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Proc.Nº 165/95
Sec. 1ª Rel. Cons. Vítor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - RELATÓRIO:
1. - A. interpôs contra a CAIXA NACIONAL DE PREVIDÊNCIA recurso directo de anulação do acto administrativo que fixou ao recorrente a pensão definitiva de Esc.s 602. 003$00, sendo certo que, de acordo com a pretensão do recorrente tal pensão devia ser fixada em Esc.s : 617 316$00, considerando o recorrente que houve violação da lei, pelo que o referido acto deve ser anulado, com as legais consequências.
Após a resposta da entidade recorrida, no sentido da correcção das contas que levaram à fixação da pensão do recorrente, as partes procederam ao oferecimento das alegações, tendo o recorrente procedido à ampliação do pedido, nos termos do nº 2 do artigo 51º da Lei do Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais, reiterando, depois, a posição inicial assumida nos autos.
A entidade recorrida defendeu a posição já exposta quanto aos emolumentos notariais e custas fiscais, concluindo pela inexistência de qualquer violação da lei, devendo além do mais ser rejeitado o recurso pois a resolução da autoridade recorrida estava sujeita a recurso hierárquico necessário.
2. - Em 25 de Março de 1993, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto (TACP), veio a elaborar um parecer pelo qual se entendeu que o acto impugnado é um acto não definitivo (artigo 25º, nº 1, da L.P.T.A.) e, como tal insusceptível de lesar quaisquer direitos do recorrente (artigo 268º, nº 4, da Constituição), pelo que propunha a rejeição do recurso por manifesta ilegalidade.
Ouvido o recorrente, veio pronunciar-se pela legalidade da interposição do recurso e pelo prosseguimento do processo até à decisão final.
Em 12 de Outubro de 1993, o TACP proferiu uma sentença em que se entendeu que 'por se tratar de acto contenciosamente irrecorrível por carecer de definitividade vertical, decide-se rejeitar o recurso interposto, por via da substituição do objecto do recurso, da decisão de 4/1/93'.
Desta decisão veio a ser interposto recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), tendo aí formulado as seguintes conclusões:
'1ª - O acto praticado em 4 de Janeiro de 1993 no exercício de poderes delegados pela Direcção dos Serviços de Previdência da C.G.A./C.G.D., S.A., no procedimento administrativo que antecede os presentes autos, conforma-se como acto meramente rectificativo susceptível de ser integrado, por economia processual, no objecto do presente recurso directo de anulação, por ampliação ou alteração do pedido inicial, por tal decisão surgir para a ordem jurídica como parte integrante e incindível do acto originário (acto rectificado); se, todavia, mais autorizadamente assim se não vier a entender, haverá então de concluir-se que:
2ª - Tal acto assume a natureza de acto revogatório, por substituição, do acto praticado em 12 de Agosto de 1992 pela mesma entidade e no exercício de iguais poderes delegados, para resolução da mesma situação concreta, produzindo então necessariamente efeitos ex tunc e, nessa decorrência, assumindo a natureza de único acto de fixação da pensão de aposentação do recorrente; em qualquer caso, porém,
3ª - Aquela resolução de 4 de Janeiro de 1993 da D.S.P./C.G.A. (C.G.D.) emerge para a ordem jurídica como acto definitivo e executório ou, agora, como acto desde logo contenciosamente sindicável, por dele não caber, face às disposições da lei ordinária aplicáveis e, antes de tudo o mais, ao estatuído no Artº 103º de Estatuto da Aposentação, recurso administrativo obrigatório
(recurso hierárquico necessário); por fim e com todo o respeito;
4ª - Mesmo que à situação vertente fosse aplicável a disposição contida na alínea a) do Nº 1 do Artº 108º-A (na redacção do Decreto-Lei Nº 214/83, de 25 de Maio) daquele Estatuto, haveria de entender-se que a via impugnatória de natureza administrativa ali tipificada se deve hoje ter por reportada ao recurso hierárquico facultativo.
5ª - Tendo resolvido de forma diversa, a aliás douta sentença recorrida desacata todos os preceitos legais em que intenta fundar-se, desrespeita totalmente o invocado Artº 103º do E.A. e, em última análise, desobedece ao hoje imposto pela Nº 4 do Artº 268º da Constituição da República, devendo por isso ser revogado por mais autorizado Acórdão que tanto reconheça e, nessa conformidade, ordene o prosseguimento dos autos com vista à apreciação final e quanto à questão de fundo do pedido. Tudo o que o recorrente perante esse Venerando Supremo Tribunal impetra por que seja reposta a
Justiça!'
Pelo seu lado a Direcção da Caixa Geral de Aposentações também alegou, tendo concluído pela forma seguinte:
'Revogado, no prazo de resposta, o acto recorrido, extinguindo-se a lide por inutilidade superveniente, e sendo que o acto revogatório carece de definitividade vertical, bem julgou o Tribunal «a quo» rejeitando o recurso deste último acto'.
3. - Em 19 de Janeiro de 1995, a 1ª Secção do STA, proferiu um acórdão pelo qual se negou provimento ao recurso, aí se tendo argumentado com vista a tal fim, pela forma seguinte:
'Face aos taxativos termos utilizados no artigo 108º-A [do Estatuto da Aposentação, redacção do Decreto-Lei nº 214/83, de 25 de Maio] que se diga que nada consente que se diga que o recurso gracioso que ele contempla seja facultativo e por isso também quanto ao 2º acto a via contenciosa não estava desde já aberta, independente da instauração do recurso hierárquico. A argumentação do REC. no sentido de que hoje todos os recursos hierárquicos têm natureza facultativa não tem qualquer apoio legal, bastando citar o artº167º do CPA que precisamente contempla a dualidade do recurso hierárquico necessário ou facultativo, consoante o acto a impugnar seja ou não insusceptível de recurso contencioso.
Nesta perspectiva, não se nos afigura que estes preceitos contrariem o artº
268º da CRP, nomeadamente o seu nº4, pois a garantia dada de haver sempre recurso contencioso não é absoluta, tendo o seu exercício de ser pautado pala observância das regras e pressupostos processuais.'
Notificada esta decisão ao recorrente, veio este interpor recurso para o Tribunal Constitucional, delimitando assim o âmbito deste recurso: 'A norma cuja fiscalização concreta de constitucionalidade se pretende é a constante do artº 108º-A do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro), introduzida pelo Decreto-Lei nº
214/83, de 25 de Maio, a qual foi julgada constitucional no acórdão recorrido'.
Produzidas as competentes alegações, o recorrente concluiu as suas pela forma seguinte:
'a - O regime da sindicabilidade contenciosa dos actos administrativos acha-se hoje disciplinado pelo comando do nº 4 do artº 268º da Constituição, conjugado com as regras impostas pelo artº 18º da mesma Lei Fundamental, em consequência da revisão operada pela Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho.
b - No quadro de tal disciplina normativa perderam relevância os conceitos da definitividade - horizontal e vertical - e da executoriedade como requisitos de impugnabilidade contenciosa dos actos da autoridade administrativa, acolhidos na disposição do nº 1 do artº 25º da LPTA, por naquele inciso constitucional se mostrar agora recortado o conceito de acto administrativo ilegal lesivo de direitos e interesses legalmente protegidos do particular.
c - Inexiste assim constitucionalmente recortado, no domínio das relações do particular com a Administração activa o instituto ou figura do recurso hierárquico obrigatório, apesar do regime fixado naquele nº 1 do artº 25º da LPTA e no nº 1 do artº 167º do CPA, por ser seguro, face ao estatuído no artº
18º da CR, que o regime do nº 4 do artº 268º desta mesma Lei Fundamental se encontra sujeita ao regime da aplicação imediata e directa, desnecessitando da mediação, concretização ou desenvolvimento da lei ordinária. Na verdade,
d - Não consente a ordem jurídico-constitucional que se interprete e aplique a Constituição na conformidade da lei, mas antes impõe que a interpretação e aplicação da lei se há-de fazer sempre em conformidade com a Constituição, na directa decorrência do princípio da constitucionalidade prefixado liminarmente no nº 2 do artº 3º da Constituição da República.
e - A disposição hoje constante do artº 108º-A do Estatuto da Aposentação, introduzida no Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro pelo Decreto-Lei nº
214/83, de 25 de Maio, apresenta-se assim ferida por inconstitucionalidade material, por isso que condiciona o exercício pelos cidadãos de um direito ou garantia fundamental, qual é o direito de acesso à célere justiça administrativa, no respeito das regras próprias de fiscalização e de divisão de Poderes estaduais constitucionalmente acolhidas.
f - O douto acórdão do Venerando STA ora em crise que negou provimento ao recurso interposto pelo interessado da sentença do TAC do Porto, alegando a inoportunidade e ilegalidade da reacção em vista da obrigatória precedência de recurso administrativo obrigatório, faz interpretação da Constituição conforme à lei, quando é certo que deveria operar interpretação da lei conforme à Constituição (aceitando a invocada inconstitucionalidade do artº 108º-A do EA e decidindo após do pedido em última instância) acha-se assim reflexa, imediata e necessariamente inquinado de inconstitucionalidade. Por outro lado e em acréscimo,
g - Negando a recorribilidade contenciosa de acto revogatório substitutivo, cuja qualificação jurídica aceita, expressamente tomado no uso de competências delegadas, o aresto em referência viola ainda e por este motivo autonomamente o comando do nº 4 do artº 268º da CR e, até, o nº 1 do artº 25º da LPTA, por isso que operada a alegada revogação por substituição da primeira resolução da DSP da CGD, depara o interessado com um único acto administrativo de natureza definitiva e executória, com efeitos ab initio (e não com - um segundo - acto de diminuição da pensão) pois que tomado no exercício de poderes delegados. Assim:
h - Deve o Tribunal Constitucional julgar inconstitucional, por violação do disposto no nº 4 do artº 268º da Constituição da República, a norma constante do artº 108º-A do Estatuto da Aposentação, aditada ao Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, pelo Decreto-Lei nº 214/83, de 25 de Maio.
i - Como deve ainda esse Alto Tribunal julgar materialmente inconstitucionais, por violação daquele mesmo inciso da CR, as normas vertidas no nº 1 do artº 25º da LPTA (constante do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho) e no nº 1 do artº 167º do CPA (aprovado pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro). Por fim e nesta decorrência,
j - Deve ainda o Tribunal Constitucional reconhecer a integral procedência do presente recurso, ordenando seja o aliás douto acórdão aqui impugnado reformulado em consonância com o decidido sobre as questões de inconstitucionalidade, como é de
Justiça!'
Pela sua parte, a Caixa Geral de Aposentações recorrida, formulou as seguintes conclusões:
'Pelo contrário, a exigência de recurso hierárquico estabelecida no artigo
108º-A do D.L. nº 498/72, visa até uma maior protecção do particular. Com efeito, o que aí se estabelece é que, tratando-se de alguma das decisões susceptíveis de produzirem efeitos especialmente gravosos para os particulares e no caso de o particular considerar lesado algum dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, a questão deve ser apreciada pelo órgão máximo da respectiva entidade administrativa, como forma de se assegurar uma ponderação mais aprofundada da questão tendo em vista uma mais rápida reparação do erro - que porventura exista - sem necessidade de recurso directo aos Tribunais, cujo processo é, por natureza, mais moroso, mas sem prejuízo da possibilidade de recurso contencioso se a decisão do órgão máximo não der satisfação à pretensão do interessado.
Tais normas não prejudicam, portanto, o direito que a disposição do nº 4 do art.
268º da CRP se destina a acautelar.
3. Pelo exposto, e em conclusão, as normas dos artigos 108º-A do D.L. nº
214/83, de 25 de Maio, 25º, nº 1, da LPTA e 167º, nº 1, do CPA, não violam a disposição do nº 4 do artº 268º da CRP.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, assim se fazendo JUSTIÇA.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II- FUNDAMENTOS:
6. - Importa, antes de mais, delimitar o exacto âmbito do recurso. É que o recorrente, tendo embora restringido o recurso, no seu requerimento de interposição, à norma do artigo 108º-A do Estatuto da Aposentação (EA), pretendeu ampliá-lo nas alegações apresentadas neste Tribunal por forma a abranger as normas dos artigos 25º, nº1 da LPTA (Lei de Processo dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho) e
167º, nº1, do Código de Procedimento Administrativo (CPA).
Ora, uma vez delimitado o âmbito do recurso no requerimento de interposição - que é o momento legal para o efeito - não pode o recorrente vir posteriormente aditar ao âmbito ali definido outras normas.
7. - Assim, o presente recurso abrange tão somente a norma do artigo 108º-A do EA, e a questão de constitucionalidade suscitada é da sua conformidade ou não com o preceituado no artigo 268º, nº4 da CRP.
Vejamos, portanto e antes de mais, o teor da norma em apreciação:
'1 - Haverá recurso hierárquico necessário para o conselho de administração das resoluções que: a) Resolvam sobre a diminuição ou perda de pensão; b) Resolvam sobre a negação ou extinção da qualidade de subscritor; c) Resolvam sobre a denegação da realização de juntas médicas de revisão; d) Resolvam sobre a denegação do subsídio por morte.
2 - Este recurso será interposto no prazo de 30 dias a contar do dia da notificação feita ao interessado da resolução recorrida.'
No entender do recorrente a exigência do recurso hierárquico necessário formulada na norma transcrita redundaria em inconstitucionalidade material por condicionar o exercício pelos cidadãos do direito de acesso à célere justiça administrativa.
Sobre o tema da exigência de recurso hierárquico necessário como pressuposto de recorribilidade contenciosa do acto administrativo tem vindo o Tribunal Constitucional a pronunciar-se repetidamente no sentido da não inconstitucionalidade das normas postas em causa nos recursos que foram submetidos à sua decisão. Assim, designadamente quanto ao artigo 25º, nº 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA) (Decreto-Lei nº
267/85, de 16 de Julho), nos Acórdãos nºs 9/95 e 603/95, publicados no Diário da República II Série, de 22 de Março de 1995 e de 14 de Março de 1996, bem como nos Acórdãos nºs 24/96, de 17 de Janeiro, ainda inédito, e 115/96, publicado no
'Diário da República', II Série, de 6 de Maio de 1996.. Especificamente, a norma do artigo 108º-A do EA que vem agora posta em crise já foi apreciada no Acórdão nº 499/96, publicado no 'Diário da República', II Série, de 3 de Julho de 1996.
Não haverá pois que refazer o caminho argumentativo já percorrido, bastando referir a fundamentação concisa do que foi decidido.
Está em causa o direito de acesso à justiça administrativa, garantido como é hoje nos termos do artigo 268º, nº 4 da Constituição. Da sua redacção actual desapareceu a referência a actos administrativos definitivos e executórios contida no preceito homólogo do artigo
268º, nº 3, até à revisão constitucional de 1982. Sobre o alcance da modificação introduzida a doutrina portuguesa diverge mas decisiva para uma tomada de posição quanto à questão que vem colocada é a consideração de que efectivamente a precedência de recurso hierárquico não restringe nem acarreta a inutilidade do recurso contencioso, conforme se destaca no Acórdão nº 499/96, citado que se acompanha de perto, nesta parte.
Com efeito, a obrigatoriedade de interposição de recurso hierárquico não obsta a que o particular venha a interpor recurso contencioso em caso de indeferimento. Nessa perspectiva, estará em causa, simplesmente, a ordenação do processo jurisdicional - a natureza prévia do recurso hierárquico tem como efeito determinar o início do prazo para a interposição do recurso contencioso.
Tão pouco é prejudicada de forma significativa a celeridade no accionamento dos meios jurisdicionais, como vem alegar o recorrente. Sendo bem verdade que a Administração continua a poder revogar o acto 'até ao termo do prazo para a resposta ou contestação da autoridade recorrida', segundo se dispõe no artigo 47º da LPTA, não deverá esquecer-se que a utilização da via jurisdicional, quando confrontada com a via administrativa, implica ónus de vária natureza sempre mais exigentes do que aqueles de que se socorre o particular quando interpõe recurso hierárquico, na sequência do qual poderá obter decisão a seu contento, tornando desta forma dispensáveis aqueles meios mais onerosos.
No caso vertente a exigência de prévia interposição de recurso hierárquico, contida no artigo 108º-A do Decreto-Lei nº 498/71, de 9 de Dezembro, aditado pelo Decreto-Lei nº 214/93, de 25 de Maio, não configura uma violação do direito ao recurso contencioso a que se reporta o nº 4 do artigo
268º, ele próprio especificação do mais genérico direito de acesso aos tribunais, conferido pelo artigo 20º, nº 1, da Constituição.
Tem, assim, de se concluir que deve negar-se provimento ao recurso e confirmar-se a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade suscitada.
III - DECISÃO:
Nestes termos, de acordo com o exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso, confirmando-se, nesta parte, a decisão recorrida.
Lisboa, 10 de Outubro de 1996 Vítor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Antero Alves Monteiro Diniz Maria Fernanda dos Santos Martins da Palma Pereira Armindo Ribeiro Mendes José Manuel Cardoso da Costa