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Procs. nºs. 270/90 e 1/92 Plenário Cons. Rel.: Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I - 1 - Um grupo de deputados do Partido Socialista requereu ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea f), da Constituição da República, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º,
9º e 10º, do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, sobre o enquadramento no regime geral de segurança social dos docentes dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo.
O pedido é assim delimitado e fundamentado:
'1. A Lei nº 9/79, de 19 de Março, (Bases do ensino particular e cooperativo) determinou no seu artigo 12º que:
'...a legislação relativa aos profissionais de ensino, nomeadamente nos domínios salarial, de segurança social e assistência, devem ter na devida conta a função de interesse público que lhes é reconhecida e a conveniência de harmonizar as carreiras com as do ensino público'.
O artigo 13º do mesmo diploma acrescentou que:
'5..., o Governo deve regular as condições da sua aplicação (desta lei) de forma a proporcionar a progressiva integração dos docentes numa carreira profissional comum'.
2. Na linha da harmonização das disposições relativas à segurança social, foram publicados o Decreto-Lei nº 321/88 e o seu Regulamento (a Portaria nº 1/89, de 2 de Janeiro). Do artigo 10º do citado decreto-lei e da referida portaria resulta que os estabelecimentos do ensino particular e cooperativo participam no financiamento do sistema de segurança social a que passou a estar sujeito o respectivo pessoal docente entregando à Caixa Geral de Aposentações e ao Montepio dos Servidores do Estado quantias iguais às quotas deduzidas nas remunerações do respectivo pessoal docente.
3. Todavia, ao arrepio de todo este processo de criação de um sistema de segurança social unificado para todos os professores, os artigos 2º,
3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, consagraram um sistema de segurança social híbrido para os docentes do ensino particular e cooperativo, de que resulta que estes docentes já sujeitos a descontos para a Caixa geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado, permanecem, além disso, 'enquadrados no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem'.
4. Os artigos 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do Decreto-Lei nº
179/90, de 5 de Junho, criando uma situação de desvantagem para os docentes do ensino particular relativamente aos restantes e contrariando a tendência para a uniformização dos seus estatuto profissional violam o artigo 13º da Constituição.
5. Tendo o Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro, representado um passo decisivo para a criação de um sistema de segurança social unificado para todos os docentes, o qual que cumpre ao estado criar, face ao disposto pelo artigo 63º da Constituição, afigura-se que os artigos anteriormente referidos no Decreto-Lei nº 179/90 que representam um recuo neste processo, violam este preceito da Constituição.
Refira-se em abono deste entendimento que o Tribunal Constitucional tem entendido que 'as normas constitucionais que impõem um obrigação ao legislador impedem que, uma vez essa obrigação cumprida, ela seja, de novo, descumprida' (Cf. Acórdão nº 39/84, relativo ao Serviço Nacional de Saúde).
No caso em apreço verificou-se um nítido recuo no processo de criação de um sistema de segurança social unificado para todos os docentes.
6. O artigo 10º (Produção de efeitos) do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, estabelece que:
'O presente diploma produz efeitos desde a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro'.
Recorde que o artigo 4º (Esquema contributivo) do mesmo diploma estabelece que:
'1. As contribuições devidas para o regime geral da segurança social são calculads pela aplicação às remunerações pagas e recebidas da taxa de 10%, da responsabilidade das entidades empregadoras.
2. A percentagem referida no número anterior engloba a taxa de 0,5% prevista no artigo 2º do Decreto-Lei nº 200/81, de 9 de Julho, destinada ao financiamento da cobertura do risco de doença profissional'.
Da conjugação destes preceitos resulta violado o princípio da irretroactividade dos impostos e por conseguinte os artigos 2º e 106º da Constituição.
7. Com efeito a alteração introduzida pela lei constitucional 1/89 na redacção do artigo 106º, nº 1 estabeleceu-se que o sistema fiscal não visa só a ratificação das necessidades financeiras do Estado, mas também de outras entidades públicas. Quer isto dizer que esses encargos, designados por parafiscais, fazem parte do sistema fiscal.
8. As contribuições para a segurança social têm natureza parafiscal e não se confundem com taxas. É óbvio que às contribuições das entidades patronais não corresponde qualquer contrapartida directa e também não é sustentável dizer que essa contrapartida existe, para a generalidade das contribuições dos trabalhadores.
Acresce que não faria sentido qualificar diferentemente as contribuições das entidades patronais e dos trabalhadores. As contribuições para a segurança social são por isso qualificadas como encargos parafiscais.
9. No sentido da integração da segurança social no sistema fiscal milita também a integração do orçamento da Segurança Social no Orçamento do Estado de acordo com o disposto no artigo 108º da Constituição.
10. Da evolução verificada em sede constitucional resulta patente que se procura aproximar o regime dos encargos parafiscais do dos impostos.
Daí resulta a necessidade de considerar que o princípio da irretroactividade dos impostos é igualmente válido para os encargos parafiscais como o são as contribuições para a segurança social.
Tendo o Decreto-Lei nº 179/90 sido publicado em 5.6.90 e pretendendo tornar retroactivamente exigível as contribuições para o regime da segurança social desde a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro, estamos perante o que a doutrina qualificado como retroactividade do 1º grau ou perfeita.
Não oferece dúvidas que, como refere Guilherme Oliveira Martins
'...este tipo de retroactividade é proibido' in Constituição Financeira, 2º volume, AAFDL, 1984/5'.
Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54º da Lei do Tribunal Constitucional, disse o Primeiro-Ministro:
'
1º
O Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, cujos arts. 2º a 10º são arguidos de inconstitucionalidade, visou tão somente proceder a um rigoroso enquadramento, no regime da Segurança Social, do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo, face ao novo quadro normativo estabelecido pelo Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro, que determinou a inscrição dos referidos docentes na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado.
2º
Com efeito, derivando do regime instituído pelo citado diploma
(Decreto-Lei nº 321/88), a aplicação aos docentes por ele abrangidos, dos estatutos de aposentação e sobrevivência em tudo o que não fosse por ele contrariado, o certo é que, tal regime, cobre unicamente as prestações devidas aos mesmos nas eventualidades de morte, velhice e invalidez, ficando de fora outras prestações pecuniárias atribuídas no âmbito do regime de segurança social obrigatório (Lei nº 28/84, de 14 de Agosto), como sejam as devidas por encargos familiares, incapacidade temporária por doença, situação de maternidade e desemprego.
3º
É que, a despeito do princípio da unidade do sistema de segurança social, que pressupõe a articulação dos respectivos regimes constitutivos e aparelhos administrativos com vista a uma efectiva unificação, não se desconhece que ainda não foi possível atingir tal objectivo, sendo que, as normas constitucionais ou ordinárias que o prevêem, tem, na realidade, carácter programático.
4º
Exemplo típico da diferenciação ainda existente no domínio da segurança social, a manutenção dos regimes de protecção social da função pública
'até serem integrados com o regime geral de segurança social num regime unitário' (Artº 70º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto).
5º
É ainda esta disposição legal que - acentuando o carácter programático das normas que estabelecem o princípio da unidade - vem estabelecer a forma como deve ser feita a integração dos diversos sistemas de segurança social existentes, ou seja, 'gradualmente através da unificação das disposições que regulam os esquemas de prestações correspondentes às diversas eventualidades, sem prejuízo de disposições mais favoráveis'.
6º
Assim, e no que se refere ao regime geral da segurança social, são obrigatoriamente abrangidos por este, os trabalhadores por conta de outrem e os trabalhadores independentes (Artº 18º, Lei nº 28/84).
7º
Este regime concretiza-se através da atribuição de prestações pecuniárias ou em espécie, nas eventualidades de doença, maternidade, acidentes de trabalho e doenças profissionais, desemprego, invalidez, encargos familiares, velhice, morte e outras, desde que previstas em lei.
8º
A Lei da Segurança Social prevê, igualmente, que a obrigatoriedade de inscrição em relação a alguma ou algumas das eventualidades referidas pode não ser aplicável a determinadas categorias de trabalhadores, sem prejuízo dos interessados requererem a sua inscrição nos casos e nas condições que a lei admita;
9º
Daí que, na esteira do que ficou consignado na Lei nº 9/79, de 17 de Março (Bases do Ensino Particular e Cooperativo), - no sentido de que a legislação relativa aos profissionais de ensino, nomeadamente no domínio da segurança social, deva ter na devida conta o interesse público que é reconhecido à função docente e a conveniência em harmonizar as suas carreiras com as do ensino público -, o Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro, tenha determinado a inscrição dos docentes do ensino particular e cooperativo, não superior, que satisfizessem determinadas condições, na Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado, participando os estabelecimentos de ensino no financiamento do sistema através da transferência, para aquelas instituições, das quotas deduzidas nas remunerações do referido pessoal.
10º
Ora, da aplicação deste diploma poderiam surgir dúvidas quanto á manutenção, ou não, da obrigatoriedade da inscrição no regime geral, em relação a outras eventualidades que ficavam a descoberto com o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 321/88.
11º
O certo é que o diploma em causa apenas avançou na direcção da unificação do regime da segurança social do pessoal docente, estabelecendo regras que permitem aplicar os Estatutos da Aposentação e da Sobrevivência à grande maioria do pessoal docente, independentemente de estar ao serviço de estabelecimentos públicos ou particulares.
12º
E, se assim foi, então era de manter, sem lugar para quaisquer dúvidas, a protecção socila como lhes era proporcionada através do regime geral da segurança social, isto é, não podiam os docentes ver reduzido o âmbito material do seu regime de segurança social.
13º
Ora, só através dum sistema híbrido podia ser conseguido tal desiderato, e foi esse regime que o Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho - interpretando o sentido e o alcance do Decreto-Lei nº 321/88 - pretendeu estabelecer.
14º
Na verdade, quanto às eventualidades não cobertas pelo Decreto-Lei nº 321/88, manteve-se a obrigatoriedade de inscrição dos docentes em causa no regime de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, como beneficiários, e, como contribuintes, as respectivas entidades patronais, ou sejam, os estabelecimentos de ensino em que prestam serviço.
15º
A não ser assim, é que ficaria prejudicado o imperativo constitucional que garante a todos os cidadãos o direito á segurança social, nos termos posteriormente desenvolvidos pela Lei nº 28/84, de 14 de Agosto.
16º
O Decreto-Lei nº 179/90 veio também, dentro do mesmo espírito, proceder à adequação das obrigações contributivas, tendo em conta a redução das eventualidades cobertas pelo regime geral da segurança social em relação aos referidos docentes.
17º
Tal adequação correspondeu, na prática, à não exigência aos mesmos docentes de qualquer contribuição para o financiamento das prestações referentes
às eventualidades de doença, maternidade, doença profissional, desemprego e encargos familiares, pelo que, aqueles profissionais, mantêm a taxa de contribuição que vinha incidindo sobre as respectivas remunerações e que já lhes retirava na fonte antes da publicação do Decreto-Lei nº 321/88, ou seja 8%, ao abrigo do artº 12º, nº 2 do Decreto-Lei nº 140-D/86, de 14 de Junho.
18º
Deste modo, a dupla inserção dos docentes do ensino não superior, particular e cooperativo, no âmbito de dois regimes de protecção social, não se traduziu também em qualquer agravamento contributivo para os interessados, quer docentes quer estabelecimentos de ensino contribuintes.
19º
Resulta do exposto que não foi de modo nenhum 'ao arrepio' de todo o processo de criação de um 'sistema de segurança social unificado para todos os professores', como pretendem os deputados do Partido Socialista subscritores do requerimento, que o Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, veio manter o enquadramento parcial dos docentes dos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo no âmbito pessoal do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
20º
Com efeito, não houve qualquer recuo em relação ao estatuído no Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro, e consequentemente não foi violado o artº 63º da Constituição por 'descumprimento' de qualquer obrigação já assumida no processo de unificação dos regimes de segurança social dos professores.
21º
Pelo contrário, considerando que apenas fora regulada a matéria relativa à protecção daqueles docentes no âmbito das prestações satisfeitas pela Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado, clarificou-se a situação criada, mantendo-se-lhes o direito à protecção nas restantes eventualidades.
22º
Não se compreende, pois, como possa argumentar-se com a eventual criação, pelo Decreto-Lei nº 179/90, de 'uma situação de desvantagem para os docentes do ensino particular relativamente aos restantes e contrariando a tendência para a unificação do seu estatuto profissional' com consequente violação do princípio da igualdade constante do artº 13º da Constituição.
23º
Na verdade muito embora se encaminhe para uma harmonização das carreiras dos docentes do ensino público e particular, a verdade é que, uns e outros, não estão em situações objectivamente iguais, dados os diferentes estatutos jurídicos das respectivas entidades empregadoras.
24º
Donde, no entendimento de que a obediência ao princípio da igualdade pressupõe que se tratem de igual forma situações idênticas e se busquem soluções diferentes para situações não idênticas, as normas do Decreto-Lei nº 179/90, ao contrário do que se afirma, propiciam aos docentes do ensino particular uma adequada protecção nas mesmas situações de risco em que os professores públicos se encontram enquanto protegidos pelo Estado como entidade empregadora.
25º
E assim, o artº 13º da Constituição não se mostra violado, uma vez que se não demonstra qualquer tratamento discriminatório e, pelo contrário, ficou assegurada a liberdade de movimentação dos professores, sem ofensa de direitos adquiridos ou em vias de aquisição da transição dum sector de ensino para o outro.
26º
Resulta também do que já ficou exposto que, as normas em causa, por assegurarem adequada protecção social àqueles docentes, não violaram o artº 63º da Lei Fundamental.
27º
Do mesmo modo, também não se verificou qualquer ofensa ao princípio da irretroactividade de encargos parafiscais, como são as contribuições para a segurança social.
28º
Com efeito, porque o Decreto-Lei nº 321/88 não revogou a obrigação contributiva a que estavam sujeitos aqueles docentes e as respectivas entidades empregadoras, nos termos do regime geral da segurança social, é pelo menos duvidoso que se possa considerar a taxa de 10%, fixada pelos artigos 4º e 7º do Decreto-Lei nº 179/90 -, da responsabilidade dos estabelecimentos de ensino - como um encargo fiscal retroactivo.
29º
Na verdade a fixação da referida taxa não constitui, por um lado, qualquer agravamento da situação das entidades patronais em causa, e, por outro, traduziu-se num real benefício para todos os docentes interessados, que continuaram protegidos contra todos os riscos cobertos pelo regime geral da segurança social.
30º
Assim, aos estabelecimentos de ensino que, eventualmente, tivessem suspendido as susa contribuições, foi determinado que as regularizassem com efeitos a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88; para os que tinham continuado a contribuir nos moldes anteriores, foi previsto o acerto de contas por dedução nas contribuições devidas para o futuro.
31º
Mas, mesmo que se perfilhe a opinião de que as normas do Decreto-Lei nº 179/90, que estabeleceram este sistema de regularização, comportam a aplicação de um encargo fiscal retroactivo, tem de entender-se também que tal
'retroactividade' encontra a sua justificação na defesa doutros interesses e direitos constitucionalmente garantidos.
32º
É que, a não ser assim, os docentes do ensino particular e cooperativo, abrangidos pelo Decreto-Lei nº 321/88, veriam drasticamente reduzida a sua protecção social, e então sim, haveria ofensa do artº 63º da Constituição, que garante a todos adequada segurança social.
Nestes termos, ao princípio da irretroactividade do imposto com base em que, num Estado democrático, há que salvaguardar um mínimo de confiança e segurança dos cidadãos contra a imposição de inesperadas obrigações fiscais, sobrepor-se-iam, como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira in 'Constituição da República Portuguesa Anotada', 2ª Edição, em nota VIII ao artº 106, 'razões particulares constitucionalmente relevantes'.
E concluiu, então, no sentido da não inconstitucionalidade das normas impugnadas.
2 - Mais tarde, o Procurador-Geral da República requereu também ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281º, nº 1, alínea a), e nº 2, alínea e), da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas dos artigos 4º e 10º, do mesmo Decreto-Lei, o Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho.
Esse pedido, que abriu o processo nº 1/92, é assim delimitado e fundamentado:
'O Decreto-Lei nº 179/90, que definiu o enquadramento no regime geral de segurança social do pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo, fixou, no seu artigo 4º, em 10% a taxa das contribuições devidas pelas entidades empregadoras para o regime geral de segurança social, e determinou, no seu artigo 10º, que o diploma produzisse efeitos desde a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro.
Às contribuições para a segurança social, ao menos para as devidas pelas entidades empregadoras, como recitas parafiscais, são aplicáveis as regras substantivas e de competência que a Constituição estabelece directamente para os impostos (cfr. JORGE MIRANDA, 'A competência legislativa no domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais', na Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXIX, 1988, págs. 9-24).
Assim, as normas dos artigos 4º e 10º do Decreto-Lei nº 179/90, versando sobre a incidência e a taxa de um tributo, e inseridas num diploma emitido pelo Governo sem credencial parlamentar, são organicamente inconstitucionais, por violação dos artigos 106º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), da Constituição.
Por outro lado, a norma do artigo 10º do diploma em causa, publicado em Junho de 1990, ao retrotrair a Setembro de 1988 a obrigação de as entidades empregadoras pagarem um tributo equivalente a 10% das remunerações pagas, violou intoleravelmente o princípio da confiança, ínsito ao princípio do Estado de Direito (artigo 2º da Constituição), pois tal obrigação era, ao tempo, absolutamente improvável e imprevisível, e não se descortinam quaisquer razões imperiosas de interesse público que, no caso em apreço, se sobreponham à tutela dos valores da confiança, segurança, certeza, previsibilidade, calculabilidade e capacidade contributiva dos cidadãos. Daí a inconstitucionalidade material da norma do artigo 10º, conjugado com o artigo 4º, ambos do Decreto-Lei nº 179/90'.
Notificado nos termos e para os efeitos do artigo 54º da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro sustentou a tese da não inconstitucionalidade das normas impugnadas, dos artigos 4º e 10º do Decreto-Lei nº 179/90. Reenviando para a resposta ao primeiro pedido - o que foi formulado pelos deputados do Partido Socialista - concluiu assim:
'A obrigação contributiva que recai sobre os estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo, para o financiamento do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem não era, ao tempo da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88, nem improvável nem imprevisível uma vez que tal obrigação já existia anteriormente àquele diploma e não foi revogada pela sua entrada em vigor.
O normativo em causa apenas derrogou parcialmente o campo de aplicação material daquele regime em relação aos docentes abrangidos por aquele Decreto-Lei e, em consequência, criou uma sobreposição contributiva injusta e sem fundamento legal, a que o Decreto-Lei nº 179/90 pôs fim, determinando a redução da taxa de cálculo das contribuições devidas por aquelas entidades empregadoras para o regime geral de segurança social, a qual passou de 24,5% (ou
21% para as entidades sem fins lucrativos) a 10%.
A aplicação dessa redução contributiva, fazendo-a retroagir à data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88, impediu, assim, ou a existência de uma dupla carga contributiva ou - alternativa que só se admitiu por mero exercício de raciocínio - a denegação da protecção social aos docentes em relação aos quais se tivesse verificado a ocorrência das eventualidades de doença, maternidades, doenças profissionais, desemprego e encargos familiares, entre a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88 e a aplicação não retroactiva do Decreto-Lei nº 179/90.
Em razão do que se deixa exposto não se considera defensável, nem no plano legal nem no plano dos princípios que devem presidir à garantia do direito de todos à segurança social, a tese de inconstitucionalidade - quer orgânica, quer material - dos artigos 4º e 10º do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, antes se afigurando que este diploma obviou, directamente, à violação do princípio constitucional contido no artigo 63º, nº 1, e, indirectamente, à ofensa do princípio do Estado de direito reclamado para a República Portuguesa pelo artigo 2º da Lei Fundamental'.
Este processo, que tem o número 1/92, foi incorporado no anterior, o que tem o número 270/90. Assim o determinou o Exmº Presidente do Tribunal Constitucional, por despacho de 17 de Janeiro de 1992, em ordem ao artigo 64º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
II - As normas dos artigos 4º e 10º do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, que são as normas comuns aos dois pedidos
Estas normas dispõem assim:
Artigo 4º (Esquema contributivo)
1 - As contribuições devidas para o regime geral de Segurança Social são calculadas pela aplicação às remunerações pagas e recebidas da taxa de 10%, da responsabilidade das entidades empregadoras.
2 - A percentagem referida no número anterior engloba a taxa de 0,5% prevista no artigo 2º do Decreto-Lei nº 200/81, de 9 de Julho, destinada ao financiamento da cobertura de risco de doença profissional.
Artigo 10º (Produção de efeitos)
O presente diploma produz efeitos desde a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro.
O Acórdão nº 183/96 do Tribunal Constitucional, em plenário, D.R., II Série de 23-5-1996, confrontou já estas normas com a Constituição da República. Procedeu, primeiro, a uma análise das vicissitudes do regime jurídico de segurança social dos docentes do ensino não superior, particular e cooperativo, no sentido de uma iluminação da exegese do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho. Assim:
'
1 - A Lei nº 9/79, de 19 de Março, que estabeleceu as bases do sistema de ensino particular e cooperativo, era omissa quanto ao sistema de Segurança Social a que estaria sujeito o respectivo pessoal docente, bem como quanto ao correspondente esquema retributivo.
Contudo, poderá dizer-se que a progressiva aproximação das situações dos professores do ensino particular e cooperativo e do ensino público preconizada naquela lei, revelava a orientação do legislador no sentido de o pessoal docente a prestar serviço nos estabelecimentos de ensino particular e cooperativo vir a ser integrado no regime da segurança social aplicável aos funcionários da administração pública.
Com efeito, ali se dispunha que 'os contratos de trabalho dos professores do ensino particular e cooperativo e a legislação relativa aos profissionais de ensino, nomeadamente nos domínios salarial da segurança social e assistência, devem ter na devida conta a função de interesse público que lhes
é reconhecida e a conveniência de harmonizar as suas carreiras com as do ensino público' (artigo 12º).
E também que, para além de ser 'admitida a transferência de professores das escolas públicas para as escolas particulares e cooperativas e vice-versa', o Governo deverá 'proporcionar a progressiva integração dos docentes numa carreira profissional comum' (artigo 13º, nºs 1 e 5).
Entretanto, já depois de o Decreto-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro que aprovou o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, proclamar no artigo
46º o propósito de 'uma aproximação progressiva entre a situação dos professores do ensino particular e a situação dos do ensino público, de forma a proporcionar a correspondência de carreiras profissionais', veio a ser publicado o Decreto-Lei nº 327/85, de 8 de Agosto, por força do qual, o pessoal docente dos estabelecimentos de ensino superior, privado ou cooperativo passou a estar inscrito 'na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado, ficando abrangido pelas disposições do Estatuto da Aposentação e do Estatuto das Pensões de Sobrevivência' (artigo 2º).
E, paralelamente, o Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro veio dispor que 'o pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior, particular ou cooperativo, devidamente legalizados, será inscrito na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado, ficando abrangidos pelas disposições constantes dos respectivos estatutos em tudo o que não for contrariado pelo presente diploma' (artigo 1º)
Aos estabelecimentos de ensino foi imposta a dedução aos vencimentos do pessoal docente das quotizações legalmente fixadas, competindo-lhes também proceder à sua remessa para aquelas instituições nos prazos fixados na lei
(artigo 9º).
Por outro lado, prescreveu-se que 'os estabelecimentos de ensino participam no financiamento do sistema nos termos da regulamentação a aprovar mediante portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Educação' (artigo
10º).
Em conformidade com este último preceito, a Portaria nº 1/89, de 2 de Janeiro, veio estabelecer que 'cada estabelecimento de ensino não superior, particular ou cooperativo, entregará à Caixa Geral de Aposentações e ao Montepio dos Servidores do Estado quantias iguais às quotas deduzidas nas remunerações do respectivo pessoal docente' (nº 1), sendo que a entrega destas quantias 'será efectuada simultâneamente com a remessa das quotas deduzidas nas remunerações do pessoal docente' (nº 2).
Estava assim criado um quadro normativo através do qual se reconhecia aos docentes dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo o direito às prestações pecuniárias ou em espécie 'nas eventualidades de velhice, invalidez e morte' no âmbito daquelas instituições de protecção social, concretamente, a Caixa Geral de Aposentações e o Montepio dos Servidores do Estado, prevendo-se também um esquema de dedução e pagamento das quotizações devidas a tais instituições pelos docentes beneficiários e também uma forma de participação no financiamento do sistema por parte dos estabelecimentos de ensino.
Todavia, naquela estatuição não se compreendiam as restantes prestações pecuniárias a que se reporta o artigo 19º, nº1, da Lei nº 28/84, de
14 de Agosto (Lei da Segurança Social), atribuídas no âmbito do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem - encargos familiares, incapacidade temporária por doença e maternidade, doença profissional e desemprego.
2 - Com o objectivo confessado de 'definir com clareza o enquadramento parcial destes trabalhadores no regime geral dos trabalhadores por conta de outrem, bem como a taxa contributiva que lhes corresponde face à redução material do regime, aliás em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 19º da Lei nº 28/84, de 14 de Agosto, que expressamente prevê que a obrigatoriedade de inscrição possa ser restrita a algumas das eventualidades abrangidas pelo regime geral de segurança social' foi publicado o Decreto-Lei nº
179/90, de 5 de Junho, no qual se inserem as normas desaplicadas na decisão recorrida.
Este diploma, considerando, por um lado, os encargos decorrentes para o pessoal docente e entidades empregadoras da inscrição na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado autorizada pelo Decreto-Lei nº 321/88, e atendendo, por outro lado, às taxas contributivas do regime geral previstas no Decreto-Lei nº 140-D/86, de 14 de Junho, que estabeleceu a taxa social única, proclama o propósito de 'evitar que as entidades empregadoras e trabalhadores assumam encargos contributivos globais com os dois regimes superiores aos que teriam se permanecessem apenas abrangidos pelo regime geral'.
E na sequência da orientação assim enunciada na sua exposição preambular, o Decreto-Lei nº 179/90, depois de precisar que 'continuam obrigatoriamente enquadrados no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, com as particularidades constantes do presente diploma, como beneficiários, os docentes [dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo] e, como contribuintes, os estabelecimentos de ensino em que aqueles prestem serviço (artigo 2º), reconheceu aqueles beneficiários o direito 'às prestações que integram o âmbito material do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem correspondentes às eventualidades de encargos familiares, de incapacidade temporária de trabalho por motivo de doença e maternidade, de doença profissional e de desemprego' (artigo 3º).
A seguir, no artigo 4º, o respectivo esquema contributivo, foi assim definido:
Artigo 4º
(Esquema contributivo)
1 - As contribuições devidas para o regime geral de Segurança Social são calculadas pela aplicação às remunerações pagas e recebidas da taxa de 10%, da responsabilidade das entidades empregadoras.
2 - A percentagem referida no número anterior engloba a taxa de 0,5% prevista no artigo 2º do Decreto-Lei nº 200/81, de 9 de Julho, destinada ao financiamento da cobertura de risco de doença profissional.
E, ao demarcar a data a partir da qual aquele diploma produziria efeitos, prescreveu-se deste modo:
Artigo 10º
(Produção de efeitos) O presente diploma produz efeitos desde a data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro.
A partir da inscrição na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado dos professores do ensino não superior, particular ou cooperativo, passou a ser--lhes reconhecido o direito às chamadas prestações diferidas, nas eventualidades de invalidez, velhice e morte, gerando-se alguma incerteza e indeterminação quanto ao modo de cobertura e financiamento das chamadas prestações imediatas, nas eventualidades de doença, doença profissional, maternidade, desemprego e encargos familiares, situadas estas fora do âmbito de intervenção daquelas instituições.
E daí que, nas normas anteriormente referidas, o legislador, pondo termo às dúvidas que porventura se tenham suscitado e contrariando a tendência que se vinha afirmando no sentido de uma uniformização do estatuto dos professores do ensino público, particular e cooperativo, tenha colocado, expressamente, tais eventualidades a coberto do regime da segurança social, limitando-se, aliás, a utilizar a via do regime de âmbito parcelar a que se reporta o artigo 19º, nº 3, da Lei nº 28/84.
E, no plano de financiamento do respectivo regime, veio estabelecer um esquema contributivo que impõe às entidades empregadoras, a partir da data da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 321/88 - diploma que autorizou a inscrição daquele pessoal docente, relativamente às eventualidades já referidas, na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado - o pagamento de uma prestação de 10% calculada sobre as remunerações recebidas por aquele pessoal.
Cabe aqui recordar, que aquando da publicação do Decreto-Lei nº
179/90, já vigorava a taxa social única criada pelo Decreto-Lei nº 140-D/86, de
14 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 295/86, de 19 de Setembro.
Em conformidade com estes diplomas, as taxas de contribuições a pagar pelos trabalhadores e pelas entidades patronais foram fixadas, respectivamente, em 11% e 24% das remunerações por trabalho prestado, abrangendo-se com tal todos os regimes ou esquemas de segurança social em que sejam aplicáveis as taxas de contribuições do regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem.
Ora, por decorrência dos princípios que regem o sistema de segurança social e das garantias constitucionais que o acautelam, ao pessoal docente dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo, não poderia ter sido denegado, a partir da sua inscrição na Caixa Geral de Aposentações e no Montepio dos Servidores do Estado, o direito de beneficiarem do sistema de segurança social próprio dos trabalhadores por conta de outrem, no tocante às prestações imediatas não cobertas por aquelas instituições.
Não lhes podia ser denegado tal direito, assim como as respectivas entidades empregadoras não se podiam eximir das contribuições obrigatórias que sobre elas recaiam, calculadas em termos da correspondente taxa social.
O regime misto da prestação social que decorre da aplicação dos Decretos-Lei nºs 321/88 e 179/90, para o pessoal docente do ensino não superior, particular e cooperativo e do Decreto-Leis nº 327/85, para o pessoal do ensino superior, particular e cooperativo, veio, aliás, exigir a articulação, através de regras adequadas, das diversas entidades ali intervenientes - instituições de segurança social e organismos responsáveis pela protecção social da função pública - havendo, com tal propósito, sido editados os Decretos-Leis nºs 149/92, de 17 de Julho e 109/93, de 7 de Abril'.
Depois, o mesmo acórdão procedeu a um controlo das normas dos artigos 4º e 10º do Decreto-Lei nº 179/90 na perspectiva da reserva de lei, com uma incursão no problema da natureza das contribuições para a segurança social:
'O princípio da legalidade tributária acha-se garantido no artigo
106º, nº 2, da Constituição, segundo o qual 'os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes'.
Este princípio, como é consabido, traduz-se desde logo na regra da reserva de lei para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo deixar de constar de diploma legislativo e implicando a tipicidade legal, isto é, o imposto há-de ser desenhado na lei de forma suficientemente determinada, sem margem para qualquer discricionariedade administrativa quanto aqueles elementos essenciais.
Por outro lado, a lei a que se refere a norma do artigo 106º é em princípio uma lei da Assembleia da República, só podendo tratar-se de decreto-lei quando existir autorização legislativa do Governo.
Com refere Jorge Miranda, 'A competência legislativa no domínio dos impostos e as chamadas receitas parafiscais', Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XXIX, 1988, pp. 9 e ss., a interpretação conjugada dos artigos 106º e 168º, nº 1, alínea i), não tem levantado dificuldades na vigência da actual Constituição, ao contrário do que sucedera com os artigos 70º e 93º da Constituição anterior, podendo afirmar-se que a doutrina e a jurisprudência são unânimes em reiterar o enlace entre ambas as regras, em reconhecer que só adquirem pleno sentido útil quando incindíveis [que é o artigo
106º, nº 2 que preenche o conteúdo do artigo 168º, nº 1, alínea i), e que é este que confere expressão política ou orgânico-funcional àquele]'.
Esta reserva de lei da Assembleia da República está de acordo com o sentido histórico da reserva parlamentar da lei fiscal, que arranca originariamente da ideia da autotributação, isto é, de a imposição fiscal só poder ser determinada pelos próprios cidadãos através dos seus representantes no parlamento.
O Decreto-Lei nº 179/90, foi emitido ao abrigo do disposto no artigo
201º, nº 1, alínea a) da Constituição, isto é, no uso da competência legal concorrente do Governo e sem a cobertura de delegação legislativa da Assembleia da República, importando assim averiguar qual a exacta natureza jurídica das
'contribuições devidas para o regime geral de segurança social' a que o artigo
4º se reporta.
(...) Esta matéria tem sido objecto de amplo debate doutrinal e jurisprudencial, podendo dizer-se que as posições se dividem entre aqueles que entendem ser possível atribuir a mesma qualificação jurídica às contribuições devidas pelos trabalhadores e às que recaem directamente sobre as entidades patronais e os que pensam que umas e outras são de diversa natureza.
Por seu turno, entre os defensores da primeira posição, de sentido monista, ao lado dos que atribuem a tais contribuições a natureza de uma taxa, existem aqueles que as qualificam como prémio de seguro de direito público ou que as consideram verdadeiros impostos.
A orientação dualista tende a caracterizar as contribuições correspondentes aos trabalhadores como prémio de seguro e a havê-las, na parte que se referem às entidades patronais como verdadeiros impostos (cfr. no sentido que vem referido, respectivamente: José Manuel Sérvulo Correia, Teoria da relação jurídica do seguro social, Estudos Sociais e Corporativos, ano VII, 1968, pp. 300 e ss.; F. Pessoa Jorge, Privilégio creditório a favor das instituições de previdência social, Ciência e Técnica Fiscal, nºs 169- 170, p. 90; Alberto Xavier, Manual de Direito Fiscal, vol. I,
1974, pp. 66 e ss.; Acórdão da Relação do Porto, de 2 de Julho de 171 e Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Outubro de 1971, Boletim do Ministério da Justiça, nº 209, p. 195 e 210, p. 170; Nuno Sá Gomes, Curso de Direito Fiscal, Lisboa, 1980, p. 254 e Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de Direito Fiscal, Lisboa, 1981, p. 180).
Independentemente do bem fundado das razões que em defesa de cada um destes entendimentos têm sido desenvolvidos (a recensão de umas e de outras acha-se feita por A. Braz Teixeira, Natureza jurídica das contribuições para a Previdência, Estudos, vol. I, Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1983, pp. 47 e ss.), há-de dizer-se que as contribuições para a segurança social que têm como sujeito passivo a entidade patronal - e são essas as únicas que aqui importa considerar - quer sejam havidas como verdadeiros impostos, quer sejam consideradas como uma figura contributiva de outra natureza, é seguro que sempre deverão estar sujeitas aos mesmos requisitos a que aqueles se acham constitucionalmente obrigados.
Esta sujeição às regras constitucionais decorre do facto de as prestações pecuniárias em que estas contribuições se traduzem, talqualmente os impostos, revestirem carácter definitivo e unilateral, uma vez que só podem ser restituídas quando indevidamente pagas, não admitindo reembolso e não implicando nenhuma contrapartida por parte das entidades que delas são credoras; serem estabelecidas por lei, e destinarem--se à realização de um fim inquestionavelmente público - o financiamento do sistema de segurança social
(artigo 63º da Constituição).
Assim sendo, deverá concluir-se que a norma sob apreciação, ao estabelecer a incidência e a taxa das contribuições devidas para o regime geral da Segurança Social, dispõe sobre matéria inscrita no âmbito da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República.
E cabe aqui recordar, como remate e complemento da fundamentação expendida, que a Constituição, depois da 2ª revisão constitucional, sendo explícita a referir no artigo 106º que o sistema fiscal visa ao lado da satisfação das necessidades financeiras do Estado, a de 'outras entidades públicas', não dá guarida ao 'equívoco conceito de parafiscalidade, que comporta figuras que são verdadeiros impostos, que como tais devem ser tratados para todos os efeitos (reserva de lei parlamentar, autorização anual da cobrança, inscrição orçamental, etc), mesmo que cobradas em benefício de outras entidades que não o Estado ou outras colectividades territoriais'. (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra,
1993, p. 460)'.
Finalmente, retomando o iter legislativo do esquema das contribuições para a segurança social garantida aos docentes dos estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo, o acórdão haveria de sublinhar a pré-existência à produção das normas impugnadas de uma taxa social única de 24,5% [ou de 21% para as entidades sem fins lucrativos] por trabalho prestado, prevista no Decreto-Lei nº 140-D/86, de 14 de Junho, a cujo pagamento eram obrigadas as entidades patronais.
E demonstrar-se-ia que, no quadro do sistema misto de segurança social dos mesmos docentes - aquele sistema que inclui as prestações imediatas, de um lado, referidas à Caixa Geral de Aposentações e ao Montepio dos Servidores do Estado, e as prestações mediatas, de outro lado, referidas à Segurança Social
- resultava a configuração de duas taxas. A primeira, de 8%, é devida, em igualdade com o contributo dos trabalhadores, à Caixa Geral de Aposentações e ao Montepio dos Servidores do Estado, isto em razão do Decreto-Lei nº 321/88 e da Portaria nº 1/89. A segunda taxa, de 10%, deriva-se agora da norma impugnada do artigo 4º do Decreto-Lei nº 179/90, e é devida à Segurança Social.
É esta rearrumação do regime de Segurança Social dos docentes do ensino não superior, particular e cooperativo, que leva à dualidade de tributação das entidades patronais. A tributação, porém, não é nova, no sentido de que as mesmas entidades estavam já obrigadas ao pagamento das contribuições reportadas a todas as eventualidades do regime geral da Segurança Social
[prestações diferidas e imediatas] - correspondente a uma taxa social única
[Decreto-Lei nº 146-D/86, de 14 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei nº 295/86, de 19 de Setembro].
A 'fractura' do regime jurídico de segurança social dos docentes do ensino não superior, particular e cooperativo, operada com a sua inscrição no Montepio e na Caixa, não podia, como é evidente e como o demonstrou o Decreto-Lei nº 179/90, deixar de fora as prestações que acresciam às que lhes eram agora atribuídas por essas instituições, desde logo em razão da conformação constitucional da segurança social pelo princípio da universalidade.
E, então, à continuidade do direito correspondeu, como não podia deixar de ser, a continuidade da obrigação tributária.
III - 1 - A norma impugnada do artigo 4º do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, não representa, pois, uma onerosidade acrescida para as entidades patronais. Com isso, afasta, na relação que tem com a norma do artigo 10º do mesmo Decreto-Lei, um qualquer fundamento de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da protecção da confiança, visto que o que não é novo não surpreende!
Porém, a norma do artigo 4º, ao fixar uma taxa de 10% que se vem somar àqueloutra de 8% - a que resulta do Decreto-Lei nº 321/88, de 22 de Setembro, artigo 9º - perfaz com essa a soma de 18% que é inferior à taxa social
única preexistente, de 24,5% [ou de 21% para as entidades sem fins lucrativos].
Tal significa uma alteração do tributo, na taxa, a que são obrigados os estabelecimentos de ensino não superior, particular e cooperativo. Mas, para isso, a Constituição, nos artigos 106º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), impõe a reserva de competência legislativa do Parlamento.
A norma do artigo 4º do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, é, pois, organicamente inconstitucional e é-o também a norma do artigo 10º, que regendo tão-só para a produção de efeitos do Decreto-Lei nº 179/90 recebe, no entanto, o valor negativo da norma do artigo 4º que o integra.
2 - Razões de segurança jurídica ditam, porém, que o Tribunal Constitucional haja de limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade dessas normas. É que a eficácia ex tunc que por via de regra vai ligada à declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral implicaria, aqui, novas vicissitudes nas contribuições das entidades empregadoras em modo para elas imprevisto. A declaração viria materializar, afinal, os riscos de incerteza e insegurança que a Constituição, no artigo 282º, nº 4, decidiu evitar.
IV - As normas dos artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho
No primeiro pedido, o que abre o processo nº 270/90, os requerentes impugnam também as normas dos artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho. Afirmam, nesse plano, a violação dos artigos 13º e 63º da Constituição da República. Os fundamentos centram-se na não unicidade do sistema de segurança social para os docentes do ensino não superior público, de um lado, e não superior, particular e cooperativo, de outro lado.
Esta tese, porém, não procede perante uma interpretação da legislação sobre a matéria e seu devir em relação com uma análise da estrutura das normas dos artigos 13º e 63º da Constituição da República.
Já na Lei nº 9/79, de 19 de Março (Bases do Ensino Particular), o programa político do legislador é um programa de sentido e fim, não é um programa imediatamente concretizador de um sistema unificado de segurança social. Não pode, por isso, nem mesmo logicamente, afirmar-se nos diferentes momentos de actuação da lei (que se relevaram antes) a existência de níveis de
'regressividade' capazes de convocar o artigo 2º da Constituição da República, com o princípio da protecção da confiança que dele se deriva.
Para mais, é o carácter estruturalmente aberto da norma constitucional do artigo 63º a deixar ao legislador espaço para uma actuação política constitutiva no sentido da concretização do seu programa. Como se afirmou no acórdão nº 432/93 [D.R., II Série, de 18-8-1993] para as normas sobre direitos sociais, 'A Constituição é aí ordo costitutus, mas também ordo costituens, a requerer procedimentos de actualização e concretização que envolvem uma ampla competência de conformação legislativa'.
A mesma ordem de razões faz que perca sentido, neste lugar, a colocação do problema na perspectiva da igualdade como exigência imediata do artigo 13º da Constituição da República.
V - A decisão
Nestes termos, decide-se:
a) - Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral - por violação dos artigos 106º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), da Constituição da República -, da norma do artigo 4º do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho, que, ao fixar em 10% a taxa da contribuição das entidades empregadoras para o regime geral de segurança social, reduz o valor da contribuição global pré-existente, e da norma do artigo 10º, do mesmo Decreto-Lei;
b) - Limitar os efeitos da inconstitucionalidade, por forma a que estes só se produzam a partir da data de publicação do acórdão;
c) - Não declarar a inconstitucionalidade das normas dos artigos 2º,
3º, 5º, 6º, 7º, 8º e 9º, do Decreto-Lei nº 179/90, de 5 de Junho.
Lisboa, 27 de Novembro de 1996 Maria da Assunção Esteves Bravo Serra Maria Fernanda Palma Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Luís Nunes de Almeida Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa