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Processo n.º 879/11
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B. interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Évora da decisão proferida no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Abrantes que julgou improcedente a oposição à execução que contra eles foi movida por C..
Por despacho proferido em 21 de outubro de 2011 o recurso não foi admitido.
Os Executados reclamaram deste despacho, tendo o Presidente do Tribunal da Relação de Évora indeferido a reclamação, por decisão proferida em 24 de novembro de 2011.
Os Executados recorreram desta decisão para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“A. e seu marido B., Recorrentes no processo em referência,
vêm apresentar requerimento de interposição de recurso em face da Douta Decisão sobre a RECLAMAÇÃO, doutamente decidida pelo Tribunal da Relação de Évora, em virtude da decisão proferida no Tribunal Judicial de Abrantes, a fls….,
com os seguintes fundamentos:
1 - Em resposta a requerimento apresentado pelos ora recorrentes, a fls...., tomou o Tribunal de 1ª Instância de Abrantes tal requerimento como interposição de recurso e indeferiu o mesmo em face de alegada falta de junção de alegações e simultaneamente, evitou, impedindo, que em prazo, este pudesse ser proposto.
2 – Tal despacho foi apreciado em Reclamação pelo Ilustre Presidente do Tribunal da Relação de Évora. Manteve-se a decisão do Tribunal de Primeira Instância.
3 – Ora, tais decisões consubstanciam uma interpretação da lei processual que ofende os artigos 18º, 20º, 202º e 205º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação que deles resulta e deve resultar em face do conteúdo, em especial, dos artigos 685º-A, n.º 1 e 685º-C n.º 2 alínea b) do CPC.
4 – Entendem os Recorrentes que os Meritíssimos Julgadores se pronunciaram sobre o requerimento, que persistindo dúvida na Jurisprudência – deveria ser respondido e esclarecido – não devendo ser entendido como interposição de recurso em face da lei vigente, mas apenas de pleno esclarecimento da posição que era assumida, não inviabilizando de modo algum o direito ao recurso, bem como,
5 – ao não admitir a interposição de recurso em tempo, limitou o direito ao mesmo, constitucionalmente protegido, previamente ao término do prazo que lhe é reconhecido na lei processual, sendo também que,
6 – ao se entender que as Alegações não foram juntas no prazo ainda em decurso, não se interpretou devidamente os artigos 137º, 266º, 684º al. a), b) e c) e art. 685º al. b) e c) do CPC, ofendendo-os constitucionalmente, tendo em atenção o princípio de acesso ao direito e justiça, além do referido direito ao recurso.
7 – A Douta Decisão Singular pois, ora reclamada, ao confirmar a decisão do Tribunal de Primeira Instância, deve ser sujeita a apreciação por este Tribunal Constitucional, sendo que, o poder da cognição do Tribunal Constitucional está limitada a confirmar ou revogar o D. Despacho de indeferimento.
Do mesmo modo,
8 – deve ser apreciado, por este Tribunal, se o requerimento entendido como interposição de recurso evita que o mesmo, por não ter sido junto alegações, possa ser de imediato indeferido, bem como, se decorrendo o prazo de recurso, se as ditas alegações podem ser previamente e antes do término do prazo do recurso cessado, ainda possam ser juntas como no entender dos recorrentes é passível de ser entendido da lei processual.
Por outro lado ainda, sempre se acrescenta,
9 – que não deixa de haver uma omissão por “precisão” legislativa que constitucionalmente deve ser apreciada, no âmbito da necessidade e princípio da elaboração de leis claras e esclarecedoras, concretas e universais.
Sendo assim, o presente recurso da Douta Reclamação (que tão pouco se pronunciou sobre as questões constitucionais) é interposto nos termos do artigo 70º nº 1 al. b) e nº 2, e artigo 71º e 75º al. c) da Lei 28/82 de 15/11, por apreciação em especial, da interpretação concedida aos artigos 137º, 266º, 684º al. a), b) e c) e art. 685º al. b) e c) do CPC, em face dos os artigos 18º, 20º, 202º e 205º da CRP.”
Foi proferida decisão sumária de não conhecimento do recurso, com a seguinte fundamentação:
“No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge?se ao controlo da inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade constitucional imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas (hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é imputada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter de generalidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
No requerimento de interposição de recurso os Recorrentes embora aludam a uma interpretação do tribunal recorrido que ofenderia preceitos constitucionais, limitam-se a acusar de inconstitucional a própria decisão confirmativa da não admissão do recurso interposto para o Tribunal da Relação de Évora, por ter efetuado uma incorreta operação de subsunção da situação concreta a um conjunto de disposições do Código de Processo Civil.
Não tendo, pois, sido enunciado no requerimento de interposição de recurso um critério normativo utilizado pela decisão recorrida na sua fundamentação cuja constitucionalidade se pretenda ver apreciada pelo Tribunal Constitucional não é possível conhecer deste recurso.
Também não é possível a utilização do convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso previsto no artigo 75.º - A, n.º 5, da LTC, para suprir a deficiência apontada, porque sempre faltaria o cumprimento do requisito da suscitação prévia perante o tribunal recorrido da questão de constitucionalidade posteriormente colocada ao Tribunal Constitucional, em termos de vincular aquele tribunal à sua apreciação (artigo 72.º, n.º 2, da LTC), uma vez que na reclamação dirigida ao Tribunal da Relação de Évora apenas se invocou a inconstitucionalidade da própria decisão de não admissão de recurso, não tendo também sido questionada a inconstitucionalidade de qualquer norma ou de qualquer interpretação normativa.
Não sendo já o cumprimento deste requisito suscetível de correção, revela-se inútil qualquer convite ao aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso, pelo que deve ser proferida decisão de não conhecimento, nos termos do artigo 78.º - A, n.º 1, da LTC.”
Os Recorrentes reclamaram desta decisão nos seguintes termos:
a) A reclamação apresentada no Tribunal da Relação de Évora, resultou do facto de ter sido indeferido requerimento que o Digno Juiz de Primeira Instância considerou - sem o ser - de interposição de recurso. Na realidade, nesse requerimento, avaliado pela Primeira Instância, e na dúvida jurisprudencial existente (mesmo entre secções do próprio Tribunal Judicial) procurou-se saber e conhecer não só a posição do Ilustre Juiz, como se fosse entendido, como sendo o recurso da decisão a efetuar com base no anterior regime - e só nesta situação - que entendesse o dito requerimento como interposição de recurso. Decorriam, há data, todos os prazos para apresentação de alegações;
b) Só que, o D. Juiz de Primeira Instância, seguido que foi pelo Ilustre Desembargador, entendeu que na ausência de junção de alegações, que o recurso não poderia ser aceite, indeferindo-o, e evitando assim que no decurso do prazo se pudesse interpor recurso;
c) Ora, limitou-se a apresentação de recurso porque, mesmo antes de ser esgotado o prazo, decidiu sobre um ato que não havia sido, verdadeiramente proposto.
2) Ora, tendo em atenção o contexto mencionado, reclamaram os recorrentes para o Tribunal da Relação de Évora, e desta decisão para o Tribunal Constitucional.
d) Proferida decisão que ora se apela para a Conferencia, pelo Ilustre Juiz Conselheiro Relator, foi mencionado que o Tribunal Constitucional cinge-se ao controlo da inconstitucionalidade normativa referindo que tal controlo se relaciona com um critério normativo ao qual depois se subsume o caso concreto;
e) Entende o Ilustre Relator que o que está em causa é a aplicação de critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto, por atenção à impossibilidade de averiguação por este Tribunal de questões de inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmo, considerado, na opinião do Ilustre Relator, o caso em apreço;
f) Com todo o respeito, no entanto entendemos que a interpretação normativa que foi concedido aos artigos 137º, 266º, alíneas a), b) e c) do artigo 684º e alíneas b) e c) do artigo 685º, todos do CPC, afetaram o direito ao recurso e o acesso ao direito e à justiça, ingeridos nos artigos 18º, 20º, 202º e 205º da CRP, em face da função jurisdicional dos Tribunais. Na realidade, várias questões se suscitaram divergindo-se da interpretação normativa que é concedida a esses mesmos normativos. Tal como foi retratado nos n.ºs 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9, para onde se reconduz, da reclamação entregue para este Tribunal Constitucional, sujeita à dita decisão sumária proferida pelo Ilustre Relator:
g) Na realidade, mais do que o caso concreto e as suas particularidades, está em causa uma desconformidade constitucional e uma interpretação normativa dos artigos mencionados. Em especial, face ao facto de saber e conhecer se existe uma interpretação coerente com os princípios constitucionais, no entendimento de que, em prazo, o requerimento de recurso pode e deve ser junto de imediato com as respetivas alegações e se, simultaneamente, mas não menos importante, o requerimento entregue - em todo o seu conteúdo - em face de dúvidas de interpretação da lei aplicável, pode ser tomado como interposição de recurso, impossibilitando que o mesmo seja proposto, inviabilizando que em prazo sejam coartados os direitos de propor recurso. Ou seja, entre outras questões, pretende-se saber se a interpretação normativa das regras de recurso acima mencionadas são adequadas às regras constitucionais no sentido de, antes de serem esgotados os prazos para a prática de atos, sejam os mesmos impedidos de ser realizados ou aperfeiçoados;
h) Daí quem com todo o respeito, a decisão e análise não podem ser apenas perspetivadas no âmbito de uma decisão singular, sem relevância no âmbito da desconformidade constitucional ou interpretação normativa arredada da Lei Constitucional;
i) Por outro lado e com todo o respeito, conforme foi referido no requerimento de interposição do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, a questão da constitucionalidade só foi apreciada tendo por atenção a própria decisão da primeira instância e no âmbito da reclamação apresentada, dirigida ao Tribunal da Relação de Évora, que tão pouco se pronunciou sobre a mesma. Ou seja, quando foi decidida a não aceitação de recurso (não se aceitando que o requerimento em causa seja de interposição de recurso, em face do novo regime) foi naturalmente suscitada a questão da inconstitucionalidade;
j) Dessa decisão do Tribunal da Relação de Évora foi efetuado o respetivo recurso e se mesmo perante a fundamentação desse recurso, o mesmo não foi aceite aparentemente por uma mera questão processual, a análise desse requerimento, se processualmente indevido, deveria ter sido concedido o convite ao aperfeiçoamento previsto no n.º 5 do artigo 75º-A da LTC. Também neste caso a decisão, sem este convite ao aperfeiçoamento, no pode ser aceite, sendo um dos fundamentos para indeferir o recurso para este Tribunal Constitucional.”
Fundamentação
Os Recorrentes só na reclamação agora apresentada ensaiam enunciar um critério normativo que teria fundamentado a decisão recorrida.
Contudo deveriam tê-lo feito no requerimento de interposição de recurso, nos termos do artigo 75.º - A, n.º 1, da LTC, e, sobretudo, na reclamação apresentada ao Presidente do Tribunal da Relação de Évora, onde estavam obrigados a suscitar a questão da inconstitucionalidade daquela interpretação normativa, de modo a vincular esta instância decisória ao seu conhecimento (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Não o tendo feito, é insuscetível de suprimento a falta de pressupostos para o conhecimento do recurso interposto, pelo que deve ser indeferida a reclamação apresentada.
Decisão
Pelo exposto indefere-se a reclamação apresentada por A. e B..
Custas pelos Recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro.
Lisboa, 6 de março de 2012.- João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.