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Proc. nº 391/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Exposição prévia ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
I
1. A., interpôs recurso para o Tribunal Pleno do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 1994, que havia decidido negar a revista, por alegada oposição entre este e o acórdão do mesmo tribunal de 22 de Março de 1984, no que respeita à interpretação do artigo 618º do Código de Processo Civil.
Por acórdão de 4 de Julho de 1995, decidiu-se que não havia oposição entre os acórdãos mencionados, tendo, em consequência, sido julgado findo o recurso.
2. Deste acórdão (de 4 de Julho de 1995) interpôs a recorrente novo recurso para o Tribunal Pleno, agora por oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão de 18 de Dezembro de 1962, relativamente à interpretação do artigo 763º do Código de Processo Civil.
Por despacho de 22 de Novembro de 1995, decidiu-se não admitir o recurso interposto, aplicando-se a doutrina do assento proferido no processo nº 85.321.
É a seguinte a redacção do referido assento:
'Tendo a secção julgado findo o recurso para o Tribunal Pleno, por não haver oposição entre os acórdãos, nos termos do nº 1 do artigo
767º do Código de Processo Civil, não há novo recurso para o mesmo Tribunal Pleno, com fundamento de haver oposição entre o acórdão da secção e um outro acórdão anterior.'
3. Deste despacho reclamou a recorrente para a conferência para que sobre ele recaísse acórdão.
No respectivo requerimento, a recorrente alegou a inconstitucionalidade do mencionado assento nos seguintes termos:
'(...)
E foi sobre este requerimento de recurso que recaiu o despacho do Ilustre Conselheiro-Relator que considera não ser admissível o novo recurso interposto para o Tribunal Pleno por força do disposto no nº 1 do art.
767º do CPCivil, não sendo invocável Assento que, além de enfermar de inconstitucionalidade, não transitou ainda em julgado.
(...)'
Por acórdão de 27 de Fevereiro de 1996 decidiu-se manter o despacho, embora com diferente fundamentação. É o seguinte o teor do referido acórdão:
'(...)
O despacho do então Relator não admitiu o recurso para o tribunal pleno por se sentir vinculado ao assento de 22.11.95, proferido no recurso nº 85.321.
Salvo o devido respeito, e sem prejuízo desse despacho não ir adiante ser alterado, discordamos do assim decidido.
À uma, por não ter transitado em julgado o acórdão onde foi proferido o referido assento.
À outra, por de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional que se pronunciou sobre a (in)constitucionalidade dos assentos, eles só vinculam os tribunais hierarquicamente subordinados ao Supremo Tribunal de Justiça, e não este que deve sempre proceder à sua revisibilidade. Na mesma linha, segue o art. 17º do DL 329-A/95 de 12 de Dezembro, que acabou, de imediato, com o recurso para o tribunal pleno e conferiu aos assentos já editados o valor dos acórdãos a proferir nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B do CPC.
Diz a reclamante, estribando-se no Acórdão de 12.10.88 deste Supremo Tribunal, que a referência feita ao termo do recurso, no nº 1 do art.
767º do CPC, se reporta ao recurso anteriormente interposto, sem constituir impedimento a novo recurso para o tribunal pleno, com base em nova oposição de acórdãos.
Não lhe assiste razão.
Com efeito, como se disse no acórdão onde foi proferido o citado assento de 22.11.95, 'a oposição deve verificar-se entre dois acórdãos e, admitir-se o recurso do acórdão da secção seria admitir a oposição entre mais de dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, pelo facto do recorrente não ter seleccionado inicialmente bem o acórdão fundamento em oposição com o acórdão recorrido'.
'Por outro lado - prossegue o acórdão - admitir o novo recurso da secção em oposição com outro acórdão anterior, seria admitir uma cadeia de recursos sucessivos, o que frontalmente contraria o nosso sistema de impugnação das decisões judiciais'.
Assim, quando no nº 1 do art. 767º do CPC se declara que o recurso se considera findo, quando não se verifica oposição de julgados, isso só pode significar que da decisão não há recurso.
Perfilha-se, consequentemente, a jurisprudência contida no citado assento de 22.11.95. Donde não ser admissível o recurso interposto a fls.
51.
Termos em que se indefere a reclamação de fls. 62 e segs., mantendo-se o douto despacho que ela visava, embora por diferente fundamentação.'
4. É deste acórdão (de 27 de Fevereiro de 1996) que vem interposto o presente recurso, ao abrigo das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo
280º da Constituição e das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas no nº 1 do artigo 767º do Código de Processo Civil e no artigo
2º do Código Civil, respectivamente.
II
A A questão da constitucionalidade do artigo 767º, nº 1, do Código de Processo Civil
5. Sendo o presente recurso, nesta parte, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para conhecer o seu objecto, que a recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma que pretende que este Tribunal aprecie.
A arguição da inconstitucionalidade de uma norma durante o processo tem de ser realizada de forma clara e perceptível (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 560/94, D.R., II Série, de 10 de Janeiro de 1995), de maneira a que o tribunal recorrido fique a saber que tem essa questão para resolver (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 269/94, D.R., II Série, de
18 de Junho de 1994).
Ora, a questão de constitucionalidade não se suscita de modo processualmente adequado quando não se fornece a mínima justificação para a inconstitucionalidade que se invoca (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº
155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
6. Como resulta do trecho transcrito do requerimento de reclamação para a Conferência do despacho que havia indeferido o requerimento do recurso para o Tribunal Pleno, a recorrente apenas invocou genericamente, como aparente obiter dictum, a inconstitucionalidade do assento referido, não indicando o porquê dessa incompatibilidade com a Lei Fundamental, nem, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido.
Tal actuação não pode ser tida como um modo processualmente adequado de suscitar uma questão de constitucionalidade normativa durante o processo, pelo que não pode agora este Tribunal conhecer o objecto do presente recurso relativamente à norma contida no nº 1 do artigo 767º do Código de Processo Civil, por falta do pressuposto de arguição, de modo processualmente adequado durante o processo, da questão de inconstitucionalidade [artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional].
B A questão da constitucionalidade do artigo 2º do Código Civil
7. Considerou o acórdão recorrido, na linha, aliás, da jurisprudência do Tribunal Constitucional, que a interpretação da norma contida no artigo 2º do Código Civil, segundo a qual o Supremo Tribunal de Justiça estaria vinculado à doutrina fixada pelos assentos, seria inconstitucional.
Vem, assim, o presente recurso, nesta parte, interposto ao abrigo da alínea a) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da referida interpretação do artigo 2º do Código Civil. Isto é, o recorrente suscita a questão da 'desaplicação', com fundamento em inconstitucionalidade, do artigo 2º do Código Civil, quando interpretado (declarativamente) por forma a concluir que os assentos possuem força obrigatória geral. Só pode ser este o sentido do recurso, embora o recorrente se expresse de modo ambíguo: 'No acórdão sob recurso invocou-se assento em que se recusou a aplicação do disposto no artigo 2º do Código Civil, com fundamento na sua inconstitucionalidade, solução com que se não concorda nem aceita e daí, também, o presente recurso.'
8. Claro está que o recorrente incorre numa manifesta confusão. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça invocou, no acórdão ora recorrido, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (e não um assento do próprio Supremo). E essa jurisprudência, recorde-se, não julgou, propriamente, inconstitucional o artigo 2º do Código Civil, limitando-se a interpretá-lo em conformidade com a Constituição (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº
810/93, D.R., II Série, de 2 de Março de 1994).
De todo o modo, importa ter presente que o acórdão recorrido confirmou o despacho sobre o qual incidiu, divergindo apenas da fundamentação. Deste modo, mesmo que o Tribunal Constitucional julgasse não inconstitucional o sentido normativo 'desaplicado', contrariando a sua própria jurisprudência, a decisão contida no despacho seria confirmada, por força da aplicação da doutrina do assento.
Qualquer decisão deste Tribunal relativa a esta questão não teria, pois, efeito útil neste processo.
9. Ora, um dos pressupostos da cognoscibilidade do recurso de constitucionalidade é a sua utilidade. Na verdade, este recurso tem uma natureza reconhecidamente instrumental, relativamente ao processo em que é interposto
(cf., entre muitos outros, os Acórdãos nºs 192/91 e 120/92, Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 19º e 21º, pp. 291 e ss. e 433 e ss., respectivamente).
Quando a decisão do recurso for completamente insusceptível de influir no julgamento da causa, faltará o pressuposto do interesse processual, não se podendo conhecer o objecto do recurso.
Não se verificando, neste caso, esse pressuposto, conclui-se que também não se pode conhecer o objecto do presente recurso relativamente à questão da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 2º do Código Civil, na interpretação sufragada pelo acórdão recorrido (artigos 494º, nº 1, e
493º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional).
Ouça-se cada uma das partes por 5 dias, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
ACÓRDÃO Nº 1050/96 Proc. nº 391/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade em que figuram como recorrente A. e como recorrida B., no essencial pelas razões constantes da exposição prévia da relatora de fls. 91 e ss., à qual recorrente e recorrida não responderam, e até porque em rigor o artigo 2º do Código Civil não chegou a ser aplicado, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco UC’s.
Lisboa, 10 de Outubro de 1996 Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz José Manuel Cardoso da Costa