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Acórdão 1188/96ACÓRDÃO Nº 1188/96
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. A., professora de Trabalhos Manuais numa Escola Preparatória, tinha passado a ser abonada com o vencimento correspondente ao 8º escalão da carreira docente, mas, a partir de Junho de 1993, foi reintegrada no
7º escalão da mesma carreira (índice 226), por se ter entendido que lhe não era aplicável o disposto no nº 1 do artigo 129º do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril.
Dessa reintegração recorreu ela hierarquicamente para o Ministro da Educação, pedindo a revogação do acto de reintegração e a sua integração no 9º escalão.
O seu requerimento não foi, porém, objecto de qualquer despacho.
Impugnou, então, contenciosamente, o acto de indeferimento tácito, no Supremo Tribunal Administrativo, alegando, inter alia, que 'a interpretação restritiva da autoridade recorrida ao considerar que a recorrente não tinha o exame de estado para os efeitos previstos no nº 1 do artigo 129º do DL nº 139-A/90, introduz uma limitação na progressão da carreira docente, criando uma situação de tratamento discriminatório em relação aos docentes que sempre progrediram de modo igual, sem que nenhuma justificação do ponto de vista do interesse colectivo ou do ensino os justifique' - interpretação que, assim, 'é inconstitucional por violar os princípios da igualdade e da proporcionalidade, previstos nos artigos 13º, nº 2, 18º, nº 2, e
47º da Constituição'.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 28 de Setembro de 1995, negou provimento ao recurso.
2. É deste acórdão (de 28 de Setembro de 1995) que vem o presente recurso, interposto pela recorrente ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da constitucionalidade do artigo 129º, nº 1, do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril (por lapso, no requerimento, escreveu-se nº 3).
Nas suas alegações, formulou a recorrente as conclusões seguintes:
1. A recorrente ingressou na carreira docente realizando os concursos de habilitação para Mestres de Oficina de Trabalhos Manuais previstos no Dec.-Lei
36.508;
2. E progrediu desde então naquela carreira em termos em tudo idênticos a todos os outros Professores que igualmente ingressaram na carreira, situação que se manteve após a suspensão do Exame de Estado prevista no Dec.-Lei 405/74, e que não mais foi introduzido no ordenamento jurídico;
3. A norma do art. 129º, nº 1, do Dec.-Lei 139-A/90, a ter o entendimento restritivo que o Acórdão recorrido acolheu, e ao dizer que à situação da recorrente não era aplicável a progressão nele prevista, introduziria um tratamento discriminatório violador do art. 13º, nº 2, da Constituição e o princípio da tutela da confiança por parte dos cidadãos na ordem jurídica;
4. E introduziria forte limitação ao direito do livre acesso e progressão na função pública que o art. 47º da Constituição prevê, em manifesta ofensa do art.
18º, nº 2, da mesma Constituição já que nenhum princípio de interesse colectivo ou constitucionalmente tutelado justificaria tal limitação;
5. O Acórdão recorrido violou pois os arts. 13º, nº 2, e 18º, nº 2, da Constituição. Termos em que, deve ser anulado o acórdão recorrido reconhecendo-se a inconstitucionalidade suscitada [...].
O Secretário de Estado da Administração Educativa concluiu como segue as alegações que apresentou:
a) A recorrente foi integrada, na sequência da entrada em vigor do Dec-Lei nº
409/89, de 18 de Novembro, no índice 200 do 7º escalão da carreira docente, nos termos do nº 2 do art. 15º e art. 26º do citado diploma. b) Em 1991, progrediu ao 2º índice do 7º escalão, nos termos da Portaria nº
1218/90, de 19 de Dezembro. c) O acto recorrido não violou qualquer lei ordinária. d) O acto recorrido não violou o princípio da igualdade, porquanto o que o E.C.D. faz é a aplicação de regimes diferentes aos professores que realizaram determinadas provas, distinguindo-os daqueles que não as realizaram, para o efeito específico e imprevisível do acesso ao 8º escalão. e) O acto recorrido não violou o princípio da proporcionalidade, em virtude de pela actual legislação se ter procedido a uma clara revalorização da carreira docente, podendo os professores de trabalhos manuais atingir o 9º escalão da nova carreira docente, enquanto no âmbito da anterior atingiram o topo na 5º fase, que corresponde hoje ao 7º escalão. Nestes termos deve ser negado provimento ao recurso [...].
3. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Uma advertência prévia:
Refere o acórdão recorrido que a recorrente, nas suas alegações, imputara ao acto recorrido um novo vício de violação de lei - novo, porque, disse, não tinha sido arguido na petição -, consistente na violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
O acórdão recorrido não tomou conhecimento desse vício, porque 'o Tribunal tem entendido que o recorrente tem que arguir todos os vícios de que, no seu entender, o acto enferma, na petição, salvo se o conhecimento dos respectivos factos integradores só advieram ao seu conhecimento, após a interposição do recurso' - situação, esta última, que não se verificava no caso dos autos.
O acórdão recorrido não decidiu, pois, a questão de constitucionalidade que a recorrente suscitou nas alegações, tendo por objecto a norma do artigo 129º, nº 1, do Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril. Não obstante, aplicou ele tal norma, pois que afirmou expressamente que esse artigo
129º, nº 1, 'é muito claro ao exigir a efectiva realização com sucesso das provas de exame de Estado, remetendo, aliás, para o Dec. nº 36.508 que regulava esse exame, rejeitando-se, deste modo, quaisquer situações de correspondência ou equiparação'. E acrescentou que, 'como a recorrente nunca efectuou tal exame, o qual não pode confundir-se com o concurso de habilitação por si realizado, não pode beneficiar do regime estabelecido no citado artigo 129º, nº 1°'.
Isto é quanto basta para que deva passar-se ao conhecimento do objecto do recurso.
5. Professores dos ensinos liceal e profissional. Os professores de trabalhos manuais.
5.1. O Decreto nº 36.508, de 17 de Setembro de 1947, continha o Estatuto do Ensino Liceal, tratando o capítulo VII dos professores, que podiam ser efectivos, contratados, auxiliares e de serviço eventual, sendo que estes últimos, quando 'habilitados com o Exame de Estado para o ensino liceal têm o título de professores agregados' (cf. artigo 84º).
Só podia ser provido em lugares de professor efectivo ou de professor auxiliar quem estivesse habilitado com o Exame de Estado para o ensino liceal (cf. artigo 93º, nº 1, A), a) e C), b)].
Os indivíduos que não possuíssem Exame de Estado só podiam ser nomeados professores de serviço eventual, quando se tornassem
'necessários, por insuficiência do número de professores efectivos, auxiliares e agregados em serviço' (cf. artigo 110º).
A formação dos professores do ensino liceal fazia-se em regime de estágio (estágio pedagógico), com a duração de 2 anos.
Os estagiários que obtivessem, pelo menos, a classificação de 10 valores no 2º ano desse estágio eram admitidos ao Exame de Estado (cf. artigos 188º, nº 5, 189º e 238º).
Aos candidatos aprovados no Exame de Estado era passado o respectivo diploma (cf. artigo 247º).
A admissão ao 1º ano do estágio pedagógico fazia-se mediante concurso (cf. artigo 194º), ao qual só podia apresentar-se quem possuísse as necessárias habilitações académicas (licenciatura universitária que abrangesse todas ou as principais disciplinas do respectivo grupo ou, no caso dos candidatos a professor de Desenho e Trabalhos Manuais, o curso superior de Arquitectura, Pintura ou Escultura das Escolas de Belas-Artes) e tivesse cultura pedagógica, que se comprovava pela aprovação nos exames das seguintes cadeiras universitárias: Pedagogia e Didáctica; História da Educação, Organização e Administração Escolares; Psicologia Geral; Psicologia Escolar e Medidas Mentais; e Higiene Escolar (cf. artigo 188º conjugado com o artigo 85º).
5.2. O Estatuto do Ensino Profissional Industrial e Comercial foi aprovado pelo Decreto nº 37.029, de 25 de Agosto de 1948.
O ensino profissional (industrial e comercial) abrangia dois graus: o 1º grau, constituído por um ciclo preparatório elementar, de educação e pré-aprendizagem geral, com a duração de dois anos (cf. artigos 1º,
27º e 28º); o 2º grau, que compreendia os cursos industriais e comerciais complementares de aprendizagem, os cursos industriais e comerciais de formação profissional, os cursos industriais de mestrança e os cursos especiais de habilitação para o ingresso nos institutos industriais ou comerciais e nos cursos de Pintura e Escultura das escolas de belas-artes, com a duração de 3 ou
4 anos e, excepcionalmente, de 5 anos (cf. artigo 1º, 66º a 90º e mapas anexos).
O pessoal docente do ensino profissional industrial e comercial era constituído por professores, que podiam ser efectivos, adjuntos, auxiliares, contratados ou de serviço eventual (este últimos eram contratados ou provisórios) - e por mestres, contramestres e auxiliares. (cf. artigos 178º a
184º).
Para a nomeação como professores efectivos ou como professores adjuntos, era necessário possuir a habilitação do Exame de Estado
(cf. artigos 186º e 193º), ao qual só podiam submeter-se os estagiários aprovados no 2º ano do estágio pedagógico (cf. artigo 274º).
Os professores habilitados com o Exame de Estado que prestassem serviço eventual nas escolas adquiriam o direito de usar o título de professor agregado do 1º ou do 2º grau, conforme possuíssem a habilitação para professor adjunto ou para professor efectivo (cf. artigo 284º).
Só podia ingressar no estágio pedagógico quem tivesse obtido aprovação nas cadeiras da secção pedagógica das Faculdades de Letras e, além disso, sendo candidato a professor efectivo, possuísse licenciatura ou curso superior adequado; ou, sendo candidato a professor adjunto, possuísse a habilitação indicada no artigo 229º.
O recrutamento dos mestres de trabalhos manuais, das oficinas compreendidas nos cursos industriais e dos cursos práticos do ensino comercial, fazia-se, em regra, por concurso de habilitação e concurso de provimento (cf. artigo 286º).
Os concursos de habilitação eram constituídos por provas teóricas e práticas, segundo um programa para cada caso publicado no jornal oficial (cf. artigo 287º).
Ao concurso de habilitação para mestre de trabalhos manuais era admitido quem estivesse habilitado com o curso industrial de serralharia, carpintaria, marcenaria, costura e bordados ou equivalente e houvesse frequentado, com boa informação dos respectivos mestres, um estágio de
6 meses, nas seguintes oficinas escolares: de carpintaria ou marcenaria, se o candidato tivesse a habilitação do curso de serralheiro; de serralharia, se tivesse a do curso de carpinteiro ou de marceneiro; de trabalhos manuais, se tivesse a do curso de costura e de bordados [cf. artigo 288º, nº 1, alínea a), e
290º, nº 1, alíneas a) e c)].
Os concursos de habilitação para mestres de trabalhos manuais eram válidos para todas as escolas (cf. artigo 295º, nº 1).
Os concursos de provimento para mestres de trabalhos manuais eram documentais, podendo candidatar-se quem se encontrasse aprovado no respectivo concurso de habilitação [cf. artigos 296º e 297º, alínea b)].
A disciplina de Trabalhos Manuais dos cursos industriais e do curso comercial era ministrada pelos mestres e auxiliares do ensino comercial e pelos mestres e contramestres do ensino industrial (cf. artigos 181º e 182º).
5.3. O Decreto nº 48.572, de 9 de Setembro de 1968, veio aprovar o Estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
O ciclo preparatório do ensino secundário, que começou a funcionar no ano lectivo de 1968/1969, tinha a duração de dois anos (cf. artigo
3º). Nesse ano lectivo de 1968/1969, ingressaram no 1º ano desse ciclo preparatório os alunos que, anteriormente, tinham frequentado sem aproveitamento o 1º ano do ensino liceal ou do ciclo preparatório do ensino técnico-profissional; e no 2º ano, os que antes tinham frequentado com aproveitamento o 1º ano do ensino liceal ou do ciclo preparatório do ensino técnico-profissional (cf. artigo 349º).
