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Procº nº 296/94.
2ª Secção.
Relator:- Consº BRAVO SERRA.
I
1. Por despacho proferido pelo Ministro da Administração
Interna em 15 de Dezembro de 1993, foi recusada a admissão do pedido de asilo
formulado pelo cidadão zairense A., motivo pelo qual, pretendendo ele interpôr
de tal despacho recurso para o Supremo Tribunal Administrativo e invocando não
possuir meios económicos bastantes para suportar honorários com profissionais
forenses, solicitou àquele Supremo Tribunal, ao abrigo dos artigos 1º, nº 1, 7º,
nº 1, 8º, 15º, 22º, nº 2, e 23º, todos do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de
Dezembro, a concessão do benefício de apoio judiciário consistente na nomeação
de patrono.
O Relator daquele Alto Tribunal, recusando, 'com
fundamento em inconstitucionalidade, por violação dos artigos 15º, nºs 1 e 2 ,
da Constituição, a aplicação das normas dos artigos 7º, nº 2, do Decreto-Lei nº
387-B/87, de 29 de Dezembro, e 1º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 391/88, de 16 de
Outubro, na parte em que vedam a concessão de apoio judiciário, na modalidade de
patrocínio judiciário, ao estrangeiro que, tendo impetrado asilo político,
pretende impugnar contenciosamente a decisão administrativa que lho denegou',
concedeu ao requerente, e na modalidade solicitada, o apoio judiciário que
peticionou.
A representante do Ministério Público junto do S.T.A.,
notificada daquele despacho, do mesmo reclamou para a conferência.
Esta, por acórdão de 12 de Maio de 1994, confirmou o
despacho reclamado.
Para tanto, escreveu-se, em certo passo, nesse aresto:
'............................................
A legislação vigente relativa à atribuição do direito à protecção
jurídica, nas modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário (artigo 6º
do Decreto-Lei nº 387-B/87), a estrangeiros e apátridas, limita-o aos que
'residam habitualmente em Portugal' (artigo 7º, nº 2) e, relativamente aos
estrangeiros não residentes em Portugal, apenas 'na medida em que ele seja
atribuído aos portugueses pelas leis dos respectivos Estados' (arti- go 7º, nº
3). Por seu turno, o Decreto-Lei nº 391/88, com o objectivo de regulamentar o
sistema de apoio judiciário, veio estabelecer que 'para efeitos de protecção
jurídica, a residência habitual de estrangeiros ou apátridas titulares de
autorização de residência válida, a que se refere o nº 2 do artigo 7º do
Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, implica a sua permanência regular e
continuada em Portugal, por período não inferior a um ano, salvo regime especial
decorrente de tratado ou convenção internacional que Portugal deva observar'
(artigo 1º, nº 1), acres- centando o nº 2 que 'os estrangeiros a quem for
concedido asilo ou que goze de estatuto de refugiado podem usufruir de protecção
jurídica a partir da data da concessão do direito de asilo ou de reconhecimento
do estatuto de refugiado'.
Destas normas parece resultar que, pelo menos em casos, como o
presente, em que se ignorava se o requerente de asilo residia regularmente em
Portugal há mais de um ano, não era legalmente admissível que lhe fosse
concedido apoio judiciário para impugnar contenciosamente a decisão
administrativa que lhe denegou o asilo.
Acontece, porém, que, tal solução normativa é inconstitucional e, por
isso, os tribunais têm o dever de recusar a sua aplicação (artigos 207º da
Constituição e 4º. nº 3, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
O artigo 15º da Constituição afirma como princípio geral a
equiparação de direitos e deveres entre, por um lado, cidadãos portugueses e,
por outro lado, estrangeiros e apátridas, quer estes residam ou apenas se
encontrem em Portugal. A equiparação constitucionalmente consagrada entre
nacionais e estrangeiros (e apátridas) constitui um corolário do princípio da
igualdade e da vocação universalista da Constituição em matéria de direitos
funda- mentais, expressa, entre outros aspectos, pela recepção efectuada pelo
artigo 16º, nº 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em bom rigor, o
princípio da equiparação consti- tui uma manifestação concreta do valor da
dignidade da pessoa humana - valor primeiro em que se baseia a República
Portuguesa (artigo 1º da Constituição) -, o qual é independente de quaisquer
considerações decorrentes da sua nacionalidade. A equiparação surge, por
conseguinte, como princípio jurídico fundamental da Constituição, verdadeira
cláusula ampliativa de direitos a todos os estrangeiros e apátridas,
funcionando, paralelamente, como critério decisório e interpretativo de todas as
normas sobre posições jurídicas subjectivas de estrangeiros. Em consequência,
também os direitos fundamentais de estrangeiros e apátridas reconhecidos pelo
princípio da equiparação se encontram sujeitos, designadamente, ao regime das
restrições constante dos nºs 2 e 3 do artigo 18º da Constituição, que,
respectivamente, dispõem que 'a lei só pode restringir os direitos, liberdades e
garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, de- vendo as
restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou
interesses constitucionalmente protegidos' e que 'as leis restritivas de
direitos, liberdades e ga- rantias têm de revestir carácter geral e abstracto e
não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteú-
do essencial dos preceitos constitucionais'.
É certo que a Constituição estabelece excepções a este princípio da
equiparação, estabelecendo reservas de direitos (e deveres) para cidadãos
portugueses: reserva absoluta, no que tange ao acesso à titularidade dos órgãos
de soberania e dos órgãos próprio das regiões autónomas, ao serviço nas forças
armadas e à carreira diplomática (artigo 15º, nº 3, segunda parte), e reserva
relativa, na medida em que certos direitos e deveres, em princípio exclusivo dos
cidadãos portugueses, podem ser conferidos a estrangeiros (primeira parte do nº
3 e nºs 4 e 5 do artigo 15º), sendo admissível que, nesta extensão, se dê
relevância à duração da residência em Portugal. Porém, no que respeita a
direitos fundamentais que não sejam reservados, em termos absolutos ou
relativos, pela Constituição ou pela lei, exclusi- vamente aos cidadãos
portugueses, a Lei Funda- mental não consente que a lei ordinária estabeleça
discriminações entre estrangeiros residentes e não residentes em Portugal -
porque se trata de direitos atribuídos atenta a qualidade de pessoa humana,
basta a sujeição à ordem jurídica portuguesa para ter garantido o seu
reconhecimento.
O direito de acesso aos tribunais, de que é componente essencial o
patrocínio judiciário, é assegurado pela Constituição 'a todos' (artigo 20º), o
que logo inculca a universalidade do respectivo reconhecimento, não suscitando
dúvidas a sua inclusão nos clássicos direitos fundamentais (direitos, liberdades
e garantias), pelo que não são admitidas, nesta matéria, distinções entre
estrangeiros residentes e não residentes em Portugal.
Por outro lado, o direito de asilo é concebido como um direito
subjectivo (artigo 33º, nº 3), a que não pode deixar de estar associada a
garantia do acesso aos tribunais para impugnar as decisões administrativas que o
deneguem, e, assim, são constitucionalmente inválidas as normas que recusem o
apoio judiciário ao requerente de asilo.
Tais normas violam ainda a proibição de discriminação em razão da
situação económica, genericamente proclamada no artigo 13º, nº 2, e
especificamente reafirmada, no que tange ao acesso aos tribunais, pelo nº 1 do
artigo 20º, ao afirmar que a justiça não pode ser denegada por insuficiência de
meios económicos. Ora, basta considerar a hipótese de dois requeren- tes de
asilo, um com meios económicos que lhe permitam constituir advogado e suportar
as despesas de acesso à justiça e outro carecido desses meios, a quem foi
denegado o direito de asilo; o primeiro poderia impugnar contenciosamente tal
decisão, enquanto o segundo, sendo-lhe recusado o acesso ao sistema de apoio
judiciário, ficaria desprovido, por razões económicas, de tutela judicial
efectiva para fazer valer um seu direito subjectivo, o que é manifestamente
intolerável.
Saliente-se que não se trata, agora, de saber se o requerente de
asilo, na pendência do respectivo processo, tem direito a apoio judiciário para
litigar em qualquer outro pro- cesso (civil, laboral, penal, etc.) em que seja
interessado, e mesmo que aí estejam em causa outros direitos fundamentais, mas
sim se tem esse direito no próprio processo em que se discute a concessão do
estatuto de asilado.
Negar-lhe esse direito surge como uma intolerável negação da tutela
judicial efectiva para defesa de um direito subjectivo funda- mental. Se a
Constituição e a lei atribuem o direito de recurso contencioso contra o acto
administrativo de recusa de asilo, não podem deixar de atribuir também os meios
necessários para a efectivação desse direito, que é, para o requerente de asilo,
o mais básico dos seus direitos.
.............................................'
2. Do acórdão de que acima se encontra transcrita uma
parte recorreu para este Tribunal a representante do Ministério Público, aqui
tendo o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto produzido alegação na qual, propugnando
pela improcedência do recurso, concluiu que '[a]s normas dos artigos 7º, nº 2,
do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, e 1º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei
nº 391/88, de 26 de Outubro, na parte em que vedam a concessão de apoio
judiciário, na modalidade de patrocínio judiciário, ao estrangeiro que, tendo
impetrado asilo político, pretenda impugnar contenciosamente a decisão
administrativa que lho denegou, são materialmente inconstitucionais por violação
do disposto nos artigos 13º, nº 2, 15º, nºs 1 e 2, e 20º, nºs 1 e 2 da
Constituição'.
II
1. Com vista a promover 'que a ninguém seja dificultado
ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência
de meios económicos, de conhecer, fazer valer ou defender os seus direitos',
editou o Governo, ao abrigo do autorização concedida pela Lei nº 41/87, de 23 de
Dezembro, o Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 daquele mês, diploma que, justamente,
veio a regular o «Acesso ao direito e aos tribunais», como decorrência do que se
consagra no artigo 20º da Constituição nas vertentes de acção 'de informação e
protecção jurídica, pré ou parajudiciária', e 'do que classicamente se chamava
de «assistência judiciária»'.
Aí se estabeleceu que 'a protecção jurídica reveste as
modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário' (cfr. artº 6º), tendo
direito a essa protecção 'as pessoas singulares' e 'colectivas' que 'demonstrem
não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos
profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços e para
custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa judicial'
(números 1 e 4 do artº 7º).
Ficou igualmente consagrado que do direito a protecção
jurídica gozam '[o]s estrangeiros e os apátridas que residam habitualmente em
Portugal' (nº 2 daquele artº 7º), sendo que '[a]os estrangeiros não residentes
em Portugal é reconhecido o direito a protecção jurídica, na medida em que ele
seja atribuído aos portugueses pelas leis dos respectivos Estados' (nº 3 do
mesmo artigo).
Com vista a regulamentar o sistema de apoio judiciário e
o seu regime financeiro, surgiu a lume, em 26 de Outubro de 1988, o Decreto-Lei
nº 391/88 que, inter alia, veio dispor no seu artº 1º que '[p]ara efeito de
protecção jurídica, a residência habitual de estrangeiros ou apátridas titulares
de autorização de residência válida, a que se refere o n.º 2 do artigo 7º. do
Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, implica a sua permanência regular e
continuada em Portugal, por período não inferior a um ano, salvo regime especial
decorrente de tratado ou convenção internacional que Portugal deva observar' (nº
1), sendo que '[o] estrangeiro a quem for concedido asilo ou que goze do
estatuto de refugiado pode usufruir de protecção jurídica a partir da data da
concessão do direito de asilo ou do reconhecimento do estatuto de refugiado'
(nº2).
2. Da articulação dos preceitos constantes do artº 7º,
números 2 e 3, do D.L. nº 387-B/87 e do artº 1º do D.L. nº 391/88 resulta, pois,
que a protecção jurídica não é concedida a estrangeiro - que tenha solicitado a
concessão de estatuto de refugiado político e ao qual ainda não tenha sido
concedido asilo ou goze desse estatuto - que não seja detentor de autorização
de residência válida em Portugal, ou que, sendo-o, aqui não resida regular e
continuadamente por um período não inferior a um ano, e desde que as leis do
Estado da respectiva nacionalidade não atribuam aos portugueses idêntico
direito.
Foi a norma resultante daquela articulação que, por
merecer um juízo de desconformidade constitucional, foi objecto de desaplicação
pela decisão ora recorrida, com base na fundamentação que acima se deixou
transcrita, juízo esse que agora é sujeito à sindicância deste Tribunal.
2.1. De acordo com o artigo 15º, nº 1, da Constituição,
'[o]s estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam
dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português', o que equivale
a dizer que neste preceito se consagra um princípio geral de equiparação, quanto
ao gozo de direitos e sujeição a deveres, entre os cidadãos portugueses e os
apátridas. Exceptuam-se desse princípio, todavia (nº 2 daquele artigo 15º), 'os
direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter
predominantemente técnico e os direitos reservados pela Constituição e pela lei
exclusivamente aos cidadãos portugueses'.
Comentando o nº 1 do citado artigo 15º, dizem Gomes
Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
edição, 134) que tal norma se inscreve 'na orientação mais avançada quanto ao
reconhecimento de direitos fundamentais a estrangeiros e apátridas', não fazendo
a Lei Fundamental, salvo as excepções do nº 2, 'depender da cidadania portuguesa
o gozo dos direitos fundamentais, bem como a sujeição aos deveres fundamentais',
sendo o estabelecimento de um tal princípio 'o que se chama tratamento nacional,
isto é, um tratamento pelo menos tão favorável como o concedido ao cidadão do
país, designadamente no que respeita a um certo número de direitos
fundamentais'.
Por outro lado, por entre os direitos e garantias
fundamentais elencados no Diploma Básico, consagra-se no seu artigo 20º o
asseguramento, a todos, do 'acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos
seus direitos e interesses legítimos' (tenha-se em conta, como manifestação ou
refracção desta garantia, o direito de recurso contencioso contra actos
administrativos ilegais estatuído no nº 4 do artigo 268º), explicitando-se que a
justiça não pode 'ser denegada por insuficiência de meios económicos' e
igualmente se concedendo, também a todos, 'o direito, nos termos da lei, à
informação e consulta jurídicas e ao patrocínio judiciário' . Aqueles direito e
garantia, não estão, desta sorte, reservados, quer constitucional, quer
legalmente, tão só aos cidadãos portugueses.
Ainda de outra banda, está garantido pela Constituição
(nº 6 do artigo 33º) 'o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas
perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, em consequência da sua
actividade em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre
os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana' (cfr., contudo, a
ampliação das razões de perseguição, para além das enunciadas na Lei
Fundamental, levada a cabo pelo nº 2 do artº 2º da Lei nº 70/93, de 29 de
Setembro e, bem assim, o regime excepcional constante do seu artº 10º), direito
esse cuja concessão (que compete ao Ministro da Administração Interna - cfr.
artº 11º da aludida Lei) lhe confere o estatuto de refugiado (cfr. artº 3º da
mesma Lei) e não pode deixar de ser entendido como comportando, também ele, um
direito subjectivo daqueles estrangeiros e apátridas objecto de perseguição 'a
obter refúgio e asilo noutro Estado e a não ser remetido para o país de onde
provém' (G. Canotilho e V. Moreira, ob. e edição citadas, 211).
De notar que a concessão de asilo e o consequente
estatuto de refugiado político tem os efeitos consignados nos artigos 7º e 9º e
desencadeia a situação jurídica prevista no artº 7º, todos da Lei nº 70/93.
2.2. Torna-se claro que o assinalado asseguramento de
acesso aos tribunais, a par da proibição de denegação de justiça por
insuficiência de meios económicos, sabido que é que, em muitos casos, para
naqueles se pleitear se torna necessária a constituição de advogado, há-de
implicar, nas hipóteses daquela insuficiência, que se confira o direito ao
«patrocínio judiciário».
Significa isto, em consequência, que, muito embora o
exercício e as formas do «direito ao patrocínio judiciário» seja, pelo nº 2 do
artigo 20º da Constituição, relegado para a lei, o que é certo é que, dada a
implicação a que acima se fez referência, a lei ordinária não poderá estabelecer
condicionantes ou requisitos tais que dificultem ou tornem por demais difícil o
exercício daquele direito ou, ainda acentuadamente, restrinjam o respectivo
conteúdo, sob pena de aqueloutro direito de acesso aos tribunais 'não passar de
um «direito fundamental formal»', para se usarem as palavras dos comentadores já
citados (mesmas obra e edição, 163).
2.3. Perante estes parâmetros, inquestionavelmente será
de aceitar que, do ponto de vista constitucional, está garantido a um
estrangeiro ou apátrida solicitante de asilo político e, sequentemente, do
estatuto de refugiado político (ou seja, como alguém que exercita um direito
subjectivo reconhecido constitucionalmente), que sindique o acto administrativo
que denegue um tal pretensão, se entender que o mesmo padece de ilegalidade.
Ora, como esse acto é, como se viu, da responsabilidade
do Ministro da Administração Interna, a respectiva sindicância jurisdicional só
poderá ocorrer perante o Supremo Tribunal Administrativo [vide alínea e) do nº 1
do artº 26º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo
Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril]; e como nesse Supremo Tribunal, como
tribunal administrativo que é, é obrigatória a constituição de advogado nos
processos da respectiva competência (artº 5º da Lei de Processos nos Tribunais
Administrativos aprovada pelo Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho), segue-se
que a impugnação contenciosa do acto denegatório da concessão de asilo só poderá
ocorrer se o cabido petitório se encontrar formulado por um advogado.
Sendo isto assim, postando-se uma situação em que o
estrangeiro ou apátrida, impetrante de asilo e carecido de meios económicos
bastantes que lhe permitam suportar as despesas com os honorários de um advogado
ou com os encargos normais de processo de impugnação contenciosa que corra
termos pelo S.T.A., não concorde com o acto que lhe não deferiu a sua pretensão,
por o entender ferido de legalidade, resulta da norma que deflui das disposições
conjugadas dos artigos 7º, nº 2, do D.L. nº 387-B/87 e 1º, nº 2, do D.L. nº
391/88, que lhe não será possível levar a cabo a impugnação desse acto. Já assim
não ocorrerá se se tratar de um estrangeiro ou apátrida, identicamente
peticionante de asilo que lhe não foi concedido, caso disponha dos meios
económicos suficientes para o custeio das despesas normais do pleito, nestas se
incluindo o pagamento dos honorários a advogado que o represente.
É patente, assim, a desigualdade que, com aquelas
disposições legais, se cria, sendo certo que numa e noutra das referidas
situações, e tendo em conta o desejado resultado - a impugnação de um acto que,
na perspectiva dos por ele lesados, ilegalmente teria ofendido um direito
subjectivo que se propunham exercitar e que, em abstracto, lhes era
constitucionalmente atribuído (para além de, de igual modo do ponto de vista
constitucional, lhes ser reconhecido o direito de acesso aos tribunais) - à
partida se assumem como substancialmente idênticas.
Afigura-se, desta sorte, que a norma resultante das
mencionadas disposições legais vai, de modo directo, ofender o princípio da
igualdade projectado na garantia de acesso aos tribunais e o direito ao
patrocínio judiciário previstos no artigo 20º, na medida em que, sem que se
anteveja que o faça com vista à salvaguarda de outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos, restringe o referido direito de acesso,
porquanto impede que um estrangeiro ou apátrida, nas citadas condições de
carência económica, instaure um processo de impugnação contenciosa do acto
administrativo que lhe não concedeu asilo.
3. Não se vá sem assinalar que, como sublinha o acórdão
recorrido, não está em causa, neste momento, a questão de saber se o requerente
de asilo, na pendência do pedido, deve, ou não, nas causas em que figure como
interessado ou «parte», beneficiar da protecção jurídica, tal como se encontra
estruturada pelo D.L. nº 397-B/87.
Na verdade, o que aqui interessa decidir é se, do ponto
de vista constitucional, lhe pode, através da norma que se extrai dos preceitos
sob censura, ser retirado o direito ao apoio judiciário no próprio processo cujo
objectivo, ao fim e ao resto, é o de visar efectivar o exercício de um seu
direito subjectivo consagrado no Diploma Básico, questão à qual o Tribunal
responde negativamente.
III
Em face do exposto decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação dos artigos
18º, nº 2 e 20º, números 1 e 2, da Constituição, a norma que se extrai da
leitura conjugada do nº 2 do artº 7º do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de
Dezembro, e do nº 1 do artº 1º do Decreto-Lei nº 391/88, de 26 de Outubro,
segundo a qual (salvo se as leis do Estado da respectiva nacionalidade não
atribuam aos portugueses idêntico direito) não gozam do direito de apoio
judiciário, incluindo o patrocínio judiciário, os estrangeiros ou apátridas que,
não sendo detentores de autorização de residência válida em Portugal, ou que,
sendo-o, aqui não residam regular e continuadamente por um período não inferior
a um ano, hajam solicitado, sem êxito, a concessão de estatuto de refugiado
político e pretendam impugnar contenciosamente a decisão que esse estatuto lhes
denegou e,
b) em consequência, negar provimento ao recurso.
Lisboa, 20 de Junho de 1995
Bravo Serra
Fernando Alves Correia
Messias Bento
Guilherme da Fonseca
Luís Nunes de Almeida