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Proc. nº 452/95
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - A questão
1 - Em autos de acção ordinária instaurados no Tribunal Judicial da Comarca de -------------------- por A. contra a Câmara Municipal de
-----------------, o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 8 de Maio de
1994, julgou improcedentes os agravos e a apelação para ali interpostos pelo Autor, confirmando os despachos e a decisão recorridas, condenando ainda aquele como litigante de má fé.
O Autor interpôs então recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por despacho do Senhor Conselheiro Relator, de 9 de Janeiro de
1995, veio a ser julgado deserto nos termos do artigo 690º, nº 2, do Código de Processo Civil pois que, apesar de devidamente notificado, o recorrente não apresentou alegações no prazo que lhe fora fixado.
Todavia, na sequência da notificação deste despacho, em 25 de Janeiro seguinte, o recorrente trouxe aos autos um requerimento peticionando, de harmonia com o disposto no artigo 146º do Código de Processo Civil e para efeitos de justo impedimento, lhe fossem relevados 'os factos em ordem aos quais se tornou impossível a produção de alegações'.
Para tanto, alegou que 'o seu mandatário foi sujeito a duas intervenções cirúrgicas que tiveram lugar, respectivamente em Outubro e Novembro do ano transacto, sendo obrigado a manter-se em estado de convalescença e impedido por prescrição médica da prática de qualquer actividade jurídica até princípios de Janeiro de 1995' manifestando, a final, lhe fosse reconhecido o justo impedimento e, em consequência, repetida a notificação a fim de poder oferecer alegações no respectivo recurso.
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2 - O Senhor Conselheiro Relator, por despacho de 20 de Fevereiro de 1995, indeferiu o assim requerido, aduzindo, no essencial, a fundamentação seguinte:
'Com este requerimento o recorrente não apresentou a alegação em falta, aquela cuja falta tempestiva de apresentação determinou que o recurso tenha sido julgado deserto.
Ora, nos termos do disposto nos artºs 144º, 145º e 146º do Código de Processo Civil, o efeito do justo impedimento é apenas o de suspender o termo de um prazo peremptório, diferindo-o para o dia imediato aquele que tenha sido o
último de duração do impedimento.
O efeito do justo impedimento não é nem o de impedir o início do curso do prazo peremptório, nem o de interromper tal prazo, quando em curso no momento em que ocorre o facto que se deva considerar justo impedimento, inutilizando o tempo já decorrido.
Menos ainda tem a ocorrência de justo impedimento o efeito de invalidar a notificação que determinou o início da contagem de um prazo peremptório, obrigando à sua repetição e ao reinício da contagem do prazo.
Por isto, sempre que a parte requeira que se julgue verificado o justo impedimento tem que, simultaneamente, praticar o acto que deixou de levar a cabo dentro do prazo peremptório, ou seja, na espécie, de apresentar a respectiva alegação de recurso.
Não tendo o requerente oferecido tal alegação, vindo o requerente pedir, pelo contrário, a repetição da notificação do despacho que fixou prazo para alegar, tanto basta para que o seu requerimento, embora douto, tenha que ser indeferido'.
Notificado deste despacho veio o recorrente requerer, ao abrigo do disposto no artigo 700º, nº 3, do Código de Processo Civil, que sobre o mesmo recaísse um acórdão da conferência, suscitando, do mesmo passo, a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 146º do Código de Processo Civil, na interpretação que ali lhe foi conferida.
Tal requerimento continha as seguintes conclusões:
1º - Havendo o recorrente sido notificado da deserção do recurso por falta de alegações, veio com fundamento nos factos elencados no requerimento de fls. 332, solicitar o justo impedimento, fazendo logo prova do alegado.
2º - E tendo-se reconhecido que a matéria de facto observada se subsumia ao conceito de justo impedimento, referido no art. 146º do CPC e que este foi requerido logo que o mesmo cessou.
3º - Entendeu-se, contudo, que o impetrante deveria proceder à prática do acto simultaneamente com o respectivo pedido e porque tal não foi efectuado o mesmo veio a ser indeferido.
4º - Ora, salvo a muita consideração e o devido respeito, o sentido dado ao disposto naquele normativo não vai tão longe quanto isso.
5º - Porquanto se basta na natureza e prova dos factos arrimados e na imediatação do seu pedido logo que o justo impedimento haja terminado.
6º - Todavia, ao adicionar-se aos pressupostos jurídicos do justo impedimento também o dever de praticar o acto no momento do seu pedido, quando no presente caso até era impossível fazê-lo.
7º - O douto despacho não levou em linha de conta o dizer da lei e motivou-se numa interpretação que inconstitucionaliza o preceituado naquele art.
146º.
8º - Uma vez que a mesma contende com o sufragado no nº 1 do art.
20º da CRP, vedando, desta forma, o acesso ao direito e aos tribunais'.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de Maio de 1995, não concedeu atendimento à questão de constitucionalidade suscitada pelo reclamante e, consequentemente, indeferiu o respectivo requerimento.
Tocantemente à questão de constitucionalidade, desenvolveu-se ali a argumentação seguinte:
'Nem o procedimento seguido pelo relator, nem a interpretação feita da lei processual no despacho reclamado ofendem o disposto no artº. 20º, nº 1, da Constituição da República.
Isto porque, nos termos do despacho do relator, foi assegurado ao recorrente o necessário à defesa dos seus direitos e interesses legítimos, de harmonia com aquele preceito constitucional e a lei processual.
O que se não concedeu ao recorrente foi o privilégio, injustificado, de um novo prazo para alegar e, do mesmo passo, a possibilidade de dilatar o definitivo acerto da situação jurídica.
Aliás, a eventual desconformidade da lei processual com os preceitos constitucionais é questão que o reclamante não colocou no seu requerimento de 27 de Janeiro de 1995.
Observa-se, por último, que não corresponde à realidade o vertido na conclusão segunda da douta reclamação: o despacho reclamado não reconheceu que a matéria de facto alegada no douto requerimento de 27 de Janeiro de 1995 preencha a situação de justo impedimento caracterizada no artº. 146º do Código de Processo Civil; o que no despacho reclamado se fez foi verificar que o ora reclamante não apresentou a alegação em falta com o requerimento em que alegou o justo impedimento e, por isso, logo se indeferiu o requerido, sem necessidade de apreciar se os factos alegados estão ou não provados e se preenchem ou não a situação de justo impedimento'.
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3 - Contra este acórdão, sob invocação do disposto no artigo
70º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, trouxe o recorrente os autos a este Tribunal em ordem à apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 146º do Código de Processo Civil, na interpretação que lhe foi dada na decisão recorrida.
E, nas alegações que depois ofereceu, deixou o seguinte quadro conclusivo:
'1º - O recorrente interpôs, recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça.
2º - Havendo sido notificado para alegações, em 30 de Novembro de
1994, sendo que esse aviso, sem autorização do seu mandatário.
3º - Veio a ser, indevidamente entregue à sua filha, de 12 anos de idade, que, entretanto lhe deu descaminho.
4º - Numa circunstância em que aquele se encontrava impedido pelo médico do exercício de qualquer actividade física ou intelectual.
5º - E designadamente a prática de quaisquer actos judiciais, desde meados de Outubro de 1994, até princípios do ano de 1995.
6º - Motivo pelo qual, só teve conhecimento da existência do despacho para alegar quando avisado que o dito recurso havia sido declarado deserto por falta de alegações.
7º - Por isso, logo que conhecidos o nome da pessoa, data da recepção da carta notificada e o seu extravio.
8º - Requereu no Tribunal a quo que tais factos fossem considerados como justo impedimento, para tanto, oferecendo prova da matéria aduzida.
9º - Onde pontificava a sua excepcionalidade e se demonstrava o alheamento à sua ocorrência.
10º - Solicitando consequentemente lhe fosse consignado um prazo para a apresentação das alegações carecidas no processo.
11º - Contudo, o Tribunal, embora reconhecendo que os mesmos se subsumem ao estabelecido no art. 146º do CPC, e que ao impetrante não era exigido outro procedimento.
12º - Considerou, porém, que este deveria ter apresentado as suas alegações no momento em que solicitou o justo impedimento, vindo assim, a indeferir a pretensão observada.
13º - Daí que, não se conformando com a interpretação conferida ao disposto naquele art. 146º do CPC, viesse interpôr o actual recurso para o Tribunal Constitucional.
14º - Visto, entender não ser esse o sentido representado na letra da lei e porque tal desiderato, no caso sub judice, se tornava de todo impossível.
15º - Porquanto o ditame da lei para reconhecer o justo impedimento se basta apenas com a exigência de um evento normalmente imprevisível, estranho
à vontade da parte e esta se mostre impossibilitada da prática do acto, por si ou por procurador.
16º - Devendo oferecer logo a prova dos factos alegados e o juiz deferi-lo uma vez que considere o solicitante ter-se prontificado a requerê-lo logo que cessou a impossibilidade verificada.
17º - De resto, mesmo que assim não fosse, sempre nos presentes autos, o recorrente estava impedido de oferecer imediatamente as alegações.
a) Primeiro, porque a lei exige que se requeira o justo impedimento logo que terminado, e este cessou no momento face ao qual o impetrante soube quem e em que data recebeu a notificação;
b) Segundo, porque sendo esta recepcionada nas circunstâncias acima descritas, é bom de ver, que o recorrente não sabia qual o teor do despacho notificado e prazo concedido à prática do acto.
18º - Donde, em qualquer das situações, a interpretação avalizada no aresto contestado, não é compaginável com os termos do preceituado no art. 146º do CPC.
19º - Já que contende com o disposto na última parte do art. 2º da CRP, em virtude de não assegurar o respeito pela garantia da efectivação dos direitos fundamentais.
20º - Postergando frontal e directamente o sufragado no nº 1 do art.
20º do mesmo diploma ao negar, desta feita, o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos'.
Por seu turno a recorrida Câmara Municipal de
---------------, depois de suscitar a questão prévia do não conhecimento do recurso por força da inverificação de pressupostos de admissibilidade, pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso.
À sua contralegação levou as conclusões seguintes:
'1 - No caso dos presentes autos não se verificam todos os pressupostos ou requisitos de que a Lei faz depender a admissibilidade deste recurso para o Tribunal Constitucional.
2 - Na verdade a questão da inconstitucionalidade, ora em apreço, não foi levantada em tempo útil.
3 - Tal questão deveria ter sido suscitada no requerimento de
27/01/95 apresentado ao Sr. Juiz Conselheiro Relator do Processo e não o foi.
4 - A sua suscitação apenas no requerimento a que alude o art. 700 nº 3 do C.P.C. é extemporânea.
5 - A decisão que indeferiu ao Autor a concessão de um novo prazo para alegar, isto é, a decisão recorrida, não violou o direito fundamental de acesso ao Direito e aos Tribunais.
6 - O deferimento da pretensão do Recorrente é que constituiria, para ele, a concessão de um privilégio injustificável e seria patentemente uma decisão inconstitucional por brigar com o princípio da Igualdade dos cidadãos perante a Lei'.
Depois de o recorrente responder à questão prévia levantada pela Câmara Municipal de --------------, sustentando o seu indeferimento, os autos seguiram para os vistos de Lei.
Cabe agora apreciar e decidir.
E decidir, antes de tudo, se pode tormar-se conhecimento do objecto do recurso.
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II - A questão prévia
Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, constitui pressuposto da admissibilidade do recurso aí previsto, isto é, de decisões de improvimento ou de rejeição, que a inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, tendo a jurisprudência reiterada e uniforme deste Tribunal firmado o princípio de que tal requisito só pode ter-se por verificado se a inconstitucionalidade houver sido invocada pelo recorrente antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a questão para cuja resolução é relevante a norma arguida.
Daí que, quando esse poder se esgote na sentença (ou no acórdão), como é de regra, um pedido de aclaração ou uma reclamação da sua nulidade não sejam já meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade. (cfr. por todos os acórdãos nºs 62/85, 349/86 e 573/88, Diário da República, II Série, de, respectivamente, 31 de Maio de 1985, 20 de Março de 1987 e 30 de Novembro de 1988).
Na situação em apreço, o recorrente não suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma do artigo 146º do Código de Processo Civil quando requereu que o relator tivesse por verificado o justo impedimento. Apenas o fez depois da prolação do despacho que desatendeu o seu pedido, no requerimento em que, por se sentir prejudicado, peticionou, ao abrigo do artigo 700º, nº 3, do mesmo diploma legal, que a conferência tirasse um acórdão sobre a matéria ali vertida.
Mas, à luz dos princípios antecedentemente expostos, é manifesto que há-de ter-se por tempestiva e adequada a suscitação da questão de constitucionalidade formulada pelo recorrente.
Com efeito, nos termos do citado artigo 700º, os despachos do relator que não sejam de mero expediente, como acontece na situação sub judice, revestem carácter provisório, uma vez que estão sujeitos a ser modificados pela conferência. Quer isto dizer que em tais casos o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal apenas se verifica com o proferimento do acórdão da conferência, nada mais representado o despacho do relator do que uma decisão transitória que poderá, por aquela, vir a ser confirmado, alterado ou revogado.
Deste modo nada obstaculava, como não obstaculou, que o acórdão tirado na sequência da reclamação apreciasse e decidisse a questão de constitucionalidade ali suscitada.
Desatende-se, assim, na decorrência do exposto, a questão prévia levantada pela recorrida, passando-se à apreciação do mérito do recurso.
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III - A fundamentação
1 - O artigo 146º do Código de Processo Civil em vigor, integrado no âmbito das disposições comuns dos actos processuais em geral, dispõe assim:
Artigo 146º
(Justo impedimento)
1 - Considera-se justo impedimento o evento normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto, por si ou por mandatário.
2 - A parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respectiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o acto fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
Este preceito, cuja formulação foi estabelecida pelo Decreto-Lei nº 47690, de 11 de Maio de 1967, corresponde na sua quase globalidade, ao § 2º do artigo 146º do Código de 1939.
Na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, o efeito do justo impedimento não consiste em impedir o início da contagem do prazo peremptório, nem o de interromper tal prazo quando já em curso no momento em que ocorre o facto invocado como seu fundamento. E menos ainda poderá dele resultar a invalidação da notificação que determinou o início do prazo peremptório, obrigando à sua repetição e ao reinício dessa contagem.
E por isso, ali se definiu que quando a parte requeira a verificação do justo impedimento 'tem que, simultaneamente, praticar o acto que deixou de levar a cabo dentro do prazo peremptório, ou seja, na espécie, de apresentar a respectiva alegação de recurso'.
Contrariamente a este entendimento, sustenta o recorrente que a adequada leitura daquela norma não impõe que com o requerimento em que se invoque o justo impedimento haja de ser logo oferecida a alegação de recurso, assumindo-se tal norma, com semelhante interpretação, como violadora do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais.
Desde já se antecipa não assistir razão ao recorrente.
Vejamos porquê.
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2 - A Constituição não enuncia expressamente, como acontece no domínio do processo penal, quaisquer princípios ou garantias a que deva subordinar-se o processo judicial em geral, salvo o consignado nos artigos 209º e 210º. É, todavia, inquestionável que as regras do processo, em geral, não podem ser indiferentes ao texto constitucional de que decorrem implicitamente, quanto à sua conformação e organização, determinadas exigências impreteríveis, que são directo corolário da ideia de Estado de direito democrático - bem se sabe, com efeito, como um dos elementos estruturantes deste modelo de Estado é a observância de um due process of law na resolução dos litígios que no seu âmbito deva ter lugar.
E neste domínio é particularmente significativo o direito à protecção jurídica consagrado no artigo 20º da Constituição, no qual se consagra o acesso ao direito e aos tribunais que, para além de instrumentos da defesa dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos, é também elemento integrante do princípio material da igualdade e do próprio princípio democrático, pois que este não pode deixar de exigir a democratização do direito.
Para além do direito de acção, que se materializa através do processo, compreendem-se no direito de acesso aos tribunais, nomeadamente: (a) o direito a prazos razoáveis de acção ou de recurso; (b) o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas; (c) o direito a um processo justo baseado nos princípios da prioridade e da sumariedade no caso daqueles direitos cujo exercício pode ser aniquilado pela falta de medidas de defesa expeditas; (d) o direito a um processo de execução, ou seja, o direito a que, através do órgão jurisdicional se desenvolva e efective toda a actividade dirigida à execução da sentença proferida pelo tribunal.
Há-de ainda assinalar-se como parte daquele conteúdo conceitual 'a proibição da `indefesa' que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhes dizem respeito. A violação do direito à tutela judicial efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, verificar-se-á sobretudo quando a não observância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses' (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pp. 163 e 164 e Fundamentos da Constituição, Coimbra, 1991, pp. 82 e 83).
Entendimento similar tem vindo a ser definido pela jurisprudência do Tribunal Constitucional, que tem caracterizado o direito de acesso aos tribunais como sendo entre o mais um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional nºs
404/87, 86/88 e 222/90, Diário da República, II série, de, respectivamente, 21 de Dezembro de 1987, 22 de Agosto de 1988 e 17 de Setembro de 1990).
Ora, tendo como referência estes princípios, irrecusáveis no seu significado e alcance, há-de dizer-se que a norma sob sindicância, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, não viola o princípio do acesso ao direito e aos tribunais.
Com efeito, o instituto do justo impedimento assim caracterizado, em consonância aliás com a jurisprudência e a doutrina (cfr. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, 3ª ed., vol. I. pp. 273 e
274 e Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 2º, pp. 70 e ss; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, pp. 53 e 54; Adriano Vaz Serra em anotação a um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 109º, Ano 1976-1977, nº 3578, pp. 266 e ss e Barbosa de Magalhães, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 19, Lisboa,
1959), não se traduz em qualquer limitação inadequada e desproporcionada ao direito de acção judicial do recorrente, em termos de lhe ser impedido ou ao menos dificultado significativamente o exercício judicial do seu direito ao recurso.
Quando lhe foi notificado o despacho que julgou deserto o recurso - já haviam transcorrido entretanto cerca de dois meses a contar da data da expedição do aviso postal para oferecimento da alegação - nada impedia que, conjuntamente com o requerimento de invocação do justo impedimento, fosse logo praticado o acto processual em causa, não se vislumbrando que tal exigência comporte qualquer violação do direito à tutela judicial efectiva, saldando-se em afronta ao princípio de proibição da 'indefesa'.
Do sentido interpretativo atribuído à norma do artigo 146º do Código de Processo Civil, pelo acórdão recorrido, não resultou, ao menos no plano dos prncípios em que o juízo de inconstitucionalidade há-de situar-se, qualquer limitação ou especial dificuldade - muito menos impossibilidade - de o recorrente poder, desde logo, exercer o seu direito de alegar, não sendo assim de invocar a violação do direito de acesso aos tribunais ou do princípio do Estado de direito democrático, consagrados, respectivamente, no artigo 20º, nº 1 e 2º da Constituição.
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IV - A decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, no que à questão de constitucionalidade respeita, o acórdão recorrido.
Lisboa, 20 de Novembro de 1996
Antero Alves Monteiro Diniz
Maria Fernanda Palma
Vítor Nunes de Almeida
Armindo Ribeiro Mendes
Alberto Tavares da Costa
José Manuel Cardoso da Costa