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Proc. nº 437/96
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I Relatório
1. A., intentou no Tribunal Cível de Lisboa acção ordinária contra B., pedindo a condenação da ré a retirar do telhado do prédio sito na Avenida ---------------, nº --------------, em ----------------, um anúncio aí colocado.
A acção foi julgada procedente, tendo a ré sido condenada no pedido.
2. A ré recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, porém, sido confirmada a sentença recorrida.
3. A ré interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Nas alegações apresentadas junto do Supremo Tribunal de Justiça, a ré concluiu que o acórdão recorrido havia violado a norma contida no artigo 168º, nº 1, alínea h), da Constituição, para além de outras normas infraconstitucionais. Não invocou, porém, qualquer fundamento da aludida inconstitucionalidade.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 12 de Janeiro de 1995, decidiu negar a revista, confirmando o acórdão recorrido.
A recorrente, notificada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1995, requereu o esclarecimento de uma ambiguidade e de uma obscuridade que entendeu existirem no acórdão referido. Porém, por acórdão de 3 de Maio de 1995, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu o requerimento, tendo entendido não existir qualquer ambiguidade ou obscuridade no acórdão de 12 de Janeiro de 1995.
Notificado do acórdão de 3 de Maio de 1995, a recorrente arguiu a nulidade deste aresto. Contudo, tal arguição foi indeferida, por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 1995.
4. A recorrente, notificada do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Novembro de 1995, interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1995, que havia negado a revista, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional. Contudo, no respectivo requerimento de interposição do recurso, a recorrente afirmou que,
'à cautela, e como hipótese académica, se assim não se entendesse' o recurso deveria considerar-se interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 8 de Janeiro de 1996, decidiu não admitir o recurso, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.
5. A recorrente reclamou deste despacho (de 8 de Janeiro de
1996) para o Tribunal Constitucional, nos termos do nº 1 do artigo 77º da Lei do Tribunal Constitucional.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da não admissão do recurso de constitucionalidade, em virtude de não se verificarem os respectivos pressupostos de admissibilidade.
6. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentos
7. A reclamante pretende que o recurso de constitucionalidade interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Janeiro de 1995 seja admitido com um duplo fundamento: porque o acórdão recorrido desaplicou uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, e porque o mesmo aresto aplicou uma norma cuja conformidade à Constituição foi questionada durante o processo.
8. Com efeito, sendo o presente recurso interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea a), da Constituição e 70º, nº 1, alínea a), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário que o acórdão recorrido haja desaplicado uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Porém, o acórdão recorrido não desaplicou qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade. Na verdade, o referido aresto apenas sublinhou a necessária interdependência entre as alegações e as conclusões
(tendo decidido só tomar conhecimento das questões constantes das alegações); não tomou conhecimento da questão relacionada com a data do início do prazo contratual; entendeu que o Tribunal da Relação se pronunciou sobre a necessidade de declaração de extinção do contrato; entendeu não haver excesso de pronúncia no acórdão recorrido; entendeu que o acórdão recorrido não condenou em objecto diverso do pedido; pronunciou-se sobre os efeitos do aviso de denúncia sem aceitação; concluiu que a autora tinha o direito de denunciar o contrato sub judice; e entendeu que a denúncia foi tempestiva.
O acórdão recorrido não se pronunciou, nem explícita nem implicitamente, sobre a não aplicação da norma contida no artigo 1095º do Código Civil (como sustenta a reclamante) com fundamento na sua inconstitucionalidade.
Assim, há que concluir que o presente recurso de constitucionalidade não pode ser admitido, em virtude de o acórdão recorrido não haver desaplicado qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade
[cf. artigos 70º, nº 1, alínea a) e 76º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional].
9. E ainda que se entendesse que a reclamante interpôs o recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, haveria também que concluir que não se verificaram os respectivos pressupostos de admissibilidade.
Com efeito, sendo o recurso interposto ao abrigo dos artigos
280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário que o recorrente haja suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa durante o processo.
Porém, a ora reclamante limitou-se a invocar, nas alegações apresentadas junto do Supremo Tribunal de Justiça, a inconstitucionalidade do acórdão recorrido, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea b), da Constituição.
É verdade que a reclamante, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, faz referência à desconformidade à Constituição de uma determinada interpretação normativa. No entanto, constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal o entendimento segundo o qual uma questão de constitucionalidade normativa só se considera suscitada durante o processo quando tal se faz a tempo de o tribunal recorrido poder decidir essa questão, o que significará que a questão de constitucionalidade deve ser invocada antes de ter sido proferida a última decisão dos tribunais comuns sobre a matéria a que respeita essa questão de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 155/95 - D.R., II Série, de 20 de Junho de
1995). Só um tal sistema se compatibiliza com o princípio do esgotamento dos meios de recurso ordinário no recurso de constitucionalidade.
Assim, o momento da interposição do recurso de constitucionalidade não pode ser considerado como momento processualmente adequado para suscitar pela primeira vez uma questão de constitucionalidade normativa.
No caso concreto, a reclamante deveria ter suscitado a questão de constitucionalidade normativa junto do Supremo Tribunal de Justiça, nas respectivas alegações de recurso. Porém, como se constatou, nas conclusões das alegações a reclamante sustenta apenas a inconstitucionalidade do acórdão recorrido.
Ora, o processo de fiscalização concreta de constitucionalidade tem por objecto a apreciação da conformidade à Constituição de normas jurídicas e não de decisões judiciais (cf. o citado Acórdão nº
155/95).
Assim sendo, verifica-se que não foi suscitada perante o tribunal a quo qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que há que concluir que o presente recurso, ainda que se considere interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, também não pode ser admitido.
III Decisão
10. Ante o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, mantendo-se, consequentemente, o despacho reclamado.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 5 U’s.
Lisboa, 22 de Outubro de 1996 Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves José Manuel Cardoso da Costa