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Proc. nº 158/95
1ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de
Lisboa, sendo recorrentes o Ministério Público e M... e recorrida C..., E.P., em
Liquidação, pelas razões constantes da exposição prévia do relator de fls. 114 a
122, que mereceu a concordância do Ministério Público e do outro recorrente e
não obteve resposta da recorrida, decide-se:
a) Quanto ao recurso de constitucionalidade interposto
por M..., não tomar conhecimento do mesmo, condenando esse recorrente em custas,
cuja taxa de justiça se fixa em unidade de conta;
b) Quanto ao recurso de inconstitucionalidade interposto
pelo Ministério Público, julgar inconstitucional, por violação da alínea q) do
nº 1 do artigo 168º da Constituição, na versão de 1982, a norma do nº 1 do
artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, interpretada no sentido de que
os tribunais comuns de que aí se fala são os tribunais cíveis, quando estejam em
causa créditos oriundos de relações laborais; e,
c) Conceder provimento a esse recurso, revogando o
acórdão recorrido, que deve ser reformulado por forma a aplicar no julgamento do
recurso a norma do artigo 8º, nº 1, do Decreto--Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com
o sentido de que a expressão tribunais comuns constante de tal preceito deve,
após a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, e quando estejam em causa créditos
oriundos de relações laborais, entender-se como correspondendo aos tribunais do
trabalho.
Proc. nº 158/95
1ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Exposição prévia ao abrigo do disposto no nº 1
do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
1. M... propôs, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, uma
acção emergente de contrato individual de trabalho contra C..., E.P., em
Liquidação, pedindo que esta fosse condenada a reconhecer um crédito do autor,
no montante de 874.279$00, e que tal crédito fosse incluído no mapa a que se
refere o artigo 8º, nº 2 do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, para ser
graduado no lugar que lhe competisse.
2. Por decisão de 25 de Maio de 1994, julgou-se
verificada a excepção de incompetência do tribunal em razão da matéria, por se
entender que o tribunal materialmente competente para conhecer da causa era o
Tribunal Cível de Lisboa, pelo que se absolveu a ré da instância.
3. Desta decisão interpôs o autor recurso para o
Tribunal da Relação de Lisboa.
Por acórdão de 18 de Janeiro de 1995, foi negado
provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida.
Na respectiva fundamentação argumentou-se do seguinte
modo:
'(...) O D.L. 137/85 de 3/5 que veio extinguir a Ré C....., dispõe
no seu art. 7º que a Comissão Liquidatária apreciará a reclamação de créditos e
respectivas impugnações e fixará quais os créditos reconhecidos e respectiva
graduação.
No art. 8º estabelece que os credores cujos créditos não foram
reconhecidos ou não foram graduados de acordo com a Lei, podem recorrer aos
Tribunais comuns, para fazerem valer os seus direitos.
Ora, de acordo com o art. 66º do C.P.C., as causas não atribuídas
por lei a jurisdição especial, são da competência do Tribunal comum e pelo art.
67º, nº 1, o Tribunal comum, é o cível.
Face ao art. 46º, nº 1 da Lei 38/87 de 23/12, os Tribunais de 1ª
Instância são de competência genérica e de competência especializada e de acordo
com o art. 53º as causas não atribuídas a outro Tribunal, são da competência do
Tribunal de competência genérica.
Em relação aos Tribunais de competência especializada, dispõe o art.
56º desta Lei que compete aos Tribunais Civis, o julgamento das acções civis não
atribuídos a outros Tribunais.
De todos estes preceitos, parece resultar que a competência para
julgamento das reclamações quanto ao não reconhecimento dos créditos ou à
deficiente graduação deles, pela Comissão liquidatária, cabe ao Tribunal Comum
Cível.'
4. Desta decisão foram interpostos recursos para o
Tribunal Constitucional pelo autor e pelo Ministério Público.
O autor recorreu ao abrigo da alínea a) do nº 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, invocando ter havido recusa de
aplicação pelo tribunal a quo da norma constante do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 137/85.
Por sua vez, o Ministério Público recorreu ao abrigo da
alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pressupondo
ter sido aplicada na decisão recorrida a norma constante do nº 1 do artigo 8º do
Decreto‑Lei nº 137/85, a qual o Tribunal Constitucional já julgou
inconstitucional na interpretação de que os tribunais comuns aí referidos são os
tribunais cíveis, quando estejam em causa créditos oriundos de relações
laborais.
5. Coloca-se, em primeiro lugar, a questão de saber qual
é o enquadramento legal adequado ao pretendido recurso de constitucionalidade,
já que o autor invocou a alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15
de Novembro, enquanto o Ministério Público optou pela alínea g) da mesma
disposição legal.
A resposta correcta a tal questão é a de que o presente
recurso se enquadra efectivamente na previsão dos artigos 280º, nº 5, da
Constituição e 70º, nº 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional. Assim,
vejamos:
Dizem aqueles preceitos que cabe recurso para o Tribunal
Constitucional das decisões dos tribunais 'que apliquem norma já anteriormente
julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional'. Nessa previsão
cabem, designadamente, as decisões proferidas pelo Tribunal Constitucional no
domínio da fiscalização concreta da constitucionalidade.
Na decisão recorrida, e como se vê da sua expressa
fundamentação acima transcrita, fez-se efectiva aplicação da norma constante do
nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85. Não obstante ter sido invocada a
inconstitucionalidade dessa norma e já haver jurisprudência do Tribunal
Constitucional sobre ela, a decisão recorrida nada disse sobre essa matéria,
limitando-se a referenciar o citado artigo 8º e a procurar integrar a expressão
'tribunais comuns' dele constante com recurso a preceitos do Código de Processo
Civil e da Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais para chegar à conclusão de que
tal expressão corresponde aos tribunais cíveis e nessa base decidir a questão de
competência suscitada. Em momento algum foi formulado qualquer juízo de
inconstitucionalidade acerca do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85 ou
recusada a sua aplicação. Parece, pois, evidente que essa norma foi, de facto,
aplicada pela decisão recorrida.
Ora, o Tribunal Constitucional, através do seu Acórdão
nº 270/93, de 30 de Março (inédito), já julgou inconstitucional, por violação da
alínea q) do nº 1 do artigo 168º da Constituição, na versão de 1982, a norma do
nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, interpretada no
sentido de que os tribunais comuns de que aí se fala são os tribunais cíveis,
quando estejam em causa créditos oriundos de relações laborais. E norma idêntica
do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, relativo à extinção da D..., E.P., foi
objecto de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral,
através do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 151/94 (Diário da República,
I-A, de 30 de Março de 1994), quanto à interpretação de que os tribunais comuns
a que se faz referência no nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 138/85 são os
tribunais cíveis.
Houve, portanto, uma efectiva aplicação de norma já
anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, devendo
considerar-se devidamente interposto pelo Ministério Público o recurso de
constitucionalidade, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional.
Já o recurso de constitucionalidade do autor não foi
adequadamente interposto, por ter invocado a alínea a) do nº 1 do artigo 70º da
Lei do Tribunal Constitucional sem estarem verificados os respectivos
pressupostos processuais - concretamente, a existência de uma decisão positiva
de inconstitucionalidade, ou seja, de uma decisão que tivesse recusado a
aplicação de uma norma por motivo de inconstitucionalidade -, pelo que não deve
conhecer-se tal recurso.
6. Dada a orientação segura do Tribunal Constitucional
acerca da questão da constitucionalidade do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº
137/85 (e também do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 138/85, cuja
jurisprudência é perfeitamente transponível para o caso dos autos, em face da
identidade das normas), cabe dar-lhe aplicação no caso concreto.
Impõe-se, assim, reiterar o juízo de
inconstitucionalidade do nº 1 do artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, na
interpretação segundo a qual os tribunais comuns a que se faz referência nessa
norma são os tribunais cíveis, quando estejam em causa créditos oriundos de
relações laborais, por violação da alínea q) do nº 1 do artigo 168º da
Constituição, na versão de 1982. Consequentemente, cumprirá conceder provimento
ao recurso interposto pelo Ministério Público e determinar a reforma da decisão
recorrida em conformidade com aquele juízo de inconstitucionalidade.
7. Porém, há também que ter em conta o decidido pelo
recente Acórdão do Tribunal Constitucional nº 163/95, de 29 de Março de 1995
(ainda inédito), tirado em plenário, nos termos do artigo 79º-A da Lei do
Tribunal Constitucional, que estabeleceu doutrina orientadora para a
jurisprudência do Tribunal. Aí se decidiu que a norma do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 138/85 (o que se aplica também à norma do nº 1 do artigo 8º do
Decreto-Lei nº 137/85, dada a identidade das normas) não é inconstitucional 'com
o sentido de que a expressão tribunais comuns constante de tal preceito deve,
após a Lei nº 82/77, de 6 de Dezembro, e quando estejam em causa créditos
oriundos de relações laborais, entender-se como correspondendo aos tribunais do
trabalho'.
É certo que resultava já da fundamentação dos citados
Acórdãos nºs 270/93 e 151/94 (e dos que serviram de fundamento a este último:
Acórdãos nºs 271/92, 164/93, 410/93 e 519/93, os dois primeiros publicados no
Diário da República, II, de 23 de Novembro de 1992 e 10 de Abril de 1993,
respectivamente) que era conforme à Constituição a interpretação segundo a qual
os 'tribunais comuns' mencionados nos nºs 1 dos artigos 8ºs dos Decretos-Leis
nºs 137/85 e 138/85, quando estivessem em causa créditos oriundos de relações
laborais, correspondiam aos 'tribunais do trabalho', os quais foram, como a Lei
nº 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), integrados na
ordem judiciária comum, como tribunais judiciais de primeira instância de
competência especializada. Contudo, isso não foi dito expressamente nesses
arestos, o que motivou decisões contrárias dos tribunais comuns.
A fim de evitar aqui essa situação, caberá aplicar ao
caso sub judicio a solução adoptada naquele Acórdão nº 163/95, para cujos
fundamentos se remete.
Deverá, pois, o artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº
137/85 ser interpretado e aplicado nos autos com o sentido, considerado conforme
à Constituição, de que os tribunais comuns mencionados naquele preceito, após a
Lei nº 82/77 e quando estejam em causa créditos emergentes de relações laborais,
são os tribunais do trabalho e não os tribunais cíveis.
Esta interpretação da norma será vinculativa para o
tribunal recorrido, nos termos do nº 3 do artigo 80º da Lei do Tribunal
Constitucional.
8. Conclui-se, pois, que o recurso interposto pelo
Ministério Público deverá ser decidido no sentido de:
a) julgar inconstitucional, por violação da alínea q) do
nº 1 do artigo 168º da Constituição, na versão de 1982, a norma do nº 1 do
artigo 8º do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, interpretada no sentido de que
os tribunais comuns de que aí se fala são os tribunais cíveis, quando estejam em
causa créditos oriundos de relações laborais; e,
b) conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão
recorrido, para ser reformulado por forma a aplicar no julgamento do recurso a
norma do artigo 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 137/85, de 3 de Maio, com o sentido
de que a expressão tribunais comuns constante de tal preceito deve, após a Lei
nº 82/77, de 6 de Dezembro, e quando estejam em causa créditos oriundos de
relações laborais, entender-se como correspondendo aos tribunais do trabalho.
Ouça-se cada uma das partes por 5 dias, nos termos do
disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
Lisboa, 27 de Junho de 1995
Ass) Maria Fernanda Palma
Maria da Assunção Esteves
Alberto Tavares da Costa
Armindo Ribeiro Mendes
Vitor Nunes de Almeida
José Manuel Cardoso da Costa