Os professores dos quadros das escolas técnicas elementares - que eram aquelas em que se ministrava exclusivamente o ensino das matérias do ciclo preparatório do ensino técnico-profissional [cf. artigo 2º,. alínea a), do Estatuto aprovado pelo Decreto nº 37.029] - transitaram directamente para os quadros das correspondentes escolas preparatórias do ensino secundário (cf. artigo 360º, nº 1). Os mestres e auxiliares de Trabalhos Manuais dos quadros dos outros estabelecimentos de ensino técnico-profissional foram automaticamente transferidos para os quadros das escolas preparatórias das mesmas localidades, como professores efectivos de Trabalhos Manuais [cf. artigo
370º, nº 2, alínea c)].
Os professores do ciclo preparatório podiam ser efectivos, auxiliares e provisórios (cf. artigo 219º).
Requisito da nomeação como professor efectivo ou auxiliar continuou a ser achar-se o candidato habilitado com o Exame de Estado
[cf. artigos 233º, nº 1, alínea c), e 234º, nº 1, alínea b)].
Ao Exame de Estado só podia ser admitido quem, no estágio, com a duração de 2 anos lectivos, obtivesse a qualificação de apto ou muito apto (cf. artigo 294º referido ao artigo 258º, nº 2).
Os estagiários, durante a frequência do estágio, gozavam do estatuto de professores provisórios (cf. artigo 258º, nº 4).
Para ingressar no estágio, os candidatos a professor de Trabalhos Manuais tinham que possuir o curso de formação do ensino técnico profissional ou o curso geral dos liceus ou o curso de auxiliar social ou, então, aprovação no Exame do Estado do magistério primário, com o 7º ano do liceu e 3 anos de serviço como professor primário e 2 como professor provisório do ciclo preparatório prestados em escolas públicas e classificados, respectivamente, de Bom ou de Muito Bom; e, além disso, que obter 'aprovação numa prova de aptidão para a generalidade dos trabalhos manuais, acompanhada do respectivo relatório escrito [cf. artigos 256º, nºs 1, alínea d), e 3, alínea a), e 263º, nº 3].
Para o ensino de Trabalhos Manuais, os júris dos Exames de Estado eram júris únicos (cf. artigo 297º, nº 1).
5.4. O Decreto-Lei nº 48.868, de 10 de Fevereiro de 1969
(regulamentado pelo Decreto nº 49.205, de 1 de Agosto de 1969) veio, entretanto, reduzir a 1 ano a duração dos estágios pedagógicos dos professores dos ensinos liceal e técnico-profissional (cf. artigo 5º) e possibilitar que, 'mediante a prestação de provas', fossem frequentados por 'candidatos titulares de habilitações académicas que, embora diversas das exigidas pela legislação geral respectiva, possuam nível apropriado e sejam, para o efeito, declaradas suficientes' (cf. artigo 6º, nº 1).
Os estagiários passaram a ter o estatuto de professor do serviço eventual (cf. artigo 13º, nº 1).
Os Exames de Estado passaram a poder ser requeridos não apenas por aqueles que tivessem frequentado o estágio pedagógico, mas também por quem, achando-se habilitado com a Secção das Ciências Pedagógicas, após a conclusão do curso exigido por lei, tivessem leccionado nos liceus ou escolas técnicas matérias do respectivo grupo durante, pelo menos, 5 anos com serviço classificado de Bom pela respectiva inspecção; pelos professores extraordinários do ensino técnico profissional que satisfizessem certas condições; pelos licenciados que, durante 5 anos, pelo menos, tivessem exercido funções de assistente universitário em matérias correspondentes ao grupo a que concorressem, com boa informação, ou que, durante idêntico lapso de tempo e igualmente boa informação, tivessem exercido funções de leitor de línguas estrangeiras em universidades portuguesas; pelos licenciados em Filologia Clássica ou em Filologia Românica ou Germânica que, também durante 5 anos e com boa informação, tivessem exercido funções de leitor de Português em universidades estrangeiras, nos dois últimos casos, em países de língua francesa ou germânica; e, tratando-se dos grupos 2º, 3º e 6º do ensino técnico-profissional, por quem, 'em serviços públicos ou empresas de reconhecida idoneidade', tivesse exercido, durante, pelo menos, 5 anos, 'actividade profissional baseada nas tecnologias respectivas' (cf. artigo 15º).
5.5. Este excurso pela legislação aplicável mostra o seguinte:
(a). No ensino liceal, para ministrar a disciplina de Trabalhos Manuais, como professor efectivo, tinha o interessado que submeter-se a provas de Exame do Estado, no final de um estágio pedagógico, ao qual apenas acediam aqueles que possuíssem o curso superior de Arquitectura, Pintura ou Escultura das Escolas de Belas Artes;
(b). No ensino técnico-profissional, a disciplina de Trabalhos Manuais estava a cargo dos mestres e contramestres, nos cursos industriais, e dos mestres e auxiliares, no curso comercial, dependendo a respectiva nomeação da aprovação em concursos de habilitação, a que podiam apresentar-se indivíduos que possuíssem cursos técnico-profissionais;
(c). No ciclo preparatório do ensino secundário, num primeiro momento, os professores efectivos de Trabalhos Manuais eram os mestres e auxiliares de Trabalhos Manuais das escolas do ensino técnico-profissional; num segundo momento, tais professores passaram a ter que possuir Exame de Estado, a que se submetiam no final de um estágio pedagógico, ao qual podiam concorrer indivíduos possuidores de cursos técnico-profissionais, de auxiliar social, do curso geral dos liceus ou dos cursos das Escolas do Magistério Primário.
Em síntese: enquanto os professores de Trabalhos Manuais provindos do ensino liceal possuíam Exame de Estado e curso superior, aqueles que provieram do ensino técnico-profissional não tinham Exame de Estado, nem curso superior; tinham, sim, aprovação num concurso de habilitação, a que podia apresentar-se quem tivesse um curso técnico-profissional. Os que iniciaram a sua actividade no ciclo preparatório do ensino secundário tinham Exame de Estado, mas não curso superior.
6. A questão de constitucionalidade.
6.1. A norma, cuja constitucionalidade aqui tem que ser apreciada, é a do artigo 129º, nº 1, do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, que reza assim: Artigo 129º (Dispensa da candidatura)
1- Os professores dos ensinos preparatório e secundário que tenham realizado com sucesso as provas de exame de Estado previsto no Decreto nº 36 508, de 17 de Setembro de 1947, e legislação subsequente e que à data da transição para a nova estrutura da carreira possuam 25 ou mais anos de serviço docente ou equiparado ficam igualmente dispensados da apresentação de candidatura para efeitos de promoção ao 8º escalão da carreira docente, progredindo ao 9º escalão em 1992.
Nos termos da disposição legal acabada de transcrever, foram integrados no 8º escalão da carreira docente (progredindo ao 9º escalão, em 1992), com dispensa de apresentação de candidatura para efeitos de promoção, os professores dos ensinos preparatório e secundário que possuíssem Exame de Estado e que, à data da transição para a nova estrutura da carreira, possuíssem
25 ou mais anos de serviço docente ou equiparado.
Esta dispensa de apresentação de candidatura para efeitos de promoção ao 8º escalão, concedida por aquela disposição legal aos docentes que preenchessem as condições acabadas de indicar, é uma excepção à regra de acesso a esse 8º escalão, fixada no Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, que aprovou a estrutura da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário.
A carreira docente desenvolve-se por nove escalões (cf. artigo 8º) e a progressão na mesma faz-se, de facto, pelo decurso de tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes (cf. artigo 9º, nº 1). No entanto, o acesso ao 8º escalão depende da aprovação em processo de candidatura, a apresentar no decurso do 6º ou do 7º escalões (cf. artigo 10º, nº 1).
Registe-se que os professores de Trabalhos Manuais, no domínio do Decreto-Lei nº 100/86, de 17 de Maio, podiam atingir, no máximo, a 5ª fase (cf. artigo 1º), que, no sistema do Decreto-Lei nº 409/89, corresponde ao
7º escalão (cf. artigo 15º, nº 1).
6.2. Pretende a recorrente que a interpretação daquele artigo 129º, nº 1, feita pelo acórdão recorrido (segundo a qual o concurso de habilitação para mestre de Trabalhos Manuais, a que ela se submeteu, não é de considerar Exame de Estado para o efeito previsto em tal disposição legal, que é o da sua integração no 8º escalão, com dispensa de candidatura) viola o princípio da igualdade, o princípio da tutela da confiança e o direito de acesso e progressão na carreira.
6.3. O princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição) impõe se dê tratamento igual ao que for essencialmente igual e se trate diferentemente o que diferente for. Não proíbe as distinções de tratamento, se materialmente fundadas; proíbe, isso sim, a discriminação, as diferenciações arbitrárias ou irrazoáveis, carecidas de fundamento racional.
Sendo este o sentido do princípio, claro é que a norma aqui sub iudicio não o afronta.
De facto, a recorrente não possui curso superior, nem Exame de Estado - prova a que se submetiam os candidatos a professor, após um estágio pedagógico, com a duração de 2 anos (1 ano, após a publicação do Decreto-Lei nº 48.688). Os destinatários da norma em causa, pelo contrário - para além de terem que possuir curso superior (salvo os professores de Trabalhos Manuais, que ingressaram na carreira de professor do ciclo preparatório do ensino secundário já no domínio do Decreto nº 48.572) - tiveram que passar aquela prova.
Sendo a formação da recorrente (e a dos professores nas suas condições) essencialmente distinta da dos professores com Exame de Estado, não é irrazoável que estes tenham sido dispensados de apresentar a sua candidatura ao 8º escalão, e que essa dispensa não tenha sido concedida também a quem se encontra na situação da recorrente.
6.4. A norma em causa também não viola o princípio da protecção da confiança, que se extrai do princípio do Estado de Direito (artigo
2º da Constituição).
Na verdade, não se vê que direitos ou que expectativas legitimamente fundadas possa ter violado, iludido ou defraudado uma norma, como a que aqui está em causa, que apenas não dispensou alguns professores de apresentarem a sua candidatura ao 8º escalão da respectiva carreira. Ela não vedou aos professores, que se encontram na situação da recorrente, o acesso ao
8º escalão: tais professores podem, de facto, apresentar a sua candidatura e aceder a esse escalão.
A confiança que os professores devem poder depositar na ordem jurídica não foi, pois, minimamente abalada: nenhum plano de vida profissional foi afectado.
De facto, os professores de Trabalhos Manuais apenas podiam atingir a 5ª fase (correspondente hoje ao 7º escalão) e, agora, podem aceder ao 9º escalão.
Contra a conclusão que acaba de atingir-se, também não procede o argumento de que a recorrente terá chegado a ser integrada no 8º escalão.
É que essa integração não foi a integração prevista na lei, a qual, de acordo com o preceituado no artigo 26º do Decreto-Lei nº 409/89, tinha que fazer-se em 'lista de transição do pessoal docente para a nova estrutura da carreira docente'.
6.5. Finalmente - contrariamente ao que sustenta a recorrente - também não é exacto que a norma em causa tenha introduzido 'forte limitação ao direito do livre acesso e progressão na função pública que o artigo
47º da Constituição prevê, em manifesta ofensa do artigo 18º, nº 2, da mesma Constituição'.
Que assim é, comprova-o, por um lado, o facto de, como se disse, os professores excluídos do campo de aplicação do mencionado nº 1 do artigo 129º poderem aceder ao 8º escalão (e, até, ao 9º); e, de outro, a circunstância de a apresentação de candidatura ser a regra geral de acesso a esse 8º escalão, não constituindo exigência excessiva ou desproporcionada.
III. Decisão:
Isto posto, nega-se provimento ao recurso e confirma-se o acórdão recorrido quanto ao julgamento da questão de constitucionalidade.
Lisboa, 20 de Novembro de 1996 Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Bravo Serra Luís Nunes de Almeida