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Processo nº 276/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e outra, e recorrida B., pelo essencial dos fundamentos da exposição do relator oportunamente apresentada, que aqui se dão por reproduzidos, não tendo as partes oferecido qualquer resposta, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se as recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 5 UC's.
Lisboa, 9 de Outubro de 1996
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Diniz
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
José Manuel Cardoso da Costa
Processo nº 276/96
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Exposição nos termos do artigo 78º-A, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
1.1.- A. e C., intentaram, no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa - 7º Juízo Cível - acção de anulação de deliberação social, com processo sumário, contra B., com sede em Lisboa, pedindo a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral extraordinária da ré, realizada em 16 de Dezembro de 1988, por entenderem que as mesmas violaram o § 1º do artigo 4º do pacto social, bem como os artigos 255º, nº 2, 257º, nº 3, e 60º, nº 3, do Código das Sociedades Comerciais (CSC).
A sociedade demandada contestou e as autoras, em articulado superveniente, vieram ainda impugnar as deliberações da assembleia geral extraordinária entretanto ocorrida, na medida em que se trata de deliberações iguais às iniciais.
No saneador oportunamente lavrado considerou-se inadmissível a ampliação do pedido constante do articulado superveniente, nessa parte absolvendo-se a ré da instância, e, seguidamente, julgou-se a acção parcialmente procedente e declarou-se anulada a deliberação da assembleia geral da ré, de 16 de Dezembro de 1988, na parte em que todos os pagamentos inferiores a 30.000$00, que não digam respeito a vencimentos ou encargos e a fornecimentos, estão sujeitos a autorização da assembleia geral, e improcedente quanto ao restante pedido.
Do assim decidido recorreram, de apelação, a ré e as autoras.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 25 de Maio de 1995, negou provimento ao recurso das autoras e concedeu-o ao da ré pelo que, alterando a sentença recorrida, veio a julgar a acção totalmente improcedente, absolvendo a ré de todo o pedido.
1.2.- As autoras requereram, então, a aclaração do acórdão a fim de se esclarecer em que medida o nº 2 do artigo 255º do CSC, para ser aplicado, tem que ser conjugado com o nº 1 do mesmo preceito, 'já que a interpretação sistemática da lei não pode ser feita a partir da simples afirmação de que é preciso sistematizar ambas as normas referidas'.
A Relação, por acórdão de 28 de Setembro de 1995, tirado em conferência, indeferiu o pedido de aclaração.
Nele se ponderou, nomeadamente:
'O que [no acórdão aclarando] se diz claramente é que o preceituado no nº 2 do artigo 255º da CSC não pode ser apreciado isoladamente.
Se o fosse, da simples leitura deste preceito poder-se-ia concluir que as remunerações dos sócios-gerentes só poderiam ser reduzidas pelo Tribunal a requerimento de qualquer sócio em processo de inquérito judicial...
Não pode, todavia, esquecer-se o que estabelece o nº 1 do mesmo artigo 255º, segundo o qual, salvo disposição do contrato de sociedade em contrário, o gerente tem direito a uma remuneração a fixar pelos sócios.
Por isso, se assinala no acórdão que a remuneração é fixada pelos sócios, legítimo e lógico será concluir que também os sócios, através de deliberação tomada em assembleia geral, poderão alterar a remuneração por eles fixada, nomeadamente reduzida.
E que o disposto no nº 2 do artigo 255º tem um alcance diferente, o que no mesmo acórdão [...] se exprime e que nos dispensamos de estar a reproduzir.
O acórdão é claro e preciso a tal respeito.'
1.3.- Reagiram as autoras interpondo recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
Em seu entender, 'o Acórdão recorrido ofendeu o conteúdo normativo dos artigos 58º, nº 1, b), e 60º., nº 3, e 255º, nº 2, do CSC, o que integra a violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da C.R.P.'.
Consoante alegam, a inconstitucionalidade foi expressamente invocada nas alegações de apelação das ora recorrentes, 'que aliás foram até objecto de voto de vencido favorável no Acórdão recorrido'.
2.1.- Do sumariamente exposto resulta a necessidade de, nesta fase processual, desde já se apurar se estão reunidos os necessários pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, o Tribunal Constitucional tem decidido persistente e uniformemente, face ao disposto nos artigos 70º, nº 1, e 75º-A da Lei nº 28/82, que, para ser admissível recurso ao abrigo da alínea b) do nº 1 desse artigo 70º, é necessário congregarem-se certos pressupostos. Entre estes, e no que ora interessa, figura o da suscitação da questão de constitucionalidade por parte do recorrente, de forma clara e perceptível, durante o processo, entendendo-se esta expressão não em sentido formal, que permitiria a suscitação até a instância se extinguir, mas sim em sentido funcional, de modo a que o tribunal recorrido possa ainda conhecer da questão, não esgotado ainda o seu poder jurisdicional o que, em princípio, ocorre com a prolação da sentença, exceptuando-se os casos anómalos ou excepcionais em que ao recorrente não foi dada oportunidade para suscitar a questão em momento anterior.
Nesta linha de entendimento tem-se igualmente considerado que a aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não constituem já, por via de regra, momentos idóneos e atempados para o efeito (a mero título ilustrativo, citem-se, por todos, os Acórdãos nºs.
61/92, 152/93, 261/94 e 164/95, publicados no Diário da República, II Série, de
18 de Agosto de 1992, 16 de Março de 1993, 26 de Julho de 1994 e 29 de Dezembro de 1995, respectivamente).
Por sua vez, há-de o recorrente indicar inequivocamente a norma aplicada na decisão recorrida, sendo certo que não basta uma utilização normativa adjuvante - obiter dictum - ou de mera argumentação ad ostentationem, pois que deve tratar-se de norma integrativa da ratio decidendi. Recorre-se de normas (ou de interpretação de normas) enquanto actos do poder normativo do Estado (na sua acepção ampla entendido) e não de actos de diferente índole, em que falhe esse carácter normativo, como é o caso das decisões judiciais (e neste sentido, por todos, apontam-se os Acórdãos nºs.
446/87, 82/92 e 440/94 publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Fevereiro de 1988, 18 de Agosto de 1992 e 1 de Setembro de 1994, respectivamente).
2.2.- No caso vertente, diga-se desde já, não se verifica nem um nem outro dos descritos pressupostos - e bastaria só faltar um deles para o recurso não dever ser admitido.
Justificando brevemente.
As recorrentes só argumentaram a temática da inconstitucionalidade, clara e directamente, quando, indeferido o incidente por elas deduzido de aclaração do acórdão recorrido, se dirigiram então ao Tribunal Constitucional, deste modo pretendendo abrir a via de recurso.
É certo que, simultaneamente, afirmam já ter suscitado a questão de inconstitucionalidade nas alegações do seu recurso de apelação. No entanto, examinados os autos, colhe-se que, nessa peça processual, as mesmas apodaram de inconstitucional uma dada deliberação da assembleia geral da ré por suposta violação do artigo 13º da Constituição (nºs. 19 e 20, a fls.
198 e 198-v.), matéria que resumiriam nas conclusões respectivas (fls. 199), sob as letras G), H) e I), em termos que não deixam dúvida que é a deliberação da assembleia geral da sociedade ré que ofendeu o princípio da igualdade, como, aliás, secundam os lugares jurisprudenciais por si citados (o acórdão junto aos autos, da Relação de Lisboa, de 7 de Outubro de 1992, proferido no proc. nº
7887, 4ª Secção, entre as mesmas partes, é elucidativo a este respeito: aí se considera a conduta da ré, corporizada noutra deliberação social,
'manifestamente discriminatória e violadora do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP').
Ou seja, só numa perspectiva irrelevante para os concretos efeitos da admissão do recurso é que é exacto terem as recorrentes suscitado anteriormente uma questão de inconstitucionalidade. Certamente que o fizeram, mas imputando a alegada violação a uma deliberação social o que, manifestamente, não abre a via do recurso de constitucionalidade.
Sendo assim, a suscitação da questão no requerimento de interposição de recurso, após o incidente de aclaração ter sido indeferido, já não teria ocorrido tempestiva e idoneamente, até por inexistir qualquer situação anómala ou excepcional que justificasse a medida, mesmo que se concedesse ter sido o recurso correctamente interposto. O que não foi.
Com efeito, o que as recorrentes, ao fim e ao cabo, pretendem é a reapreciação do acórdão recorrido, na sua globalidade, como claramente o dão a entender quando afirmam que o acórdão recorrido ofendeu o conteúdo normativo dos artigos 58º, nº 1, alínea b), 60º, nº 3, e 255º, nº 2, do Código das Sociedades Comerciais o que integra violação do princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CR.
Não há, na verdade, suscitação de inconstitucionalidade de norma ou normas, ou de uma sua interpretação. Mesmo que, em generoso entendimento, se concedesse estar equacionada, embora não de forma processualmente mais adequada, uma certa interpretação normativa do tribunal recorrido tida por não constitucionalmente conforme, sempre se manteria a ausência do pressuposto: a Relação não interpretou sequer a norma do artigo
255º, nº 2, do Código em referência (a única das normas desse diploma, citadas pelas recorrentes, relativamente à qual se poderia conjecturar uma suscitação de inconstitucionalidade minimamente perceptível) pois que nem sequer a utilizou. Outra coisa não significa ter-se ponderado no acórdão, em termos que este Tribunal não tem nem pode censurar, que a tese das recorrentes exigia a alegação de factos e que estes resultassem provados, 'o que não aconteceu'.
3.- Entende-se, em face do exposto, não se verificarem todos os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, pelo que não se deve conhecer do objecto do recurso.
Ouçam-se as partes, por 5 dias, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A do mesmo diploma legal.