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Proc. nº 490/96
1ª Secção
Rel: Cons. Ribeiro Mendes
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. M..., arguido em processo crime, veio deduzir reclamação nos termos do nº 4 do art. 76º da Lei do Tribunal Constitucional contra o despacho do Desembargador relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, que lhe não admitiu um recurso de constitucionalidade oportunamente interposto.
Fundamentou a reclamação nos seguintes termos:
- Em processo crime que correu termos na 2ª Secção do 4º Juizo do Tribunal de Círculo da Comarca de Sintra, o reclamante foi condenado pela prática de crime de violação de menor a quatro anos de prisão, sendo aplicado perdão de um ano, nos termos da alínea a) do art. 14º da Lei nº 23/91, de 4 de Julho;
- Desta decisão o reclamante 'recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que confirmou a decisão recorrida, determinando, porém, que na 1ª instância se decidisse «acerca dos benefícios que para o arguido possam resultar da aplicação da Lei nº 15/94, de 11 de Maio para não o privar de direito ao recurso da decisão que venha a ser proferida»',
- O Juiz da 1ª instância, em consonância, aliás, com o requerido pelo Ministério Público, aplicou mais um ano de perdão e ordenou que 'fossem emitidos mandados de captura para o arguido cumprir dois anos de prisão, uma vez que não havia prisão preventiva a descontar';
- Contra esta decisão foi apresentada uma reclamação nos seguintes termos: '1º Deverá de imediato ser determinada a recolha dos mandados de captura; 2º Deverá proceder-se previamente à notificação de despacho que conterá os benefícios que para ele terão resultado da aplicação da [Lei] nº 15/94, de 11 de Maio; 3º Para o não privar do direito de recurso da decisão proferida como se determina no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça';
- Esta reclamação foi indeferida e o reclamante recorreu para a Relação de Lisboa, alegando violação do art. 48º do Código Penal, uma vez que estando
'reunidos todos os pressupostos da «pena substitutiva» de suspensão da execução da pena', não deveriam ter sido emitidos os mandados de captura. O recurso subiu imediatamente em separado, e com efeito suspensivo. Foi, no entanto, considerado improcedente;
- Porém, a Relação alterou, após vista do Ministério Público, que emitiu parecer nesse sentido, o efeito do recurso, o qual passou a ter efeito não suspensivo. E deste acórdão reclamou por nulidade o reclamante para a Conferência, que indeferiu essa reclamação por entender que tal alteração de efeito do recurso é um dos poderes do relator, previstos na lei;
- O reclamante interpôs recurso de constitucionalidade da norma do art. 416º do Código de Processo Penal, na interpretação dada pelo acórdão da Relação, o qual foi admitido. '... com efeito suspensivo da marcha de processo, mas não da exequibilidade do Acórdão passado em julgado';
- Houve reclamação da parte final deste despacho, que foi indeferida. E deste despacho de indeferimento, o reclamante interpôs recurso de constitucionalidade, que não foi, porém, admitido dando lugar à presente reclamação, considerando o relator que o Tribunal Constitucional não pode apreciar a decisão proferida no acórdão, dada que esta última não aplicou nem desaplicou qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade.
2. Subiram os autos ao Tribunal Constitucional.
Teve vista dos autos o representante do Ministério Público, o qual exarou parecer em que preconiza a improcedência da reclamação (a fls. 73).
Foram corridos os vistos legais.
II
3. Cumpre, assim, conhecer da presente reclamação.
Apresenta-se a situação descrita nos autos algo confusa, pelo que se impõe uma breve exposição cronológica do desenrolar processual:
- O reclamante foi condenado por crime de violação previsto e punido nos arts.
201º e 208º do Cód. Penal, na pena de 4 anos de prisão, com perdão de um ano, ao abrigo do disposto na alínea d) do art. 14º da Lei nº 23/91, de Julho;
- O Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão, mas determinou que os autos viessem para a primeira instância para eventual aplicação de mais um ano de perdão, em virtude da entrada em vigor da Lei da amnistia nº 15/94, de 11 de Maio;
- Fixada, assim, em dois anos a pena a cumprir pelo arguido, foram mandados passar mandados de captura;
- O reclamante interpôs recurso para a Relação do despacho referente à passagem dos mandados, que foi admitido com efeito suspensivo;
- Após visto do Ministério Público, nos termos do art. 416º do Código de Processo Penal, a conferência, através de acórdão de 20 de Dezembro de 1995, alterou o efeito de recurso para meramente devolutivo;
- O reclamante arguiu a nulidade deste acórdão, através de reclamação para a conferência;
- Em 24 de Janeiro de 1996, a Relação decidiu através de dois acórdãos as duas questões: indeferiu a reclamação de arguição de nulidade do acórdão de 20 de Dezembro de 1995; relativamente à questão de fundo respeitante à decisão da 1ª instância, negou provimento ao recurso;
- Apenas do acórdão que indeferiu a reclamação interpôs o ora reclamante recurso para o Tribunal Constitucional, em 7 de Fevereiro de 1996, o qual foi admitido pelo relator com dúvidas, uma vez que o acórdão que havia decidido a questão de fundo tinha já transitado em julgado. No entanto, foi aceite o recurso, ao qual foi fixado efeito suspensivo da marcha do processo, mas não da exequibilidade da decisão transitada em julgado;
- Desta decisão, pretendeu o recorrente reclamar para a conferência, o que foi indeferido por despacho do relator de 22 de Março de 1996 (a fls. 49 vº);
- É desta decisão que indefere a reclamação para a conferência que o ora reclamante interpôs um segundo recurso de constitucionalidade (requerimento de fls. 51 e 54);
- Este segundo recurso de constitucionalidade não foi admitido por acórdão de 15 de Maio de 1996, o qual decidiu igualmente 'manter, nos seus precisos termos, o despacho, de 27-02-96, de admissão do recurso, a fls. 42 vº' (fls. 56 vº).
É deste acórdão que foi deduzida a reclamação, nos termos do art. 76º, nº 4, da Lei do Tribunal Constitucional, que cumpre conhecer.
4. A reclamação apresentada não merece deferimento.
De facto, o que se impugna com a presente reclamação é a não admissão de recurso para o Tribunal Constitucional de decisão que indeferiu um pedido de alteração do efeito do recurso de constitucionalidade formulado pela recorrente.
Independentemente da apreciação do recurso de constitucionalidade interposto em primeiro lugar e devidamente admitido, que será feita em momento oportuno, trata-se de averiguar agora se é processualmente admissível abrir uma nova via de recurso nas condições pretendidas pelo recorrente, isto é, para discutir a modificação do efeito do recurso fixada pelo tribunal a quo. E, desde logo, se verifica que o não é.
O recurso de constitucionalidade tem como fundamentos os previstos nas diversas alíneas do nº 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional. No recurso rejeitado a que diz respeito a presente reclamação, o recorrente não suscitou de forma clara nenhuma questão de constitucionalidade por via da aplicação ou desaplicação de normas, mas tão-só, a questão meramente processual do efeito atribuído ao recurso primeiramente interposto, arguindo uma ilegalidade por violação do princípio do contraditório.
Ora, o momento processualmente idóneo para impugnar tal atribuição de efeito, é, nos termos do nº 4 do art. 687º do Código de Processo Civil, - norma aplicável aos recursos para o Tribunal Constitucional por força do disposto no art. 69º da Lei Orgânica do próprio Tribunal -, o da apresentação das alegações no âmbito do recurso.
Importa afirmar que a decisão do Tribunal a quo que admite o recurso e lhe determina o efeito não vincula o Tribunal Constitucional, de acordo com o preceituado no nº 3 do art. 76º da Lei do Tribunal Constitucional, sendo, assim, não definitiva e, por isso, insusceptível de recurso de constitucionalidade.
III
5. Pelo exposto, se decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Novembro de 1996
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma Pereira
Maria da Assunção Esteves
Vitor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa