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Procº nº 598/96 Rel. Cons. Alves Correia
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional.
I - Relatório.
1. A. e B. foram detidos em 8 de Fevereiro de 1996, acusados pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelos artigos
21º e 24º, alínea d), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, do crime de não promoção de acção penal, previsto e punido pelo artigo 414º do Código Penal de
1982, e de eventuais crimes de extorsão, previstos e punidos pelo artigo 317º do Código Penal de 1982 - além de outros crimes de natureza militar -,tendo sido sujeitos a prisão preventiva. Ao abrigo do artigo 212º do Código de Processo Penal, vieram, em 16 de Abril de 1996, requerer a revogação daquela medida de coacção e a sua substituição pela prestação de uma caução, bem como a realização de diversas diligências de prova. Por despacho de 23 de Abril de 1996, o Mmº Juiz de Instrução Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Verde indeferiu-lhes o pedido, mantendo a prisão preventiva. Em 29 de Abril de 1996, os arguidos reiteraram o pedido, requerendo a realização de outras diligências e juntando diversa documentação, mas, por despacho de 3 de Maio de 1996, foi tal pretensão, de novo, indeferida.
2. Em 8 de Maio de 1996, os arguidos renovaram o pedido de diligências, agora junto do Exmº Delegado do Procurador da República na Comarca de Vila Verde, e recorreram para o Tribunal da Relação do Porto do despacho 'que indeferiu a realização de diligências de prova que requereram, com vista à substituição das medidas de coacção que lhes foram aplicadas'. Por Acórdão de 19 de Junho de 1996, aquele Tribunal considerou o recurso manifestamente improcedente, porquanto, competindo a direcção do inquérito ao Ministério Público (artigo 263º do Código de Processo Penal), a solicitação, ao Juiz de Instrução Criminal, de actos de inquérito que lhe não são cometidos pelo artigo
268º do Código de Processo Penal, importaria, por vias travessas, na transferência para este da direcção do inquérito - além de que diluiria a separação entre a fase do inquérito e a da instrução, com manifesto prejuízo para a eficácia da investigação.
3. Inconformados com a decisão, dela interpuseram os arguidos recurso para o Tribunal Constitucional, onde o relator, nos termos do disposto no nº 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), proferiu despacho de aperfeiçoamento, solicitando a indicação da alínea do nº 1 do artigo 70º da referida Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual o recurso era interposto e a indicação da peça processual em que fora suscitada a questão de inconstitu- cionalidade, uma vez que o requerimento de interposição do recurso se limitou a identificar o acórdão recorrido, as normas constitucionais violadas
(artigos 27º, 28º e 32º da Constituição) e as 'normas legais de cuja aplicação decorre a violação das normas constitucionais: artigos 89º e 141º do C.P.P.'.
Foi recebida resposta do seguinte teor:
'A. e, B. ,
Notificados do douto despacho, vêm juntar a peça processual - motivação do recurso - em que suscitaram a questão da inconstitucionalidade, bem como os requerimentos que antecederam a interposição do recurso, através do qual requereram diligências judiciais, com vista à modificação do regime da medida de coacção, que ainda não foram ordenadas, tendo sido indeferidas.
Mais informam que é ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da CRP, por aplicação restritiva e literalista do artº 89º do C.P.P., pelo Juiz de Instrução, ao privar, pela falta de conhecimento concreto dos factos, os arguidos, da possibilidade de defesa, quer durante o primeiro interrogatório, quer posteriormente face ao requerimento de diligências tendentes a enfraquecer os indícios que fundamentaram a aplicação da medida e coacção.
Junta: 3 documentos'.
Porém, dos três documentos protestados juntar omitiu-se justamente
'a peça processual - motivação do recurso - em que suscitaram a questão da inconstitucionalidade' (junção que, de resto, não era necessária, uma vez que já constava do processo).
4. Nas suas alegações os recorrentes apresentaram o seguinte quadro de conclusões:
'1- Requerendo os arguidos, com vista à aplicação do artigo 212º do C.P.P, a realização de algumas diligências de prova, destinadas a enfraquecer os indícios de prova existentes, e demonstrar a atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação da medida de coacção que sofrem, para a pretendida substituição da prisão preventiva, a negação da realização de tais diligências na sua totalidade, constitui flagrante violação do artigo 61º, nº 1, al.f) do C.P.P.
