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Processo nº 691/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Exposição elaborada em conformidade com o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional
1 - No Tribunal Tributário de 1ª Instância de Viseu, A., advogado com escritório em -----------, deduziu impugnação judicial com fundamento na errónea quantificação da matéria tributável, por métodos indiciários, do seu volume de negócios respeitante ao período de 1 de Janeiro de
1988 a 31 de Dezembro de 1988, bem como em erro sobre os pressupostos na utilização daquele método, e que levou à sua notificação para efectuar o pagamento de 2.076.588$00, correspondente ao imposto profissional do ano de
1988, no montante de 1.349.730$00, e aos juros compensatórios de 726.858$00, bem como da quantia de 1.902.345$00 correspondente ao imposto complementar, Secção A, do ano de 1988, no montante de 1.359.031$00 e juros compensatórios de
543.314$00.
Peticionou a final, que seja anulada a liquidação do imposto profissional e complementar referentes ao ano de 1988, não só por erro na quantificação, por método indiciário, da matéria colectável, mas também por erro sobre os pressupostos na utilização daquele método.
Por sentença de 13 de Abril de 1994, foi indeferida liminarmente a impugnação, com a consequente manutenção dos actos impugnados.
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2 - Não conformado com o assim decidido levou o impugnante recurso ao Tribunal Tributário de 2ª Instância que, por acórdão de 10 de Janeiro de 1995, lhe negou provimento, confirmando a sentença recorrida.
Ainda inconformado interpôs então recurso para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, rematando as respectivas alegações com o seguinte quadro conclusivo:
'a) Não foi notificada ao recorrente a pronúncia da Fazenda Pública (Director de Finanças) quanto à questão da extemporaneidade da petição inicial, sendo que a omissão daquela formalidade influiu ou poderia ter influído na decisão proferida.
b) A não notificação ao recorrente daquela pronúncia é uma manifesta violação dos princípios constitucionais consagrados no nº 1 do artº 13º e no nº 1 do artº
18º da Constituição da República Portuguesa, pelo que a decisão, que não teve em conta aquela violação e não declarou a nulidade de todos os actos posteriores
àquela falta de notificação, que deveria ter sido ordenada, é inconstitucional.
c) O dia imediato ao da abertura do cofre é o primeiro dia de cobrança de um imposto na Tesouraria, ou seja, aquele em que, efectivamente, se inicia a cobrança de uma contribuição ou imposto.
d) Estando nos avisos juntos aos autos e enviados ao recorrente a indicação da aludida abertura do cofre para aquela cobrança virtual, se não fossem pagos os impostos até ao dia 29 de Setembro, o prazo de noventa dias tem de ser contado somente a partir da data do pagamento voluntário que ali é indicado.
e) Sendo a impugnação judicial um recurso contencioso de anulação, o prazo para a sua dedução - sendo já em si um acto processual a praticar em juízo - é judicial, a que se aplica o nº 3 do artº 144º do C.P.C..
f) O acórdão recorrido, tal como a sentença anterior, violaram o disposto nos artºs 104º, 201º, 144º e 279º, do C.P.C. e artº 130º do C.P.T. e artºs 13º, 1 e
18º, 1 e 2, ambos da Constituição da República Portuguesa.
g) Deve, pois, dando-se provimento ao recurso, ser revogado o acórdão recorrido, com as demais consequências legais.'
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3 - O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 24 de Abril de 1996, negou provimento ao recurso e confirmou o acórdão recorrido.
Para tanto, e na parte que aqui importa reter, aduziu-se a fundamentação seguinte:
'São três as questões trazidas em recurso ao conhecimento deste tribunal ad quem: a primeira é a de saber se a não notificação do despacho do Director de Finanças, proferido ao abrigo do artº 130º do C.P.Tributário em que sustentou que a petição da impugnação devia ser liminarmente indeferida constitui nulidade do processo que importe a anulação de todos os seus actos posteriores; a segunda, a de saber se a interpretação do artº 130º do C.P.T. no sentido de não obrigar à notificação do despacho proferido pela autoridade nele referida ofende os princípios constitucionais consagrados no nº1 dos artºs 13º e nº1 do artº 18º da C.R.Portuguesa e a terceira, a de saber se o prazo estabelecido no artº 89º do C.P.C.Impostos tem natureza processual e se ele ainda não se havia extinguido à data da interposição da impugnação judicial.
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1 - A primeira questão.
A funcionalidade do artº 130º do C.P.Tributário é a de propiciar à administração fiscal uma oportunidade de revogar total ou parcialmente o acto tributário impugnado.
Assim ganhariam, quer a administração porque evitaria o desprestígio adveniente da procedência do pedido jurisdicional, quer o contribuinte, este pela celeridade da definição da sua situação tributária.
O legislador transplantou para o domínio do processo de impugnação judicial o regime que antes consagra no artº 2º do D.L. nº 256-A/77, de 17 de Junho.
A pronúncia da administração, feita ao abrigo daquele preceito, apenas é susceptível legalmente de alcançar os efeitos nele previstos ou correspondentes ao poder legal nele conferido e estes só podem ser a revogação total ou parcial ou a manutenção pela autoridade competente do acto impugnado.
No mais que a autoridade disser, para além desse domínio, é absolutamente irrelevante dentro da economia do preceito.
Poder-se-á dizer que esse mais poderão ser informações oficiais de factos que sejam susceptíveis de influenciar a sorte da impugnação ou que poderá ser uma resposta antecipada da Fazenda Pública sobre a qual o impugnante houvesse de ser ouvido por nela se suscitar questão obstantiva do conhecimento da impugnação (artº 54º da L.P.T.A. ex vi do artº 2º, al. b) do C.P.T.).
Todavia, se assim fôr, já se estará fora da previsão do artº 130º do C.P.T..
Então, essas informações oficiais de factos estarão sujeitas ao regime geral estatuído para estas ou seja, deverão ser sempre notificadas ao impugnante, logo que juntas (artº 134º, nº 3 do C.P.T.), jamais podendo os factos ser tidos em conta na decisão do juiz sem prévio contraditório.
E se se tratar de uma resposta antecipada?
A solução que se impõe é a de ignorar tal resposta até ao momento em que ela fôr susceptível de ser valorada.
E é assim, até porque podendo o respondente alterar essa resposta dentro do prazo legal conferido para o efeito (artº 131º, nº 2 do C.P.T.), atender-lhe antes seria sempre um acto inquinado de precaridade.
Mas se o juiz apesar de tudo lhe atendeu antes do momento próprio?
Neste caso estar-se-á, parece, perante uma nulidade processual que carecerá de ser arguida no tempo próprio (artº 205º do C.P.C.).
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Mas mais. Mesmo a existir a defendida nulidade processual, ela teria de se considerar sanada, por falta de oportuna arguição.
Na verdade, o recorrente foi notificado da decisão recorrida (em cópia dactilografada9, por carta registada de 94.05.12, e apenas arguiu a nulidade nas suas alegações de recurso apresentadas em 94.06.22.
Tratando-se de uma nulidade processual secundária e não da decisão judicial e não estando essa nulidade coberta por qualquer despacho que a houvesse apreciado (Ac. S.T.J., de 90.02.20, in B.M.J. 394-451), ela careceria de ter sido arguida no prazo de cinco dias a contar da notificação do despacho judicial cuja prolacção a pressupõe, segundo a óptica da parte, e cuja validade estaria inquinada.
Foi-o porém, muito para além desse prazo, como se vê.
Face ao que vem de ser dito constata-se que bem decidiu o acórdão recorrido tal questão, pois a desatendeu com fundamentação parcialmente coincidente.
2 - A segunda questão
Perante a resposta dada à questão anterior está prejudicada a resposta a dar à segunda questão: a da inconstitucionalidade do artº 130º do C.P.T. no sentido de dispensar a notificação do despacho da Administração Fiscal.
Na verdade, a solução da questão da nulidade não passou pela consideração da desnecessidade da notificação, como se viu, mas pela irrelevância dessa falta no caso de estar em causa, como está na situação em apreço, uma questão de conhecimento oficioso cujo conhecimento em nada é afectável abstractamente ou o foi concretamente pela não notificação da pronúncia feita pela Administração Fiscal.
Não havendo o preceito sido aplicado na dimensão interpretativa, que se defende ser inconstitucional, não há que apreciar essa questão de inconstitucional: tratar-se-ia de mero exercício académico que não cabe na função dos tribunais.'
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4 - O recorrente apresentou então petição de recurso para o Tribunal Constitucional, sob invocação do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 14 de Novembro, informando que a norma cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada é a norma do artigo 130º do Código de Processo Tributário, por ofensa aos princípios contidos nos artigos 13º, nº 1 e 18º, nº 1, da Constituição.
Os autos subiram a este Tribunal, entendendo o ora relator que o recurso não pode ser admitido.
Vejamos porquê.
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5 - Em conformidade com o disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b) da Constituição e 70º, nº 1, alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Vem este Tribunal entendendo, em jurisprudência uniforme e reiterada, que o exacto significado da locução 'durante o processo' utilizada naqueles preceitos como um dos pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso, - aquele a que o recorrente lançou mão - deve ser tomado não num sentido puramente formal (tal que a inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instância), mas sim num sentido funcional, tal que essa invocação haverá de ser feita em momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja, a inconstitucionalidade terá de ser suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que aquela questão respeita.
Todavia, a orientação geral assim definida, não será de aplicar em determinadas situações excepcionais em que os interessados não tenham disposto de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade antes do proferimento da decisão, caso em que ainda lhes deverá ser salvaguardado o direito ao recurso de constitucionalidade.
Na verdade, num plano conformador da orientação geral definida naquela jurisprudência, tem este Tribunal decidido que naqueles casos anómalos em que o recorrente não disponha de oportunidade processual, para suscitar a questão de inconstitucionalidade durante o processo, isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal da causa sobre a matéria a decidir, ainda assim existirá o direito ao recurso de constitucionalidade que poderá ser exercido independentemente daquela suscitação (cfr. sobre esta temática, por todos, os acórdãos nºs 62/85, 136/85, 94/88 e 61/92, Diário da República, II série, de, respectivamente, 31 de Maio de 1985, 28 de Janeiro de 1986, 22 de Agosto de 1988 e 18 de Agosto de 1992,e o acórdão nº 479/89, Boletim do Ministério da Justiça, nº 389º, pp. 222 e ss.).
A isto acresce que a apreciação das questões de constitucionalidade por este Tribunal, no caso dos recursos interpostos ao abrigo dos já referidos artigos 280º, nº 1, alínea b) e 70º, nº 1, alínea b), está condicionada por uma efectiva aplicação da norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Se determinada norma jurídica não for aplicável ao caso submetido a julgamento, o tribunal da causa não deve pronunciar-se sobre a sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade, pois que a competência dos tribunais comuns (expressão aqui usada para designar todos os outros tribunais, com excepção do Tribunal Constitucional) no acesso directo à Constituição é uma competência vinculada, no sentido de apenas compreender aquelas questões de constitucionalidade que tenham por objecto as normas jurídicas susceptíveis de aplicação ao caso submetido a julgamento.
Quando o tribunal da causa se pronunciar, fora deste contexto, sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma, acaba por proferir uma decisão sem interesse para o julgamento da causa, não podendo rigorosamente falar-se em aplicação ou desaplicação normativa susceptível de abrir a via do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, só no caso de a norma desaplicada, com fundamento em inconstitucionalidade (ou aplicada, não obstante a suspeita de inconstitucionalidade que sobre ela se suscitou), ser relevante para a decisão da causa (isto é, só quando tal norma for aplicável ao julgamento do caso decidido pelo tribunal recorrido) é que se justifica a intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso. Só em tal caso é que a decisão que o Tribunal Constitucional vier a proferir sobre a questão de constitucionalidade apreciada pelo tribunal recorrido, é susceptível de se projectar utilmente sobre a decisão da questão de fundo ou seja, sobre a decisão da causa julgada por este último tribunal (cfr. neste sentido, por todos, o acórdão nº 169/92, Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992).
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6 - Ora, à luz das considerações antecedentes, pode seguramente afirmar-se que não se mostram reunidos no presente processo todos os requisitos de que depende a admissibilidade do tipo de recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente.
Com efeito, verifica-se desde logo que não foi suscitada de modo directo e objectivo a questão de constitucionalidade de qualquer norma jurídica, nomeadamente, da norma do artigo 130º do Código de Processo Tributário a que se alude na petição de recurso.
É certo que, nas alegações produzidas perante o Supremo Tribunal Administrativo, se faz referência a essa norma mas com o sentido de haver ela sido violada pela decisão do Tribunal Tributário de 2ª instância e não já de violar ela própria preceitos ou princípios constitucionais [cfr. a alínea f) das conclusões, muito embora se reconheça que de um passo da fundamentação e, contrariamente ao constante do quadro conclusivo, se pode extrair a ideia de ser questionada a própria norma].
Assim sendo, e porque, em conformidade com o disposto no artigo 690º, nº 5, do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões que obrigatoriamente devem rematar as alegações, pode dizer-se inexistir o pressuposto da adequada suscitação de inconstitucionalidade da norma que se pretendia ver sindicada.
Mas, mesmo que assim não se entendesse, sempre haveria de se concluir no sentido de se mostrar ausente do quadro dos requisitos exigíveis à admissão do recurso, aquele que impõe a aplicação da norma impugnada como fundamento normativo da decisão recorrida.
Efectivamente, como aliás bem se demonstra na própria decisão sobre recurso, a norma do artigo 130º do Código de Processo Tributário não foi ali aplicada e daí que um eventual julgamento sobre a sua legitimidade constitucional não teria reflexo sobre a decisão da causa, como é exigido pela natureza instrumental do recurso de constitucionalidade.
Nestes termos, propõe-se que o recurso não seja admitido.
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
------------------ Processo nº 691/96
1ª Secção Rel. Cons. Monteiro Diniz
Acordam no Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade em que figuram como recorrente A., pelo essencial das razões constantes da exposição do relator a fls. 115 a 125, não infirmadas na resposta de fls. 127, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5
(CINCO) Ucs.
Lisboa, 4 de Dezembro de 1996 Antero Alves Monteiro Diniz Maria da Assunção Esteves Vítor Nunes de Almeida Armindo Ribeiro Mendes Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida