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Proc.Nº 439/96
Sec. 1ª
Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A. executado nuns autos de execução especial de alimentos veio reclamar do despacho do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal que não lhe admitiu o recurso interposto para este Tribunal.
Instaurada a execução, procedeu-se à penhora, constando dos autos, em 3 de Junho de 1993, uma cota, pela qual se dava conta de que, nessa data, por carta registada tinha sido notificado o mandatário do executado, da penhora efectuada, para em cinco dias deduzir oposição querendo.
Em 15 de Setembro de 1994, o ora reclamante apresentou uma reclamação, juntando ao mesmo tempo uma procuração, arguindo a nulidade de lhe não ter sido pessoalmente notificado o despacho que ordenou a penhora, de acordo com o disposto no artigo 838º, nº1 do Código de Processo Civil (CPC); alega também violação dos artigos 30º e 275º do CPC por errada apensação do processo de execução, em consequência do que a notificação teria sido feita a advogado que não tinha procuração no processo de execução, pois segundo o advogado subscritor do requerimento ele não foi notificado, requerendo que o Tribunal oficie aos CTT para obtenção do talão da assinatura do registo em causa.
Este requerimento foi desatendido pelo despacho de 24 de Abril de 1995, assim fundamentado:
'A presente execução é uma execução especial de alimentos que segue os trâmites previstos nos arts. 1118 do C.P.Civil e seguintes.
A fls. 4 dos presentes autos foi ordenada a penhora do direito à meação de um imóvel.
De tal penhora foi notificado o executado o qual veio com pedido de cessação da prestação de alimentos o qual foi julgado improcedente.
Posteriormente foi dada sem efeito a penhora ordenada e a fls.31, ordenou-se a penhora do imóvel referido a fls. 32, que se efectuou.
Seguindo os ensinamentos de Lopes Cardoso (Manual da Acção Executiva, 3ª edição, 1964 p.412) dir-se-á que a notificação a que alude o artº 838 nº 1 do C.P.Civil não carece de ser pessoal, podendo o despacho que ordena a penhora ser notificado ao mandatário ou ao executado.
E o despacho que ordenou a penhora foi notificado ao mandatário do executado?
Consta de fls. 33 dos autos que em 3.06.93 foi enviada notificação ao B., mandatário do executado.
Consta dos autos de inventário facultativo apensos que em 15.2.91 o C.
(mandatário do executado) substabeleceu os poderes que foram conferidos por este ao B. (fls. 32 do inventário). Tal substabelecimento foi junto no dia 19.2.91.
Ora, não se compreenderia a notificação ao B. no dia 3.6.93 se o mesmo não tivesse procuração nos autos apensos conforme referido.
Assim há que concluir que o mandatário do executado foi notificado para a penhora tendo já essa qualidade, ou seja, àquela data (3.6.93) tinha poderes para representar o executado.
E não terá aquele mandatário sido notificado?
Ordenada a junção aos autos do registo colectivo (em fotocópia) verifica-se que para o B., seguiu carta, referente aos presentes autos com o nº de registo
776. (relação 102), não constando a devolução da mesma, pelo que há que considerar encontrar-se efectuada a sua notificação (cfr.DL.121/76 de 11.2).
Assim, o por todo o exposto conclui-se:
a) que a notificação a que alude o artº 838 nº 1 do C.P.Civil não tem que ser pessoal.
b) no caso foi tal notificação feita ao mandatário do executado.
Pelo que não foi cometida qualquer nulidade a influir na decisão da causa, nem se omitiu formalidade que prejudicou o executado.
Termos em que se julga improcedente a reclamação.'
2. - Notificado deste despacho, o executado veio apresentar um pedido de aclaração através do qual pretendia que o despacho fosse esclarecido nos seguintes pontos:
- o de saber se se entendia que o substabelecimento junto ao inventário abrangeu também os poderes que o C. detinha através de outro instrumento junto em outro processo ainda que apensado:
- o de saber se o tribunal entende que a presunção decorrente das normas do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, é ou não ilidível.
Para além destes esclarecimentos, o requerente alegou ter havido, por parte do despacho aclarando omissão de pronúncia, na parte em que tinha sido requerido que se oficiasse aos CTT para saber se a notificação questionada fora ou não recebida.
Ainda antes de ser proferido qualquer despacho, o executado e requerente veio apresentar uma rectificação ao pedido de aclaração.
3. - O pedido de aclaração foi decidido por despacho de
13 de Fevereiro de 1996, do seguinte teor:
'O executado veio requerer a aclaração do despacho proferido a fls. 80v. e 81 com os fundamentos que expõe a fls. 86, 87 e 89.
O M.P. notificado nada veio dizer.
Cumpre decidir.
O despacho proferido a fls. 80v. e 81 não contém obscuridade ou ambiguidade que importe aclarar.
Termos em que se indefere a requerida aclaração.
Notifique.'
4. - Inconformado com este despacho, o executado veio então interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro, para apreciação da conformidade constitucional dos seguintes preceitos: 256º, 838º, nº1, 30º, 275º, 535º, 666º, nº3, 668º, nº1, alínea d), todos do CPC, 262, 265º e 1171º, do Código Civil, nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro.
Sobre este requerimento recaiu o seguinte despacho:
'Não se admite o recurso interposto por no caso dos autos não nos encontrarmos perante o caso previsto no artigo 70º, nº1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (aplicação de norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo)'
Notificado da recusa de admissão do recurso de constitucionalidade, o executado veio apresentar em 20 de Março de 1996 a reclamação que agora cumpre apreciar.
5. - No requerimento de reclamação, começa o próprio requerente por suscitar a questão prévia da tempestividade da própria reclamação, juntando dois documentos através dos quais procurava ilidir a presunção do nº3 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76, de 11 de Fevereiro, reproduzindo depois os requerimentos que apresentou nos autos e o respectivo
«iter» processual até ao despacho de recusa de admissão do recurso.
Ainda no Tribunal de Pombal, o juiz face à questão prévia suscitada determinou a audição do Ministério Público, que se pronunciou no sentido da tempestividade da reclamação.
Após ter determinado que se autuasse a reclamação por apenso, o juiz exarou despacho mantendo o despacho reclamado, mandou extrair a certidão pedida e remeter os autos a este Tribunal.
Ouvido o Exmo. Procurador-Geral adjunto em exercício no Tribunal Constitucional, exarou nos autos o seguinte parecer:
...'A presente reclamação é intempestiva, já que o documento junto pelo reclamante não é susceptível de elidir a presunção constante do nº 3 do art. 1º do DL nº 121/76: efectivamente, de tal documento resulta que a carta registada, contendo a notificação postal endereçada ao mandatário judicial, terá sido apresentada no respectivo domicílio no dia 8/3/96, sendo deixado aviso com fundamento em que o interessado 'não atendeu'. E tal carta apenas terá sido, na sequência de tal aviso, levantada no estabelecimento postal em 14/3/96.
É óbvio, face a este circunstancialismo, que o recebimento do expediente postal nesta data será devido a razões imputáveis ao notificado, já que cumpre naturalmente aos mandatários judiciais organizarem os serviços dos respectivos escritórios de modo a receberem neles diariamente o expediente que lhes é remetido e a providenciarem pelo seu rápido levantamento, na sequência dos avisos deixados pelo distribuidor do serviço postal, se porventura aquela entrega se houver ocasionalmente frustrado.
As razões invocadas pelo reclamante - e que se traduzem em alegar apenas que o expediente postal só foi efectivamente levantado no respectivo estabelecimento, seis dias após a data em que o distribuidor do serviço postal havia deixado aviso - são, pois, a nosso ver, insuficientes para, sem mais, se poder considerar elidida a referida presunção legal. xxx
Acresce que o recurso de constitucionalidade, fundado na alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, carece de pressupostos legais de admissibilidade, já que:
a) O ora reclamante não suscitou, podendo fazê-lo, a questão da inconstitucionalidade das normas constantes dos arts. 256º e 838º, nº 1, do CPC antes da prolação da decisão recorrida - limitando-se a arguir a nulidade decorrente da omissão da notificação pessoal ao executado do despacho que ordenou a penhora. (cfr. requerimento fls. 15/15).
b) A decisão recorrida não fez qualquer aplicação das normas constantes dos arts. 30º, 275º, 535º, 666º, nº 3, 668º, nº 1, d) do CPC e dos arts, 262º, 265º e 1175º do CCivil - vendo-se, aliás, com dificuldade a que título se invocam alguns destes preceitos no requerimento de fl. 22.
c) A decisão recorrida não aplicou, com o sentido pretensamente inconstitucional de considerar não ilidível a presunção de notificação constante do nº 4 do art. 1º do DL nº 121/76.
Nenhuma censura poderia, pois, merecer o despacho que o rejeitou, por inverificação dos pressupostos de admissibilidade do tipo de recurso interposto.'
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
6. - Conforme se refere no parecer do Ministério Público, a reclamação não pode deixar de se considerar como extemporaneamente apresentada.
Vejamos.
O despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade interposto foi notificado ao mandatário do reclamante por carta registada emitida em 7 de Março de 1996, pelo que, sendo o prazo de apresentação da reclamação de cinco (5) dias - artigo 688º, nº2, do CPC, aplicável em processo constitucional ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional - o quinto dia era o dia 16 de Março, que, por cair ao sábado, transferia o respectivo termo para o dia 18 de Março seguinte - o primeiro dia
útil subsequente ao quinto dia.
A reclamação apenas deu entrada no Tribunal no dia 20 de Março de 1996,ou seja, no segundo dia após o termo do prazo legal.
O reclamante porém, juntou ao requerimento de reclamação dois documentos emanados dos Correios e Telecomunicações de Portugal para elidir a presunção de que a notificação ocorrera no terceiro dia posterior ao do registo, pelo que foi ouvido o Ministério Público junto do Tribunal de instância e, face ao seu parecer favorável, os autos foram enviados a este Tribunal. Aqui, o representante do Ministério Público suscita de novo a questão da intempestividade da reclamação, em termos de questão prévia à admissibilidade desta.
O Tribunal é assim chamado a tomar posição sobre se os documentos juntos com a reclamação são bastantes para a ilisão da presunção prevista no nº 4 do artigo 1º do Decreto-Lei nº 121/76.
De acordo com este preceito, ao determinar-se a abolição dos avisos de recepção nas notificações judiciais, o legislador impôs o seu registo, com a obrigação de fazer constar do aviso ou notificação ou do respectivo sobrescrito, o número e a secção do processo e a data do registo assinando tais menções.
E, para evitar dificuldades de prova da entrega, face à abolição do aviso de recepção, o legislador estabeleceu uma presunção ilidível pelo notificando, no sentido de que todas as notificações e avisos se consideram feitos no terceiro dia posterior ao registo ou no primeiro dia útil seguinte.
Esta presunção legal 'só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado quando o facto da recepção do aviso ou notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis (...)'- nº 4 do referido artigo 1º.
O reclamante, para ilidir a referida presunção, veio juntar aos autos uma declaração dos correios pela qual se declarava que o registo em questão dirigido ao mandatário do reclamante, foi entregue no dia 14 de Março de 1996, 'conforme fotocópia anexa'. Desta fotocópia consta porém que o registo não foi entregue no domicílio indicado por o destinatário não ter atendido no dia 8 de Março de 1996, tendo sido deixado aviso de que tal registo se encontrava no estabelecimento postal respectivo, onde, de facto, apenas foi levantado no dia 14 de Março de 1996.
O ora reclamante, ao suscitar, por sua própria iniciativa esta questão da tempestividade da reclamação, não veio, porém, aduzir quaisquer razões ou factos pelos quais se pudesse concluir que a notificação lhe fora entregue para além dos três dias da presunção por motivos que não lhe pudessem ser imputados.
Dos documentos juntos decorre que a notificação só não foi entregue no dia 8 de Março - ou seja, ainda antes de esgotada a presunção - por o notificando não ter atendido. Não sendo invocadas quaisquer razões para atribuir este não atendimento e o não levantamento pronto a causas não imputáveis ao notificando e sendo este um mandatário judicial a quem a lei exige que organize os serviços dos respectivos escritórios por forma a receberem diariamente o expediente que lhes é remetido e a levantarem rapidamente a correspondência não recebida - como foi o caso - e relativamente à qual são deixados avisos para levantamento, é manifesto que tem aqui de se concluir que a entrega apenas em 14 de Março do registo em questão, só pode imputar-se ao avisado ou notificado, ou seja o reclamante, de onde se tem de concluir que não se pode considerar ilidida a presunção de que a notificação ocorreu no terceiro dia posterior ao do registo, ou seja, no dia 11 de Março de 1996, pelo que a apresentação da reclamação em 20 de Março de 1996 não pode deixar de se considerar como extemporânea, uma vez que o prazo terminava em 18 de Março.
8. - Pelo exposto, decide o Tribunal Constitucional indeferir a reclamação por intempestividade.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
5 UC's.
Lisboa, 22 de Outubro de 1996 Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa