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Proc. nº 797/97 TC - 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - A...,SA, com sede na Av...., Quarteira, interpõe recurso para este Tribunal do acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de fls. 60 e segs, que indeferiu o pedido de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução do acórdão exequendo e julgou finda a execução, requerida pela recorrente, do acórdão proferido pela mesma Secção de Contencioso Administrativo que anulou o despacho do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, de 2 de Outubro de 1989, documentado a fls. 13 dos autos principais.
O recurso vem interposto, de acordo com o respectivo requerimento, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alíneas b) e i) da Lei nº 28/82 (LTC) por o acórdão recorrido, segundo a recorrente, ter aplicado o DL nº 351/93 de 7 de Outubro
(alterado pelo DL nº 60/95, de 7 de Abril) e o artigo 6º nº 2 do DL nº 256-A/77 em termos que permitem ao Tribunal conhecer, oficiosamente, da existência de causa legítima de inexecução, indeferindo o pedido da recorrente, sem que esta seja notificada para dizer o que tiver por conveniente, violando o artigo 20º nº
1 da CRP 'e o princípio do contraditório dele emergente, conforme foi decidido em caso análogo pelo TC, nomeadamente no Ac. 222/90, in 16º vol., pág. 635 e segs.' (sic); ainda 'ao aplicar o Dec-Lei 351/93-7/10 (alterado pelo Dec-Lei
60/95 -7/4) e o Dec-Lei 11/91 - 21-3, bem como o artº 6/2 do Dec-Lei nº
256-A/76, viola o princípio constitucional da não retroactividade das leis que , como ensinam Vital Moreira e Gomes Canotilho, é um «princípio geral válido para todas as leis que diminuem direitos ou criem deveres ou encargos para os cidadãos» (cfr. nota prévia, 5.3 e nota VIII e Acs. do T.C. nº 11/83 e 20/83 - in Constituição Anotada - Vol. I. pág, 172), sendo que o Dec-Lei 256-A/76 é aplicado no Ac. recorrido de forma retroactiva porquanto os pressupostos da sua aplicação são, expressamente, preenchidos pela aplicação, retroactiva, da norma da Portaria 554/90, de 17/7, artº 8º, nº 1, al. a) do Dec-Lei 196/89, de 14/6, artº 17º e als. a) e d) do Anexo II do Dec-Lei 93/90, de 19/3, artºs 14º e 15º do Dec-Lei 93/90 e artº 34º do Dec-Lei 196/89'.
Admitido o recurso no STA e ordenadas alegações, nestas a recorrente formulou as seguintes conclusões:
'(...) A) Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do STA de 10/7/97 que decidiu «indeferir o pedido de declaração de inexistência de causa legítima de inexecução do acórdão exequendo e julgar findo o processo de execução» condenando, consequentemente, a recorrente «nas custas», na parte em que, aplicando o D.L. 351/93-7/10 (alterado pelo D.L. 60/95-7/4) e o D.L.
11/91-21/3 considerou, sem audição da ora Recorrente, não poder «a administração ignorar na execução do julgado as alterações legislativas respeitantes ao ordenamento do território decorrentes do PROT Algarve e dos instrumentos de ordenamento do território nele reflectidos (REN e RAN), pelo que se verifica causa legítima de inexecução consubstanciada em impossibilidade legal do cumprimento integral do julgado anulatório» ou, considerando da mesma forma existir «causa ilegítima na inexecução», fundamenta tal juízo, ainda sem ouvir a ora recorrente, na existência de «grave prejuizo para o interesse público» na execução do deliberado (artº 6/2 do D.L. nº 256-A/76);
B) Na verdade o artº 6º, nº 2 do D.L. nº 256-A/77 deverá ser analisado no que se refere à sua compatibilidade com o artº 20º, nº 1 da Constituição que consagra, no entendimento dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, a «proibição da 'indefesa (decorrente no nº 1) que consiste na privação ou limitação de defesa do particular perante os órgãos judiciais junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito» (in ob. e loc. citºs);
C) A aplicação do artº 6º, nº 2, do D.L. nº 256-A/77 sem audição do Recorrente impede-o de «exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuizo efectivo para os seus interesses» (Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in ob. e loc. citºs);
D) Se é certo que a obrigatoriedade de audição prévia não está prevista na disposição em causa do D.L. nº 256-A/77, não é menos certo dispor o STA da possibilidade de facultar ao Recorrente a apresentação de alegações complementares (artº 52º da LPTA);
E) Enfim e na esteira do decidido no Ac. desse Tribunal Constitucional nº 605/95-2ª Sec. (in D.R. - II Série, nº 64 de 15/3/96) resulta líquido o entendimento segundo o qual se verificará violação do artº 20º, nºs 1 e 2 da CRP sempre que, nos pleitos submetidos a julgamento, é violado o princípio contraditório não garantindo às partes - neste caso à Recorrente - a possibilidade de alegar o que tiver por conveniente em defesa dos seus interesses;
F) Ora a Recorrente nem sequer foi notificada do parecer do Mº Pº de fls. 38/45 para alegar, em sua defesa, o que tivesse por conveniente entendendo-se, no Ac. em crise , estar o STA dispensado de ouvir a Recorrente antes de considerar existir impossibilidade e grave prejuizo para o interesse público interesse público no cumprimento da sentença;
G) Este entendimento é até contraditado no nº 2 do artº 3º do CPC na redacção do D.L. nº 180/96, de 25 de Setembro;
H) Em consequência só seria constitucionalmente legítima a aplicação do nº 2 do artº 6º do D.L. nº 256-A/77 após prévia notificação à Recorrente do conteúdo do Parecer do Digº Procurador de fls. 38/45 para esta alegar o que tivesse por conveniente em alegações suplementares (artº 52º da LPTA);
I) É assim, inconstitucional, por contrária ao artº 20º da CRP, a interpretação do artº 6º, nº2 do D.L. nº 256-A/77, segundo a qual o STA aplicou este normativo directamente ao caso vertente para concluir pela existência de causa legítima de inexecução sem ouvir a Recorrente;
J) Como se observa no Ac. recorrido o dever de reconstituição da situação actual hipotética apenas cede nos casos legalmente estabelecidos, isto
é, se ocorrer causa legítima de inexecução;
K) Lavrado em 2/10/89, o despacho em causa que confirmou o parecer nº
172/DROT-89 da CCRA, desfavorável ao projecto, aplicou as normas feridas de inconstitucionalidade orgânica;
L) Não tendo tal acontecido o parecer seria favorável à Recorrente visto outros obstáculos terem sido levantados;
M) Ora acontece que a caducidade dos actos de licenciamento emitidos anteriormente à entrada em vigor do D.L. 351/93, 7/10 (na redacção do D.L.
60/95, 7/4) não se aplica, manifestamente, a obras acabadas ou em construção (nº
4 do artº 1º);
N) O citado Diploma pretendia atingir tão só os alvarás emitidos anteriormente à sua vigência e que não se tinham concretizado em obras construídas ou acabadas;
O) Ora a Recorrente não pode obter um licenciamento e iniciar a construção imediatamente porque tal lhe foi recusado com fundamento em normas inconstitucionais;
P) O entendimento subjacente ao Ac. recorrido equivale reconhecer que as normas inconstitucionais são inválidas não desde o princípio mas tão só depois de um tribunal como tal as declarar. O que é absurdo;
Q) Na verdade, tal equivaleria a reconhecer alguma validade às normas inconstitucionais;
R) Não tendo tal qualquer espécie de sentido e operando a inconstitucionalidade desde o momento da aplicação da norma não é possível, sem violar o princípio constitucional da não retroactividade das leis, aplicar o D.L. 351/93 ao caso vertente;
S) Não resulta, igualmente, da não aplicação do D.L. 351/93 qualquer grave prejuízo para o interesse público;
T) Prejuizo para o interesse público resultaria, isso sim, da violação do princípio da não retroactividade das leis e da invalidade absoluta das normas inconstitucionais;
U) O valor último do nosso ordenamento jurídico é a Constituição da República e o Ac. recorrido levaria a esta, irrefutável, conclusão: a Recorrente não pode construir o seu empreendimento porque a aplicação de normas inconstitucionais retardou o seu início no tempo permitindo que diplomas posteriores o inviabilizassem;
V) E não se argumente, enfim, com a possibilidade de a Recorrente obter uma indemnização porquanto a CRP garante essencialmente o exercício dos direitos do cidadão e o que é pedido ao Tribunal é esta garantia;
X) Em consequência deverão ser considerados inconstitucionais:
a) - A interpretação feita no Ac. recorrido do artº 6º do D.L. nº
256-A/77, no sentido de que a sua hipótese - existência de causa legítima de inexecução - pode ser decretada pelo Tribunal sem a audição da recorrente;
b) - A interpretação dos nºs 1, 2 e 3 do artº 1º do D.L. 351/93, 7-10 que considera aplicáveis tais normativos de licenciamento recusados com fundamento em normas inconstitucionais por violar, assim, os princípios da invalidade das normas inconstitucionais (artº 277º, nº 1 da CRP) e o princípio da não retroactividade das leis;
Z) Em consequência deverá ser revogada a decisão recorrida baixando os presentes autos ao STA para ser reformulado o Acórdão declarando-se inexistir causa legítima de inexecução.
Em contra-alegações, o Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território concluiu nos seguintes termos:
'(...) a) Não se mostra verificado um dos requesitos específicos do recurso de constitucionalidade (princípio da exaustão dos recursos ordinários que no caso caibam).
A não se entender assim:
b) O presente recurso de inconstitucionalidade é questão incidental, enxertada num processo de natureza administrativa que correu termos no STA;
c) No caso vertente, não havia lugar a alegações complementares;
d) A recorrente não tinha que ser notificada do douto parecer do Ministério Público, que não suscitou questão que obstasse ao conhecimento do objecto do recurso;
e) Não existiu violação do princípio do contraditório nem no artº
20º, da CRP;
f) O princípio de não retroactividade das leis é geral e não constitucional;
g) O Direito Constitucional português apenas proíbe a aplicação de lei retroactiva em 3 domínios:
- no dos crimes, das penas e medidas de segurança;
- das leis restritivas de direitos, liberdades e garantias;
- na fixação da competências dos tribunais;
h) Para esse Venerando Tribunal a intolerabilidade da lei retroactiva
é aferida na base de 2 critérios:
- afectação de expectativas, em sentido desfavorável, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que os destinatários não possam contar;
- quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes;
i) Quer a confirmação da compatibilidade, prevista no nº 1, do art.
1º, do Decreto-Lei 351/93, quer a verificação dos pressupostos do nº 4, recaem sobre os particulares detentores das licenças;
j) É sobre eles que impede o ónus de desencadear o procedimento;
k) No caso vertente, estava em causa a aprovação de projecto de urbanização da 2ª fase da Fonte Santa e não o licenciamento de construção;
l) Depois da 1ª revisão constitucional a CRP passou a considerar um correcto ordenamento do território como uma tarefa fundamental do Estado e como sua incumbência ordenar e promover o ordenamento do território;
m) Ninguém podia ignorar o texto constitucional nem as normas legais posteriores destinadas à concretização daquela incumbência;
n) Não está ferida de inconstitucionalidade a interpretação que o douto acórdão recorrido deu ao art. 1º, do Decreto-Lei 351/93;
o) O empreendimento urbanístico que a recorrente se propõe executar em zonas imperativas classificadas como 'Zonas Agrícolas' e 'Zonas de Protecção da Natureza', segundo o PROT - Algarve constitui grave prejuízo para o interesse público.
Termos em que deverá o presente recurso ser rejeitado ou, caso assim se não entenda, deverá negar-se-lhe provimento e confirmar-se, na parte de que se recorre, a decisão impugnada.
Ouvida sobre a questão prévia suscitada pela entidade recorrida, disse a recorrente:
'(...) A questão prévia levantada pelo Recorrido funda-se numa errada interpretação dos artºs 102º e 103º do D.L. nº 267/81, de 16/7 que devem ser lidos conjuntamente com o artº 24º, al. a) do D.L. nº 129/94.
Na verdade e nos termos deste último inciso «compete ao pleno da Secção de Contencioso Administrativo conhecer: a) - Dos recursos de acórdãos proferidos em recurso directamente interposto para a Secção que não sejam da competência do Plenário».
Do exposto ressalta não competir ao Pleno conhecer dos recursos dos acórdãos proferidos em matéria de execução de julgados, pois é bem claro à alínea a) do artº 24º do D.L. nº 129/94 restringindo a competência do Pleno aos recursos de acórdãos proferidos em recursos directamente interpostos para a Secção.
O que exclui, manifestamente, os recursos de acórdãos proferidos em matéria de execução de julgados.
Comentando este normativo diz-nos Santos Botelho que «como decorre da alínea a) do preceito em análise o objecto do recurso para o Pleno consiste no Ac. proferido em recurso interposto directamente para a Secção» (in Contencioso Administrativo - pág. 72). O que exclui, manifestamente, os acórdãos proferidos em execução.
O artº 103º da L.P.T.A. não revoga o citado artº 24º, al. a) do ETAF vindo simplesmente definir a admissibilidade de recurso para o pleno do STA em certos casos que excluem, manifestamente, os acórdãos proferidos em execução de julgados.
Como quer que seja a Recorrente não invoca fundamento do seu recurso uma qualquer 'oposição de julgados' pelo que, nem mesmo no entendimento do Recorrido, poderia interpor recurso para o pleno do STA.
Não se verifica assim qualquer violação do artº 70º da Lei nº 28/82, de 5/11 (princípio da exaustão dos recursos ordinários que no caso caibam) pelo que deverá ser negado provimento à QUESTÃO PRÉVIA levantada seguindo o recurso os seus legais trâmites como é de JUSTIÇA! (...)'.
Cumpre decidir, começando por conhecer da questão prévia suscitada pela entidade recorrida sobre a admissibilidade do presente recurso.
2 - A entidade recorrida defende - como se viu - que se não mostra preenchido um dos pressupostos de admissibilidade do presente recurso, estabelecido no artigo 70º nº 2 da LTC: o prévio esgotamento dos meios ordinários de recurso quanto à decisão impugnada.
Será assim?
O objecto do recurso é um acórdão proferido em processo de execução de julgado.
O acórdão exequendo decidiu recurso contencioso onde foi impugnado - e anulado - acto administrativo de membro do Governo (o então Ministro do Planeamento e da Administração do Território) directamente interposto no STA,
(Secção de Contencioso Administrativo, em subsecção) por força do disposto no artigo 26º nº 1 al. e) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
(ETAF), na redacção então vigente.
A recorrente interpõe o presente recurso ao abrigo das alíneas b) e i) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Considerando estes factos, a resolução da questão passa, antes do mais, por saber:
a) se o recurso previsto no artigo 24º al. a) do ETAF - o recurso que, segundo a entidade recorrida e em contrário do que sustenta a recorrente, caberia - é um recurso ordinário;
b) se o requisito ou pressuposto referido se aplica ao recurso para o TC nos termos em que ele vem interposto.
3 - A resposta à primeira questão não suscita controvérsia entre as partes.
Compreende-se o assentimento - aquele recurso é, sem margem para dúvidas, um recurso ordinário.
Na verdade, ele só pode ser usado antes do trânsito em julgado do acórdão recorrido e não depende de um qualquer pressuposto específico - como é o caso do recurso por oposição de julgados (cfr. Acórdãos nºs 59/90 e 181/93 in
'Acórdãos do Tribunal Constitucional' 15º vol., pág. 217 e 24º vol. pág. 485, respectivamente) - incidindo sobre o juízo realizado pelo tribunal na decisão e não sobre a própria decisão enquanto acto processual (v. Teixeira de Sousa
'Estudos sobre o Novo Processo Civil', pág. 370).
A decisão da Secção de Contencioso Administrativo pela Subsecções, não é neste caso, na ordem dos tribunais administrativos, definitiva sobre a questão de constitucionalidade (sobre o sentido do requisito em causa, cfr. Acórdão nº 282/95 in DR, II Série, nº 121, de 24/5/96).
Vejamos agora a segunda questão.
4 - A imposição de prévio esgotamento de recursos ordinários reporta-se unicamente a decisões negativas de inconstitucionalidade (als. b) e f) do nº 1 do artigo 70º da LTC).
Mas como se viu, o recurso foi interposto ao abrigo não só da al. b) como também da al. i) do nº 1 do artigo 70º da LTC, este último não abrangido pelo requisito constante do nº 2 do mesmo artigo 70º.
Ficará, assim, e desde já comprometida, ao menos nesta parte, a procedência da questão prévia suscitada?
Entende-se que não.
Com efeito, em parte alguma da decisão recorrida se vê que nela se tenha recusado a aplicação de norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção ou a tenha aplicado em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional.
Por outro lado, outra coisa não resulta das próprias alegações da recorrente onde as questões de constitucionalidade suscitadas - sem curar de saber agora se elas se ajustam ao julgado - são:
- a (in) constitucionalidade do artigo 6º nº 2 do DL nº 256-A/77 na interpretação, pretensamente adoptada pelo STA, de que se pode decidir pela existência de causa legítima de inexecução, sem prévia audição do requerente.
- a (in) constitucionalidade da aplicação retroactiva dos DL nº 351/93 (alterado pelo DL nº 60/95) e 11/91, como fundamento da aplicação do artigo 6º nº 2 do DL nº 256-A/77, supostamente feita no acórdão recorrido.
Em suma, pois, não obstante a invocação formal da al. i) do nº 1 do artigo 70º da LTC, o recurso vem substancialmente interposto ao abrigo da al. b) do mesmo artigo 70º nº 1 .
5 - Resolvidas estas questões, entremos, por fim, na apreciação do ponto em que as partes dissentem: não se pondo em causa qualquer oposição de julgados, cabe ou não recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de acórdão proferido pela mesma Secção, em Subsecção, em processo de execução de acórdão prolatado em recurso ordinário directamente interposto no STA?.
A resposta é inequivocamente afirmativa.
Desde logo, não pode deixar de se salientar - e decisivamente - o facto de o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo sempre ter admitido esse tipo de recurso, não havendo sequer notícia de alguma vez se ter questionado a prática reiterada daquela formação da Secção.
O assentimento pacífico dado a esse reiterado procedimento radica em sólidas razões de lei.
A regra geral sobre a admissibilidade de recurso de acórdãos do STA, considerando a legislação vigente à data em que foi proferido o acórdão ora impugnado, consta do artigo 103º da LPTA. Não considerando os recursos com fundamento em oposição de julgados, são recorríveis, por força deste preceito, todos os acórdãos do STA proferidos em primeiro grau de jurisdição, apenas com a ressalva dos que decidem sobre conflitos de jurisdição ou de competência, recursos de actos do CSTAF ou do seu presidente e suspensão de eficácia de actos contenciosamente impugnados.
Trata-se, aliás, de uma regra que decorre do princípio, há muito vigente no contencioso administrativo, do duplo grau de jurisdição, princípio mantido mesmo depois da criação do Tribunal Central Administrativo, instância intermédia situada entre os tribunais administrativos de círculo e o STA
(redacção dada ao citado artigo 103º da LPTA, pelo artigo 3º do DL nº 229/96, de
29 de Novembro).
Evidentes a regra e as excepções, sendo o acórdão recorrido proferido pelo STA em primeiro grau de jurisdição e não decidindo ele qualquer das matérias ressalvadas nas alíneas b) c) e d) do artigo 103º, nenhuma dúvida legítima se coloca sobre a recorribilidade (recurso ordinário para o Pleno da Secção) do aresto em causa.
Intenta contudo a recorrente buscar apoio na norma que define a competência do Pleno da Secção estabelecida no artigo 24º al. a) do ETAF.
Isto porque a norma se reporta expressamente a 'acórdãos proferidos em recurso directamente interposto para a Secção' - e não seria o caso já que o acórdão fora proferido em processo de execução.
De salientar, desde logo, a incongruência a que conduz este entendimento: sem razões plausíveis, designadamente as que poderão justificar a irrecorribilidade de decisões sobre pedidos de suspensão de eficácia dos actos directamente impugnados no STA, haveria recurso do acórdão que decide a anulação do acto directamente impugnado mas já não do acórdão que, em processo apenso ao recurso contencioso, decide sobre a execução do julgado.
Ora numa leitura harmónica dos citados preceitos (os artigos 103º da LPTA e 24º al. a) do ETAF), tendo em conta a unidade do sistema jurídico, há-de entender-se que no 'recurso directamente interposto para a Secção' se compreende também o pertinente processo executivo que por apenso àquele corre e que de tal modo lhe inere que a lei, embora para efeitos de custas e preparos, o toma como
'incidente' (Artº 120º da LPTA).
Só esta interpretação permite compatibilizar a norma do artigo 24º al. a) do ETAF com a que tão claramente resulta do artigo 103º da LPTA.
Assim sendo, como é, não pode deixar de se concluir que do acórdão recorrido cabia recurso ordinário para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, meio de impugnação que a recorrente não utilizou.
Falece, pois, o pressuposto ou requisito de admissibilidade do presente recurso, estabelecido no artigo 70º nº 2 da LTC.
6- Decisão
Termos em que se decide não tomar conhecimento do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 8 Ucs. Lisboa, 21 de Outubro de 1998 Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa