoma, ou de norma emanada de um órgão de soberania considerada pela recorrente como violadora do estatuto de uma região autónoma.
Por fim, anota-se que é por demais claro que a decisão que se intentou colocar sob censura não recusou a aplicação de qualquer norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado.
Significa tudo o que se veio de expôr que se não encontram, de todo, reunidos os requisitos condicionadores dos recursos previstos nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, pelo que se não deverá tomar conhecimento do recurso.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei.
Lisboa, 8 de Julho de 1996.