2- A negação de realização de diligências de prova, mesmo na fase pré-judicial, de inquérito, pelo Juiz de Instrução Criminal, fundamentando-se no dispositivo do artigo 89º do C.P.P., acarreta violação dos direitos de defesa dos arguidos, e integra a nulidade do artigo 120º, nº 2, al. d) do C.P.P., na medida em que efectivamente se impede a realização de diligências essenciais para a descoberta da verdade em flagrante prejuízo dos direitos de defesa.
3- A invocação pelo juiz de instrução criminal do dispositivo do artigo 89º do C.P.P., para negar aos arguidos o acesso a elementos de prova, a cujo conhecimento devem ter acesso, por força dos artigos 141º, nº 4, do C.P.P. durante o primeiro interrogatório judicial, integra a violação do direito à informação sobre os factos que constituem a causa da detenção, e do direito de defesa dos arguidos, decorrentes da aplicação directa dos artigos 27º e 28º da C.R.P.
4- O douto despacho judicial ao interpretar e aplicar de modo restritivo tal direito dos arguidos, está ferido de inconstitucionalidade por não aplicar o disposto nos artigos 27º e 28º da Constituição,
5- Tal despacho ofende directa e concretamente o direito de defesa e as garantias de processo criminal previstos no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República, e a sua aplicação ao caso destes arguidos, com violação dos artigos 27º, 28º e 32º, da CRP, é inconstitucional'.
Por sua vez, o Exmº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal suscitou uma questão prévia ('falta manifesta dos pressupostos de admissibilidade do recurso interposto'), concluindo assim:
1º- Não tendo os recorrentes suscitado durante o processo qualquer questão de inconstitucionalidade de normas - delimitando, pelo contrário, o objecto do recurso em termos de se limitarem a imputar directamente à decisão recorrida as pretensas violações da lei de processo e 'inconstitucionalidades' cometidas - é evidente que falta um essencial pressuposto de admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto.
2º- Termos em que não deverá sequer conhecer-se do mérito do presente recurso.
Ouvidos os recorrentes sobre a questão prévia suscitada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, não apresentaram eles qualquer resposta.
5. Cumpre apreciar e decidir, com dispensa de vistos.
II - Fundamentos.
6. Nas alegações do recurso para o Tribunal da Relação do Porto do despacho do Juiz de Instrução que indeferiu a realização de diligências probatórias requeridas pelos arguidos, imputaram os recorrentes o vício de inconstitucionalidade ora a normas, ora a acções e omissões, ora, mais incisiva e repetidamente, ao despacho judicial 'que indeferiu a realização de prova que
[os arguidos] requereram com vista à substituição das medidas de coacção que lhes foram aplicadas'.
A referida ambiguidade na suscitação da questão de inconstitucionalidade há-de, no entanto, considerar-se definitivamente resolvida nas alegações do recurso apresentadas neste Tribunal, tendo em conta que, de acordo com o nº 3 do artigo 684º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, 'nas conclusões da alegação, pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objecto inicial do recurso'.
Com efeito, nessas alegações e nas respectivas conclusões, os recorrentes, para além de pretenderem que seja 'declarado inconstitucional' o
'douto despacho judicial', referem-se apenas a normas (as dos artigos 89º e 141º do Código de Processo Penal), a que anteriormente, isto é, 'durante o processo', não imputaram qualquer vício de inconstitu- cionalidade. Como se escreveu recentemente no Acórdão nº 18/96, publicado no Diário da República, II Série, de
15 de Maio de 1996, 'o sistema português de fiscalização concreta de constitucionalidade é, tal como vem sublinhando este Tribunal, um sistema de controlo normativo, uma vez que só podem ser objecto de recurso de constitucionalidade as normas jurídicas e não também as decisões judiciais, consideradas em si mesmas (crf., inter alia, o Acórdão deste Tribunal nº 318/93, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Outubro de 1993, e os Acórdãos nºs. 638/93 e 412/94, estes dois inéditos)'.
Assim sendo e porque não se verifica, in casu, um dos pressupostos específicos do recurso de constitucionalidade previsto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, precisamente o da suscitação da inconstitucionalidade de uma norma jurídica durante o processo, deve ser atendida a questão prévia invocada pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto e, consequentemente, não deve tomar-se conhecimento do recurso.
III - Decisão.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se os recorrentes em custas, fixando-se a taxa de justiça em oito Unidades de Conta.
Lisboa, 20 de Novembro de 1996 Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida